I
Borrachas, borrachões assinalados,
Que de Alcochete junto a Vila Franca,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram inda além de Peramanca:
Em pagodes, e ceias esforçados,
Mais do que permite a gente branca,
Em Évora cidade se alojaram,
Onde pipas e quartos despejaram:
II
Também as bebedices mui famosas
Daqueles que andaram esgotando
O império de Baco, e as saborosas
Águas do bom Louredo devastando;
E os que por bebedices valorosas
Se vão das leis do Reino libertando;
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar Baco, e não Marte.
III
Cessem do Novelão, do grã Barbança
As grandes bebedices que fizeram;
Cale-se do Rangel e do Carranca
A multidão de vinhos que beberam,
Que eu canto doutra gente e doutra lança,
A quem frascos de vinho obedeceram:
Cesse tudo o que a musa antiga canta,
Que outro beber mais alto se alevanta.
IV
E vós, bacanais ninfas, pois criado
Em mim tendes a sede tão ardente,
Se sempre em largo copo espraiado
Festejei vosso vinho alegremente,
Dai-me agora um bom papo despejado
Para beber à perda co'esta gente,
Porque de vossas águas Baco ordene
Um rio para bêbados perene.
V
Dai-me uma vasilha mui cheirosa,
Seja de bom licor, não saiba a arruda,
De Peramanca seja que é gostosa,
O peito esforça, a cor ao gesto muda;
Dai-me igual nome às taças da famosa
Gente vossa que Baco tanto ajuda;
Que se espalhe, e se cante no universo,
Se tanta bebedice cabe em verso.
- Festas Bacanais,Conversão do primeiro canto d'Os Lusíadas do Grande Luís de Camões
Vertidos do humano em o de-vinho por uns caprichosos actores:
o Dr. Manuel do Vale, Bartolomeu Varela, Luís Mendes de Vasconcelos e o Licenciado Manuel Luís, no ano de 1589.
Lisboa, Apenas Livros, 2007
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
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9 comentários:
Esforço-me tanto, tanto me dedico, e sei que também muitos outros, para uma Lusofonia séria, e leio isso...
Pena.
Caro Amigo, não deve ter entendido que a Lusofonia é a língua de Luso, companheiro ou irmão de Baco... Luso, como a palavra indica, o Libertador... da triste gente séria que povoa este mundo...
Honre o seu nome e não tenha pena: liberte-se! Pois o amigo não escolheu como nome o Rei da Festa dos Loucos!?...
Manuelito, caro amigo;
Entendo muito bem a língua de Luso a que te referes. Até porque tenho raízes toponímicas em Figueiredo das Donas, Concelho de Vouzela, o que muito me orgulha pela história e pela orígem.
Bem sei que fizestes uma trascrição.
Me permita, no entanto dizer, que adotei como modo de vida a MILitância, a construção, o olhar adiante, o respeito pela história como raíz e base para o futuro.
Não o critico. Apenas me manifesto no sentido da seriedade do movimento que estamos, a duras penas, construindo.
O lusitano e seus descendentes, espalhados pela Trans-Pátria (conceito ainda a ver e discutir), não é, a priori um bêbado, como dás a entender genéricamente. E nem eu sou irmão de Baco, embora não abstêmio.
Eu me considero sério sim, pois é de seriedade que o mundo precisa. Entenda, no entanto, que seriedade não quer dizer carrancudo, mas sim movido por atos e atitudes que possibilitem fazer crescer uma causa, sem deixar de exibir um sorriso. Não vejo o que de construtivo há em parodiar ícones e símbolos, mesmo que seja mera literatura inventiva.
Quanto ao nome a que te referes,e que me pedes honrar, esclareço que Quasímodo não é o Rei dos Loucos, mas um personagem de Victor Hugo, escritor francês, e que, na sua época serviu para uma crítica séria e sutil às hipocrisias de então, e que se mantém atuais. O nome é de orígem Latina, língua mãe nossa e a quem honro e a quem não estou preso que mereça esse brado de "liberte-se!"
O movimento Lusófono, por amplo, pode e deve agrugar muitas vertentes, nem sempre harmoniosas, mas democrática e livres.
Eu apenas escolho o meu lado e me permito opinar. E foi o que fiz, e farei sempre.
Um abraço. O debate faz crescer.
Pascoaes viu Portugal como a Terra da Loucura e da Bruxa, contraposta à Grécia, Pátria da Razão e da Deusa... Pessoa exortou à indisciplina... E Agostinho da Silva reconheceu ser no vinho que o homem, à falta de místicos recursos, procura fugir à maldição da consciência cindida em sujeito e objecto... Não tenho vergonha de pertencer a uma pátria de ébrios e saudosos do impossível, que já foram alegres e foliões, quando Portugal era livre, como Gil Vicente o proclama perante D. João III, e as Festas dos Loucos se celebravam com muita pinga dentro das igrejas. Depois veio a Inquisição, a alegria e a loucura foram proibidas, o Carnaval e a alegria exilaram-se no Brasil e nós ficámos, até hoje, a carpir o fado...
Bem sei que Quasímodo é uma personagem do "Notre-Dame de Paris", de Victor Hugo... E não é coroado Rei dos Loucos, no início?
Se não precisas de te libertar, tanto melhor. Liberto-me eu.
Sim; coroado Rei dos Loucos no início.
Da mesma forma que queres colocar um chapéu de bobo da corte aos portugueses desde o início.
Como recuperar a nossa auto-estima assim?...
A quê vens?...
Ficaram a carpir o fado!... O fado é lindo. Tenho centenas deles que ouço quase como uma devoção.
Nós ficamos a carpir o samba, em alguns lugares. O samba da favela, do morro, que canta a miséria (que aqui há, talvez maior que do que existe aí).
A diferença talvez seja a maneira de como encaramos as nossas vicissitudes. O samba aqui, mesmo cantando as desgraças vividas no dia a dia, apontam perspectivas... São pró-ativos, para usar uma expressão acadêmica.
Talvez seja essa falta de elã, de "tesão" pela vida, que te faça ser tão cético.
Temos raízes e elas são profundas e firmes. Temos que acreditar nelas e valorizá-las para alavancar-nos para o futuro. Tripudiá-las e ridicularizá-las será o mesmo que cavar-mos a nossa própria sepultura.
Pense, amigo. Estimo que nosso debate tenha sido profícuo.
Um grande abraço.
Claro que o fado é belo e religioso, enquanto catarse de uma falha instalada entre o homem e o sagrado, o mundo e ele próprio. A mesma falha que a embriaguez, de vinho, poesia, amor ou loucura, busca superar. Não tenhamos pudor de assumir o fundo dionisíaco da cultura lusófona e a sua libertadora capacidade de se auto-ironizar ao infinito! Não são os bobos da corte que sabem e dizem a verdade, sobretudo a suprema verdade de que o rei, ou seja, cada um de nós, vai sempre nu e ridículo na sua pretensão a ser alguém!? Sejamos pois bobos da corte de um mundo devastado pelos cinzentões de fato e gravata da gestão cultural, política, económica, tecnológica e militar! Embriaguemo-nos, sim, de vinho, sobretudo se o vinho for o Infinito! O problema não é beber, mas como se bebe: bebamos não para esquecer, mas para recordar, recordar o que somos, sem espaço nem tempo, em todo o espaço e tempo. Bebamos, irmãos, bebamos! Deixemos o trabalho aos escravos da ganância e da sobrevivência e bebamos sem parar, noite e dia! Bebamo-nos e dissolvamo-nos no grande lagar de Deus! Aqui em Portugal é manhã e longa foi a noite no tilintar e crepitar das taças e das libações! Abraços, beijinhos, parabéns, saúdes! E vinho, muito vinho, do espírito e da uva!
"Embriaguemo-nos, sim, de vinho, sobretudo se o vinho for o Infinito!"
Acho o poema fantástico e não vejo paródia nenhuma num poema que nos faça pensar que se Camões tivesse que suportar tanta estupidez, hoje escreveria outra epopeia mais ao jeito do "Manuelinho"
E porque também fiz a minha paródia ao mestre Camões, aproveito e vou publicar a mesma cá na casa ...
O quasimodo tem a razão ao contrário. Tem razão porque pensa que devemos exaltar valores e não caír no triste fado do Luso do-ente.
Estamos doentes sim e como tal também devemos exaltar essa realidade para sacudir e acordar uma seita de miles neurónios adormecidos na cama da inconsciência.
Quasimodo a quase modo, mas com um ponto de vista bom para discussão.
Eu aproveito e liberto-me um pouco mais.
Parece tomar forma uma corrente importante no Movimento Lusófico: a dos Paródicos Baconianos.
Acolhemo-lhes democraticamente.
Eu aproveito e continuo responsavelmente livre.
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