(...)
"... não é o mundo que é mau, Inês. Eu é que sou mau para o mundo, eu sou espúrio nele. Odeio sair de casa meu refúgio meu casulo, 'conviver', traçar passos em longos passeios habitados por sei lá quem, expor a minha fragilidade a olhos predadores ou olhar a submissão, os olhos de carneiro pastando pastando pastando, encontrão a encontrão. Busco âncoras. Como todos, dirás tu e acertadamente. Um Poeta disse-me que transportamos ilhas à procura de arquipélagos. Será. Eu fujo à forca, esse nó que me asfixia os momentos, esse instante negado, Inês; negado e mentido, afinal só adiado, adiado porque ainda não tenho tinta para ele. O meu pé escorrega no degrau e atraso mais um lance. Para quê? o verdugo, Charles Sanson o oitavo de seu nome, ou outro que lhe tenha comprado o trespasse do negócio, esse não se importa pois sabe ' o serviço' como certo, como eu o sei e apenas faço a distracção de mim em mim, assobio para o lado sabendo que o sino repica quando espreito à janela, à rua, ele toa com mais força quando me vê. Tão lúgrebe... qu'é isso Pedro? qu'é isso meu? oh Inês, doce Inês como a outra, e outra, sempre outras e todas doces, ternas, sedas que fazem esquecer a rudez da mortalha, pano cru e sem afagos pois quem vai sem volta já não os precisa. Falo da morte física, é? deixa-me adivinhar... não, sim, não, sim, bem-me-quer mal-me-quer, não há no bolso trevo mágico. Há cotão. Há dias assim, Inês, em que o rasto no quarteirão que espreito é igual a mim que o deixo: soez, taciturno, 'má onda', costas do tamanho da ilha que transporto, dobradas pelas raízes das palmeiras que nela mantenho, folhas em verde verdugo e casco com cheiro a formiga-branca, eu que o queria de jasmim e elas corróiem tudo. Lê e rasga esta carta, faz o que te peço Inês. Não me respondas, não mostres nem cinto-de-ligas nem regaço maternal: este jardim de ar abandonado é de minha cura e monda e, quando lhe vires flores, novas, bonitas e de nomes que não sei como miosótis e outras que tais, senta-te então num banco e desfolha uma, bem-me-quer mal-me-quer, sabes, dá um sopro às pétalas e deixa-as voar até poisarem na terra das palmeiras, seu húmus de ressuscitar, quem sabe? dum arquipélago encontrar, encostar-lhe a praia ao peito e em suaves ondas nele chorar (as ilhas choram, acredita-me Inês)..."
(...)
* Inês e Pedro são personagens fictícias, tão verdadeiras como eu o sou.
"... não é o mundo que é mau, Inês. Eu é que sou mau para o mundo, eu sou espúrio nele. Odeio sair de casa meu refúgio meu casulo, 'conviver', traçar passos em longos passeios habitados por sei lá quem, expor a minha fragilidade a olhos predadores ou olhar a submissão, os olhos de carneiro pastando pastando pastando, encontrão a encontrão. Busco âncoras. Como todos, dirás tu e acertadamente. Um Poeta disse-me que transportamos ilhas à procura de arquipélagos. Será. Eu fujo à forca, esse nó que me asfixia os momentos, esse instante negado, Inês; negado e mentido, afinal só adiado, adiado porque ainda não tenho tinta para ele. O meu pé escorrega no degrau e atraso mais um lance. Para quê? o verdugo, Charles Sanson o oitavo de seu nome, ou outro que lhe tenha comprado o trespasse do negócio, esse não se importa pois sabe ' o serviço' como certo, como eu o sei e apenas faço a distracção de mim em mim, assobio para o lado sabendo que o sino repica quando espreito à janela, à rua, ele toa com mais força quando me vê. Tão lúgrebe... qu'é isso Pedro? qu'é isso meu? oh Inês, doce Inês como a outra, e outra, sempre outras e todas doces, ternas, sedas que fazem esquecer a rudez da mortalha, pano cru e sem afagos pois quem vai sem volta já não os precisa. Falo da morte física, é? deixa-me adivinhar... não, sim, não, sim, bem-me-quer mal-me-quer, não há no bolso trevo mágico. Há cotão. Há dias assim, Inês, em que o rasto no quarteirão que espreito é igual a mim que o deixo: soez, taciturno, 'má onda', costas do tamanho da ilha que transporto, dobradas pelas raízes das palmeiras que nela mantenho, folhas em verde verdugo e casco com cheiro a formiga-branca, eu que o queria de jasmim e elas corróiem tudo. Lê e rasga esta carta, faz o que te peço Inês. Não me respondas, não mostres nem cinto-de-ligas nem regaço maternal: este jardim de ar abandonado é de minha cura e monda e, quando lhe vires flores, novas, bonitas e de nomes que não sei como miosótis e outras que tais, senta-te então num banco e desfolha uma, bem-me-quer mal-me-quer, sabes, dá um sopro às pétalas e deixa-as voar até poisarem na terra das palmeiras, seu húmus de ressuscitar, quem sabe? dum arquipélago encontrar, encostar-lhe a praia ao peito e em suaves ondas nele chorar (as ilhas choram, acredita-me Inês)..."
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* Inês e Pedro são personagens fictícias, tão verdadeiras como eu o sou.
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