A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Os decobrimentos para além do achamento

É aos índios que deve ser creditado o primeiro descobrimento do Brasil. Vieram eles da Ásia através do estreito de Behring em época de glaciação, talvez também por alguma das correntes do Pacífico, e decerto mais tangidos pela falta de alimento animal do que pelo anseio de verem novas paisagens; e levaram, ao que parece, uns quarenta mil anos até ocuparem as várias regiões do continente, com privilégio desta nossa grande futura Nação. Foi o segundo descobrimento o dos portugueses, não propriamente com a chegada de Cabral, mais toque de ofício e curva obrigada do Atlântico na derrota da Índia, mas com os que de Portugal se escapavam como podiam por não quererem sujeitar-se às novidades capitalistas, às imitações de imperialismo romano e à canónica religião de Roma que a expansão da Europa trouxera a seu país. Poremos os africanos, de uma e de outra costa, como os do terceiro descobrimento, a que não vieram também por vontade própria, mas porque era precisa força de trabalho, numerosa, barata e que se podia gastar à vontade, sem demora alguma em qualquer espécie de escrúpulos. Creio que os índios trouxeram ao Brasil como essencial a ideia de uma terra livre, utilizada o menos possível e jamais escrava, terra de que ninguém era dono, em seis minerais sólidos e fluidos naturais, convivendo com vegetais, animais e homens, e até deuses dos homens se por acaso os havia. A pensada mensagem dos portugueses era a de que se realizasse uma economia comunitarista como tinha sido a de sua pátria nos melhores tempos, aquela autonomia municipalista que tinham como a mais sólida garantia de tal “ vida conversável” de que falou Pero Lopes de Sousa, e que a religião, pondo como Deus supremo o do imprevisível, por um lado incitasse nos homens o uso do improviso, por outro lado pusesse para os políticos o perpétuo desafio de organizarem uma sociedade a tal adequada. Por sua vez esperariam os africanos, já que vinham como trabalhadores, que o sacrifício a que eram obrigados aproveitasse ao mundo inteiro e não apenas ao reduzido grupo que dispunha das alavancas do poder e dos fundos: a isso os impelia a sua plena, fraterna, virgem humanidade, de que ainda andamos todos nós tão necessitados. Estas, ao que me parece, são as dívidas que tem o Brasil de pagar a seus três grupos de descobridores: já que deu aos povos todos o modelo de sua fatal e futura mestiçagem, física e cultural, se lhe põe como tarefa uma economia conjunta de mono e de pluricapitalismo como base da que passe dos cuidados de produção aos de distribuição, com o máximo de trabalho a cargo da mecânica; que substitua as ordens de um governo central pela coordenação de iniciativas locais e regionais, que tal vai ser um dia a tessitura social, e com o mínimo possível de prisão do indivíduo; que faça da marcha para o transcendente e o mistério o direito de todos os homens e não a obediência aos artigos de um código. Tudo difícil decerto – mas que faremos nós de nossa imaginação, fundamental faculdade humana, se nos faltar o difícil.” Agostinho da Silva, Carta Vária, Relógio d'Água, Lisboa, 1990,pp. 46-48.

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Todo o autêntico descobrir envolve o ser, ansioso, voluntarioso, intencional, desejante, daquele que descobre, descobrindo-se a si nesse processo e, também, complementarmente, perdendo-se de si, dos seus propósitos imediatos e circunstanciais, e das suas crenças de partida, para, sem verdadeiramente chegar, se descobrir, de novo, como agente do imprevisível, e visionário, mesmo que inconsciente, insciente ou desatento, do incircunscriptível, espaço e tempo da autêntica aventura que dá sentido a todas as demandas, a todas as errâncias e a todas as derrotas, funestas ou gloriosas.
E toda a descoberta, encarada como desocultação, como abertura de possibilidades materiais ou espirituais, a sua classificação depende do ponto de vista em que conseguirmos situar-nos, para a realização do que somos, envolve re-ocultação, fechamento e cerceamento de possíveis. Daí a importância da humildade e do necessário e imprescindível recurso a todas as pautas de interpretação, do nosso ser e do mundo, bem como do que possa ser indício do que os excede.
Por isso, a uma hermenêutica temos que contrapor uma
hermenáutica: ler é navegar, interpretar é ser navegante, é incarnar os mitos que se entretecem na tessitura da escrita, com todo o ser de que sejamos capazes. E, neste sentido, enquanto houver um barco no mar, tudo é possível e impossível, tudo permanece indeciso, suspenso do que possa vir do mais fundo.
Nada nos escapará se conseguirmos escapar a tudo com vida zarpável. E mesmo a âncoras, se ficarem presas ao que no fundo nos prender, podem ser largadas e cortadas as amarras. Porque o fundo, abissal, quando o queremos fundamento, pode afundar-nos. E os tesouros, se os houver, ficarão ocultos.
Este viver ligeiro não deve ser confundido com ligeireza. Pode até revelar-se demasiado pesado. Daí os apelos da terra à continuação dos trabalhos e dos dias, sob os auspícios de deuses que não fogem, não se disseminam e não se dão gracilmente ao fogo do Amor que tudo absolve da sua concreção irrevogável. Há, por isso, os que ficam, são os que se vestem de luto e choram a fatalidade que há na presença do desconhecido num mundo que parece já feito, regido por ciclos estáveis e vivenciáveis em harmonia. Para uns, esse mundo é um cárcere, para os outros, as partidas são uma fuga e, quem sabe, uma traição.
Ora, toda a autêntica tradição começa por ser uma traição. Um roubo do fogo, uma transgressão a uma ordem estabelecida. Por isso os descobridores, os autênticos descobridores, são, também, profanadores. Assim, a verdadeira descoberta traz em si perdição, porque descobrir e chegar são coisas diferentes. A partir da descoberta há que inventar as partidas e aquilatar os rumos. A descoberta não é um ponto de chegada. É sempre uma partida.



3 comentários:

Paulo Borges disse...

E, ao chegar ao Brasil, o ponto de partida para os portugueses foi o de se mesclarem com os índios e depois com os africanos. Ou seja, consumou-se o descentramento do Ocidente sem o qual a história de Portugal não pode ser compreendida e que se celebra n´"Os Lusíadas" e na "Mensagem". O que aconteceu foi que no Brasil Portugal, já de si fruto de uma mestiçagem cultural, se re-fundou numa mais funda mestiçagem com duas culturas arcaicas, não-indo-europeias, e por isso mais fiéis ao sentido da terra, da natureza e do feminino. Compreende-se pois que, apesar do triunfo aparente do velho paradigma indo-europeu e patriarcal, Agostinho tenha visto no Brasil a possibilidade de emergência de uma alternativa ao esgotamento do modelo da civilização ocidental e que tenha influenciado nesse sentido, enquanto assessor do presidente Jânio Quadros, a política cultural e internacional brasileira, criando aproximações com África e o Oriente que ainda hoje se mantêm. O que Portugal também faria, se houvesse Visão...

Paulo Feitais disse...

É.
E temos que alargar os horizontes do campo de apropriação cultural, espiritual e especulativa daquilo a que chamamos história.
Sampaio Bruno, por exemplo, intenta-o na «Teoria Nova da Antiguidade».
E, depois, a questão da Visão, é fundamental, não adianta alargarem-se os horizontes se não trocarmos de "lentes".
:)

Anónimo disse...

O Agostinho era péssimo em geografia, compre um atlas.