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A cúpula entre Portugal e o Brasil, que hoje reúne em Salvador o presidente Lula da Silva e o primeiro-ministro José Sócrates, tem lugar num momento de forte incerteza sobre os destinos da economia internacional, varrida por uma onda de súbita instabilidade. Talvez por isso, porque o mundo global está perigoso, mais importante se torna reforçar o tecido das relações bilaterais que mostram sinais de solidez.
Convém ter claro - e isto não tem sido suficientemente percepcionado pelas opiniões públicas - que o relacionamento luso-brasileiro atravessa, nos dias que correm, um dos seus melhores momentos de sempre, sem quaisquer nuvens significativas a pairar sobre as várias dinâmicas setoriais em que se desdobra. Recentes reuniões técnicas em Lisboa, cobrindo todas as áreas de cooperação, espelharam um grau de aproximação de interesses quase sem precedentes.
Praticamente todos os acordos bilaterais que se encontravam por finalizar, que tramitaram muito tempo pelas chancelarias e pelas antecâmaras dos poderes legislativos, estão já ratificados. E até as questões migratórias, que ciclicamente acordam os títulos mediáticos, mostram hoje um inédito controle e são oficialmente abordadas sem um tom dramatizante.
Na cidade onde, há 200 anos, o recém-chegado príncipe dom João tomou a decisão da abertura do Brasil ao comércio mundial, os dois dirigentes vão ter oportunidade de ponderar o limbo em que a Rodada comercial de Doha se mantém, devendo reiterar o seu contínuo empenhamento em retomar, de uma vez por todas, a negociação do acordo União Européia-Mercosul, cuja não implementação tanto prejudica o comércio bilateral.
Os dois dirigentes procurarão também conferir dados sobre a possível eficácia das receitas que, aos níveis nacionais ou nos contextos regionais em que cada um se insere, estão hoje a ser utilizadas, nesta espécie de navegação à vista com que os dirigentes e as instituições internacionais tentam controlar o curso da política econômica. E não deixarão de também refletir sobre a necessidade de implantar novos quadros regulatórios do sistema financeiro global e, nessa reforma, avançar para modelos de participação mais inclusiva das economias emergentes nos fóruns decisórios existentes à escala global.
Assim, a área econômica vai ocupar um espaço importante nas conversas luso-brasileiras em Salvador. Constata-se que a agenda de contencioso econômico, que até há pouco tempo mantinha algumas questões pendentes, se encontra hoje quase zerada, como se diz aqui no Brasil. E, agora, novos projetos de cooperação, entre entidades portuguesas e brasileiras, serão acompanhados pela Cúpula, em especial nas áreas da energia, telecomunicações, turismo, correios e domínios tecnológicos.
Porque o diálogo sobre as grandes temáticas internacionais, bem como o modo como elas se projetam nas perspectivas estratégicas de cada país, só ganha em ser tornado mais regular, do encontro na Bahia também vão resultar novidades sobre novos formatos a instituir neste domínio. É que, no plano multilateral, Portugal e Brasil cooperam hoje com uma franqueza sem par. Dessa cumplicidade faz parte o pleno apoio de Portugal à ambição brasileira de obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, bem como o fato de Lisboa contar, abertamente, com Brasília no seu objetivo de assegurar uma presença nesse órgão no biênio 2011/2012.
Mas vamos mais longe: lado a lado com os países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), estamos a encetar uma nova e decisiva batalha internacional para a consagração internacional da nossa língua comum, de forma a vir a garantir ao português, a prazo, um lugar institucional no mundo multilateral consentâneo com a sua real relevância. Nesse contexto, este encontro servirá para sublinhar que, com vista a potenciar as vantagens de transformar a língua portuguesa num instrumento coletivo de poder, 2008 se revelou um ano decisivo, com o arranque definitivo do Acordo Ortográfico.
Olhando para a consagração em terras baianas deste entendimento luso-brasileiro, do alto do novo busto que, a partir de amanhã, o consagrará na Praça da Aclamação, quase que apostaria que dom João VI deve dar-se por satisfeito por há dois séculos ter decidido, ainda hoje não se sabe bem porquê, aportar em Salvador no início da sua aventura tropical.
Artigo publicado no Jornal A Tarde de Salvador, Bahia em 28/102008 por Francisco Seixas da Costa Embaixador de Portugal no Brasil
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quarta-feira, 29 de outubro de 2008
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