Introdução
Publicou António Quadros em 1967, em O Espírito da Cultura Portuguesa, um ensaio onde, procurando formular o que seria o “ideal português”, na linha das preocupações da Renascença Portuguesa, enuncia “um grupo de dez palavras ou cifras, cujo sentido ideal e simbólico se desdobrou na nossa cultura em vários planos significativos, desde o literal ao simbólico, do poético ao artístico e mesmo ao filosófico”. Diz serem “arquétipos” [...] cuja conjugação desenha porventura [...] o ideal português” e que seriam tónicas profundas do “nosso modo de filosofar” ou “palavras-mães” “que nos soam tão familiares [...] que nem reparamos na originalidade das meditações que nos sugerem”. Ilustra-o com sintéticos mas fecundos desenvolvimentos da premência na história, na cultura e no pensamento português, bem como das sugestões filosóficas e universais, das palavras nesta ordem apresentadas: “Mar, Nau, Viagem, Descobrimento, Demanda, Oriente, Amor, Império, Saudade, Encoberto”.
Não pretendemos fazer aqui uma avaliação crítica desta proposta, da qual indicamos apenas o seu notável valor sugestivo, e pelo menos representativo de uma dada forma de pensar e vivenciar a história cultural portuguesa, que não se pretende aliás uma enumeração e interpretação fechada, exclusiva de um “alargamento a outras palavras não menos arquetipais”. O nosso objectivo é outro. Em homenagem ao saudoso pensador e Amigo, convictos de que a melhor forma de o fazer é pensar a partir dele, desenvolvendo aquelas que nos parecem as suas mais amplas possibilidades, mesmo se isso nos levar a um salutar afastamento dos seus horizontes mais imediatos – o que é sempre um modo de lhes desvelar insuspeitas amplitudes – , arriscamos aqui uma leitura especulativa e pessoal dos dez vocábulos, que por esse motivo reordenamos, assumindo-os não já como arquétipos e indicadores do “ideal português”, mas antes como instâncias da realização de si, do nosso ser e consciência mais universais e profundos. Pretendemos passar assim da hermenêutica filosófica da cultura portuguesa para, assumindo toda a inspiração que possamos colher de elementos fundamentais dessa cultura e da nossa vivência dela, deles não menos nos expatriarmos no sentido das profundezas do ser universal, anterior e posterior a toda a determinação e representação histórico-cultural. Que isso, todavia, possa constituir-se, retroactivamente, em factor de reformulação, e porventura de enriquecimento, da própria cultura a que não deixamos de pertencer, é natural e grato. Ultrapassar algo, tomando-o como trampolim para ir mais longe, é enriquecê-lo, mostrando limiares onde de outro modo só se experimentariam limites.
Saudade
Saudosa é a condição de toda a ex-istência. Ex-istência: ser a partir de e em exposição e abertura a, originária cisão que é intrínseco vínculo ao imo da plenitude primordial e anseio da experiência total aí possível. Como se denuncia na etimologia e na evolução semântica, é inerente à experiência da saudade a singularidade e relativa solidão, bem como a união e aspiração, em memória e desejo, ao pleroma aparentemente abandonado e à fruição de todo o possível, em reminiscência e pressentimento de uma saúde que é salvação, libertação do êxodo ex-istencial que realiza a sua mais ampla possibilidade. A saudade é in-sistência na ex-istência, ser em do que é a partir de, integração do que se cinde. Revela assim a condição in-ex-istente de tudo o que se manifesta ou percepciona como entes e coisas, a sua comum união-cisão, a sua solidária interdependência, ou seja, a sua ausência de realidade substancial e própria, independente do entrançado matricial em que se constelam e entre-são e da consciência que o percepciona, no mesmo entrançado tecida.
Pode a saudade ser predominante ou simultaneamente retrotensa, protensa e intensa. Do passado, do futuro ou do eterno instante. Todavia, sendo do passado ou do futuro, é sempre do eterno instante, mesmo que iludida o recorde e/ou deseje no passado ou no futuro. Pois só os instantes experimentados como eternos, furtando-nos ao comum encadeamento do tempo e à monotonia da sua consciência, nos trazem a glória de que há saudade. A glória dos seres e das coisas surpreendidos no esplendor da sua intemporal origem: um rosto, uma relação, uma paisagem, um cheiro, uma melodia, um sabor, um objecto antes de o ser, sempre um afecto. A afecção pela plenitude sensível, física ou não, de haver algo e simultaneamente o nada, a afecção pela graça e glória do mundo, pela glória que gratuitamente há no mundo. A comunhão primeira, sem quê, nem porquê, nem para quê, anterior ao refúgio do ser e da consciência na sub-jectividade que os agride e auto-lesa pro-jectando o que se lhe ob-jecta, os objectos perante os quais se perfila e sub-ordina, desejando-os ou rejeitando-os na mesma saudade de os não haver.
Saudade do nem sujeito nem objecto. Saudade da Festa e jogo primordial, dança arrebatada e livre dos sentidos-consciência-fenómenos, inocente nudez das delícias anteriores ao exílio do conhecimento do bem e do mal, da memória que é esquecimento, da busca de sentidos e verdades, razões e finalidades, seres, saberes, teres e afazeres. Festa anterior à insegurança, ao medo e à agressão, ao desejo, à aversão e à indiferença de uma consciência privada porque autocentrada num ilusório lugar próprio, constituído por demissão ou esquecimento da irrecusável plenitude. Festa anterior ao haver antes e depois.
Saudade de não haver saudade. Impulso de a matar na inefável Origem anterior a sê-lo. Anterior a ser Oriente.
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
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