Ela corria como nunca tinha corrido, corria como se estivesse a salvar a vida, como se corre em sonhos. Só que não estava a sonhar, embora o vento que lhe batia no rosto fosse familiar. Estremeceu com uma violência desmedida, uma explosão tinha acontecido mesmo atrás de si. Vacilou quando o chão abanou, quase que caiu para o chão de encontro ás pedras da calçada. As chamas tombavam com uma doçura incrível, de uma luz amarela apimentada com laranja. Tentou-se segurar no muro de cimento que encontrou, olhando para trás via a rua de um vermelho perceptível, um clarão. Equilibrou-se e tentou avançar para a rua seguinte, fugir para um novo horizonte. Recomeçou a correr mais velozmente quando avistou os bombeiros diante da sua casa. Desenrolavam-se e juntavam-se cada vez mais mangueiras no centro da rua. Ainda não tinha percebido porque lhe estava a acontecer aquilo. A água jorrava pelos blocos de cimento e madeira, pelas janelas de vidro, outra explosão fê-la estremecer. Do clarão conseguiu ver metade da cozinha, o que restava. Sentou-se na ponta do passeio, junto a um monte de lixo que provinha de um caixote a transbordar de inutilidades. De olhos fechados e com as mãos a tapar os ouvidos, permaneceu assim o tempo de um dos paramédicos ter-lhe tocado no ombro. Sentia-se mais calma, as luzes dos carros que por ali circundavam feriam-lhe a vista e voltou a fechar os olhos. Quando os voltou a abrir já se encontrava dentro da ambulância a receber assistência ao golpe que tinha na cabeça. O soluçar da sirene trazia-lhe à memória o que inicialmente tinha acontecido, outro estrondo, estremeceu novamente. O paramédico agarrou-a mais uma vez, prendeu-a num abraço forte, ela esperneou, a defender-se e de repente caiu, dobrada nos braços dele. Num momento de pausa conseguiu fugir. Correu pelo carreiro de luzes amarelas e atirou-se para os arbustos que se formavam no fim da rua. O roncar abafado dos carros que iam passando traziam- lhe à memória tudo o que neste fatídico dia lhe tinha acontecido. Outro estrondo, era o telhado a abater, cuspindo o interior pelas janelas para a rua, como o rugir de um dragão, chocando com o soalho do rés-do-chão, abrindo-o em lajes que se espalharam pela rua inteira. Ficou ali parada, com as mãos nos ouvidos contra o som de destruição que se ia vendo, os olhos bem abertos para admirarem todo o espectáculo de fogo que se vivia no jardim dos vizinhos. No frio do Inverno só se ouvia o bramido do incêndio e o assobio da água na madeira a arder, um horrível som metálico à medida que o fogo dedilhava e partia as correntes de energia. A primeira ronda de bombeiros virou-se para o prédio do lado. Avançou. Um bombeiro puxou-a para trás, agarrou-a, empurrou-a para junto do carro onde outro bombeiro a abraçou, ela esperneou e libertou-se. Um estrondo discordante entrou-lhe no peito e apertou-lhe o coração. Ela trepou o carro, a gritar para o calor que se libertava da casa incendiada.
- Papá! Papá!
Isabel Fontes
- Papá! Papá!
Isabel Fontes
Sem comentários:
Enviar um comentário