Em que medida pode, realmente, um oriental ocidentalizar-se? E um ocidental orientalizar-se? E o que significa isso: ser oriental, ser ocidental? E o que pode significar, no meio de tudo isso, ser português? Tais, em síntese, as questões que motivaram a presente reflexão, feita num registo assumidamente pessoal, ainda que em constante diálogo com outros pensadores, em particular com José Marinho[1].
Que um oriental se pode ocidentalizar e, inversamente, um ocidental se pode orientalizar, eis o que pode ser, aparentemente, atestado pelos factos: há, por esse mundo fora, milhares e milhares de orientais que, em crianças ou já em jovens, se mudaram para países ocidentais e que, por via disso, em maior ou menor medida, se ocidentalizaram; de modo inverso, há, igualmente, por esse mundo fora, milhares e milhares de ocidentais que, em crianças ou já em jovens, se mudaram para países orientais e que, por via disso, em maior ou menor medida, se orientalizaram.
Para além destes exemplos, há muitos outros. Desde logo, o daqueles que, já adultos, se mudaram para um país do “outro lado” – oriental ou ocidental, conforme o caso – e que, por via disso, em maior ou menor grau, se outraram – para orientais ou para ocidentais, conforme o caso. Depois, o daqueles que não se mudaram mas que passaram algumas temporadas no “outro lado”. Finalmente, o daqueles que sem nunca terem vivido no “outro lado”, sem nunca sequer lá terem posto os pés, se outraram por inteiro.
Poderíamos ainda, decerto, multiplicar os exemplos, subdividindo ainda mais os casos referidos, até chegarmos ao ponto de concluirmos que, afinal, essa distinção não faz sentido algum, dado existirem muitas pessoas que se sentem, simultaneamente, e em igual medida, ocidentais e orientais, ou nem uma coisa nem outra. Para desespero de todos os empiristas mais apressados, todos os factos são, contudo, reversíveis. Assim, tal como a existência de seres híbridos não infirma a existência das espécies de que são originários, também nenhum dos exemplos extremos referidos invalida a distinção oriental-ocidental.
Não porque a distinção não seja bastante fluida e, por isso, bastante problemática. Regressemos aos exemplos: um japonês pode ser considerado um “ocidentalizado” apenas porque gosta dos Rolling Stones, ou de Wagner, ou apenas porque se converteu ao cristianismo?; e, inversamente, um português pode ser considerado um “orientalizado” apenas porque gosta de comida chinesa, ou indiana, ou apenas porque se converteu ao budismo? Obviamente, também estes exemplos são problemáticos – pois não é decerto equivalente “apreciarmos Wagner” ou “convertermo-nos ao budismo”, apesar de, para alguns, Wagner ser um profeta e de, para muitos, o budismo não ser uma religião.
De resto, também não será porventura equivalente convertermo-nos ao budismo ou ao cristianismo. Mesmo admitindo que o budismo é uma religião, mais do que isso, uma religião oriental – admitindo igualmente que uma religião pode ser “do oriente” ou “do ocidente” –, o cristianismo, que para os seus seguidores é, inequivocamente, uma religião – excepto, quanto muito, para os cristãos ateus (também os há!) –, não se reclama, pelo menos pela voz da sua Igreja mais representativa (a Igreja Católica), como uma religião ocidental, mas “católica”, ou seja, “universal”. Nessa medida, um ocidental que se convertesse ao budismo estaria a orientalizar-se, enquanto que um oriental, ao converter-se ao cristianismo, estaria não tanto a ocidentalizar-se mas a universalizar-se. Estaria mesmo?
[1] Para além de José Marinho, convocaremos igualmente Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, Agostinho da Silva e Antero de Quental.
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