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Todo o autêntico descobrir envolve o ser, ansioso, voluntarioso, intencional, desejante, daquele que descobre, descobrindo-se a si nesse processo e, também, complementarmente, perdendo-se de si, dos seus propósitos imediatos e circunstanciais, e das suas crenças de partida, para, sem verdadeiramente chegar, se descobrir, de novo, como agente do imprevisível, e visionário, mesmo que inconsciente, insciente ou desatento, do incircunscriptível, espaço e tempo da autêntica aventura que dá sentido a todas as demandas, a todas as errâncias e a todas as derrotas, funestas ou gloriosas.
E toda a descoberta, encarada como desocultação, como abertura de possibilidades materiais ou espirituais, a sua classificação depende do ponto de vista em que conseguirmos situar-nos, para a realização do que somos, envolve re-ocultação, fechamento e cerceamento de possíveis. Daí a importância da humildade e do necessário e imprescindível recurso a todas as pautas de interpretação, do nosso ser e do mundo, bem como do que possa ser indício do que os excede.
Por isso, a uma hermenêutica temos que contrapor uma hermenáutica: ler é navegar, interpretar é ser navegante, é incarnar os mitos que se entretecem na tessitura da escrita, com todo o ser de que sejamos capazes. E, neste sentido, enquanto houver um barco no mar, tudo é possível e impossível, tudo permanece indeciso, suspenso do que possa vir do mais fundo.
Nada nos escapará se conseguirmos escapar a tudo com vida zarpável. E mesmo a âncoras, se ficarem presas ao que no fundo nos prender, podem ser largadas e cortadas as amarras. Porque o fundo, abissal, quando o queremos fundamento, pode afundar-nos. E os tesouros, se os houver, ficarão ocultos.
Este viver ligeiro não deve ser confundido com ligeireza. Pode até revelar-se demasiado pesado. Daí os apelos da terra à continuação dos trabalhos e dos dias, sob os auspícios de deuses que não fogem, não se disseminam e não se dão gracilmente ao fogo do Amor que tudo absolve da sua concreção irrevogável. Há, por isso, os que ficam, são os que se vestem de luto e choram a fatalidade que há na presença do desconhecido num mundo que parece já feito, regido por ciclos estáveis e vivenciáveis em harmonia. Para uns, esse mundo é um cárcere, para os outros, as partidas são uma fuga e, quem sabe, uma traição.
Ora, toda a autêntica tradição começa por ser uma traição. Um roubo do fogo, uma transgressão a uma ordem estabelecida. Por isso os descobridores, os autênticos descobridores, são, também, profanadores. Assim, a verdadeira descoberta traz em si perdição, porque descobrir e chegar são coisas diferentes. A partir da descoberta há que inventar as partidas e aquilatar os rumos. A descoberta não é um ponto de chegada. É sempre uma partida.
3 comentários:
E, ao chegar ao Brasil, o ponto de partida para os portugueses foi o de se mesclarem com os índios e depois com os africanos. Ou seja, consumou-se o descentramento do Ocidente sem o qual a história de Portugal não pode ser compreendida e que se celebra n´"Os Lusíadas" e na "Mensagem". O que aconteceu foi que no Brasil Portugal, já de si fruto de uma mestiçagem cultural, se re-fundou numa mais funda mestiçagem com duas culturas arcaicas, não-indo-europeias, e por isso mais fiéis ao sentido da terra, da natureza e do feminino. Compreende-se pois que, apesar do triunfo aparente do velho paradigma indo-europeu e patriarcal, Agostinho tenha visto no Brasil a possibilidade de emergência de uma alternativa ao esgotamento do modelo da civilização ocidental e que tenha influenciado nesse sentido, enquanto assessor do presidente Jânio Quadros, a política cultural e internacional brasileira, criando aproximações com África e o Oriente que ainda hoje se mantêm. O que Portugal também faria, se houvesse Visão...
É.
E temos que alargar os horizontes do campo de apropriação cultural, espiritual e especulativa daquilo a que chamamos história.
Sampaio Bruno, por exemplo, intenta-o na «Teoria Nova da Antiguidade».
E, depois, a questão da Visão, é fundamental, não adianta alargarem-se os horizontes se não trocarmos de "lentes".
:)
O Agostinho era péssimo em geografia, compre um atlas.
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