“O segundo título por que se deve festejar mais o dia deste Nascimento é por ser a Luz mais benigna. É a luz mais benigna que o Sol, porque o Sol alumia, mas abrasa: a luz alumia, e não ofende. Quereis ver a diferença da luz ao Sol? Olhai para o mesmo Sol, e para a mesma luz de quem ele nasce, a Aurora. A Aurora é o riso do Céu, a alegria dos campos, a respiração das flores, a harmonia das aves, a vida, e alento do mundo. Começa a sair, e a crescer o Sol, eis o gesto agradável do mundo, e a composição da mesma toda mudada. O Céu acende-se; os campos secam-se; as flores murcham-se; as aves emudecem; os animais buscam as covas, os homens as sombras. E se Deus não cortara a carreira do Sol, com a interposição da noite, fervera, e abrasara-se a terra; arderam as plantas; secaram-se os rios; sumiram-se as fontes; foram verdadeiros, e não fabulosos, os incêndios de Faetonte. A razão natural desta diferença é porque o Sol (como dizem os filósofos) ou verdadeiramente é fogo, ou de natureza mui semelhante ao fogo, elemento terrível, indómito, abrasador, executivo, e consumidor de tudo. Pelo contrário a luz em sua pureza é uma qualidade branda, suave, amiga, enfim criada para companheira, e instrumento da vista, sem ofensa dos olhos, que são em toda a organização do corpo humano a parte mais humana, mais delicada e mais mimosa. Filósofos houve que pela subtileza, e facilidade da luz, chegaram a cuidar que era espírito e não corpo. Mas porque a Filosofia humana ainda não tem alcançado perfeitamente a diferença da luz do Sol, valhamo-nos da ciência dos Anjos.”
Padre António Vieira, Sermão do Nascimento da Virgem Maria.
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“Sede verdadeiros. Há lugar no Sol para todas as almas, e, se algumas nos excedem, é porque a escala é infinita e não se estanca a Beleza, e porque há um grande mar de águas vivas, poço de Jacob, onde perpetuamente as almas podem refrescar e renovar as sedes.”
Leonardo Coimbra, “O riso e a calúnia”.
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O Espaço é um infinito oceano de alvura.
Rios de luz correm em brancas reverberações e agora a boca das fontes e das almas cai, em cântico e murmúrio, um branco fio de luz…
Onde estamos nós?
Leonardo Coimbra, Adoração.
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Onde estamos nós?
Num deserto onde cada um deve fazer de tudo para garantir o seu lugar ao Sol?
Mas, na verdade, a luz chega a toda a parte.
Num mundo marcado por uma crescente competitividade, a todos os níveis, onde a guerra e a discórdia são o que está na base da vida económica, e onde o viver humano está cada vez mais submetido aos ditames da economia, a agonicidade surge como a atitude que se cultiva, desde os bancos da escola, e acaba por canalizar todo o universo do desejo, tornando os seres humanos servos da egolatria e do consumismo.
Mas há Presenças que, não se dando a ver, nos dão a ver o que somos e o que há, na forma como vivemos e, também, do que não vivemos.
São as Presenças mais próximas da lusofonia, já que a sua voz é luminescente. É uma voz que não tem timbres de lusofobia, não infunde o medo à luz, nem procura a luz do medo.
Há presenças assim, mesmo entre os mais simples. Difícil é vê-las, aquilatá-las quando estamos nos extremos da gama das possibilidades antropológicas: entre os mais simples, a sua simplicidade oculta-as aos nossos olhos; entre os mais complexos, a sua ligação à claridade tende a iluminar. E quando vemos algo tendemos a esquecer a presença da luz. E a complexidade atrai a visão e distrai.
É difícil tomá-las como exemplo, porque muitas vezes funcionam como um espelho, já que é-nos ínsita a tendência para projectarmos nos outros o que em nós encontramos. Assim, tendemos a julgar os outros e, indo mais fundo, emprestamos-lhes intenções que nós próprios fabricámos. Por isso, se alguém aparece com luz própria, logo queremos ver nele treva e negrume e tornamo-nos tenebrosos.
É o que muito bem vê Leonardo Coimbra:
“Sim, é bom pintar de branco todos os casacos para que o vosso se não distinga; sim, é bom colar a todos o rótulo de ladrão real ou possível para que as vossas cobiças se escoem; <…>
Sei que um Tolstoi tem que encontrar um homem, que, para gáudio e redenção dos infames, descubra na sua bondade uma tremenda intrujice, no seu exaltado cristianismo um habilidoso reclamo para a suas obras.”(O riso e a calúnia).
Por isso, temos que atender ao profundo significado simbólico da balança e da espada que acompanham, em muitos ícones, a figura da justiça. O equilíbrio e a inflexibilidade, equilíbrio do desejo e da acção e a inflexibilidade, a equanimidade, a capacidade de encontrar o justo meio. Esta a tarefa mais difícil que nos é dada como humanos.
Só assim nos unimos ao que une.
A cada momento é-nos dada a opção radical, podemos optar-nos num mundo correlativo ao que de nós queremos. E é natural que muitas pessoas se recusem a viver nesse mundo, principalmente se ele não for verdadeiramente vivenciável. E assim privatizamos a verdade e degradamos a realidade, em nós e fora de nós.
Pode haver inteligência nisso, mas não autêntica lucidez.
Há, pois, que abrir cada vez mais espaços de discussão e de autêntico debate. E lutar por uma cultura afirmativa, capaz de deixar que a diversidade desponte e germine em nós o que nos exalta e ultrapassa, elevando-nos a partir do mais fundo.
E, então, viveremos verdadeiros aniversários: cada ano da nossa vida será um pluriverso, um manancial de versos no poema supremo de sermos vivos e, também, convivas.
A isso ergo hoje a minha taça!
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
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1 comentário:
Saravá, Paulo!
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