O Império Português é um dos maiores enigmas da História. Por volta de 1480, os Portugueses tinham atingido o extremo sul da costa africana, e, ao mesmo tempo, atravessado a imensidão do Atlântico para colonizarem os Açores; é provável que, nessa altura, os seus intrépidos pescadores, juntamente com Bascos e Bretões, estivessem já instalados nos mares cheios de rochas e de peixe da Terra Nova. A Índia e a América pareciam destinadas a pertencer-lhes; na verdade, se os Portugueses tivessem dado ouvidos a Colombo, teriam tido domínio sobre os três continentes antes de qualquer outra nação da Europa. Colombo e a Espanha negaram-lhes o que a sorte parecia ter-lhes destinado; mesmo assim, em meados do século XVI, os Portugueses dominavam uma porção do Mundo e do comércio superior a qualquer outro país. A África, com as cadeias de postos comerciais e de fortes que chegavam ao Oriente e, para Sul, às costas ocidentais, o domínio de grandes portos em Ormuz e Goa deu-lhes o controlo do valioso comércio do golfo Pérsico e do oceano Índico. Feitorias em Ceilão e na Indonésia colocaram o comércio das especiarias nas suas mãos. Firmemente estabelecidos na China e no Japão, traziam para a metrópole navios carregados com as sumptuosidades do Oriente – sedas, porcelana, laca. O sonho que obcecara os homens no tempo do Príncipe Henrique, o Navegador, tinha-se tornado uma realidade. Esses primeiros exploradores hesitantes, assaltados pelo perigo e perseguidos pela morte, marcaram as grandes rotas comerciais com barcos cada vez maiores, a abarrotar de gente e de géneros, que, através de tempestades e de calmarias, seguiam imponentemente o seu caminho até aos impérios orientais.
[…]
De facto, o Império Português põe uma série de questões embaraçosas ao historiador. Por que razão esta nação pequena, bastante pobre e culturalmente atrasada, situada na costa sudoeste da Europa foi tão dramaticamente bem sucedida nesse grande século de empreendimentos que começou por volta de 1440? E por que razão se tornou este êxito uma pálida sombra de si mesmo no curto espaço de cinquenta anos? E, o que é ainda mais estranho, porque é que a posse deste império não actuou como um catalizador para Portugal? Na Holanda, na Inglaterra, em Espanha e em França a posse de um império actuou como um fermento, não só na vida económica e política da nação, mas também na sua vida cultural, na sua literatura, na ciência e na arte. Em Portugal, Lisboa aumentou e Camões escreveu Os Lusíadas. É evidente que houve maior prosperidade do que a que teria havido se Portugal continuasse apenas dependente dos vinhos e da pesca. Mas, além de Camões, há muito poucos escritores, arquitectos, pintores ou cientistas cujos nomes sejam conhecidos, a não ser por especialistas. O impacto cultural do Império Português, se bem que não possa ser ignorado, é estranhamente superficial. E, à medida que uma pessoa lê a História arrebatadora dos Descobrimentos Portugueses, exposta com brilhantismo pelo prof. Boxer, estes porquês insistentes avolumam-se cada vez mais.
Na realidade, Portugal tinha algumas vantagens naturais. Durante toda a sua existência, havia vivido à custa do mar. A sua costa rochosa, batida pelo Atlântico, aonde vão desaguar os rios que nascem no interior montanhoso, tinha, desde sempre, sido a porta aberta para um mundo mais vasto, criando uma dura e hábil raça de marinheiros, que não se deixava atemorizar pelas tempestades do Oceano.
J. H. Plumb
In O Império Colonial Português, C. R. Boxer, Edições 70, Lisboa, 1977, pp. 13, 14, 15.
NOTA
Existe edição portuguesa mais recente, com o título «O Império Marítimo Português»; entretanto tivemos uma revolução, ergueu-se um determinado modelo de democracia, com uma imensa habilidade para mudar o nome às coisas. Ou melhor dito, temos a mania de traduzir como nos convém. O título original é «O Império Português Transportado no Mar» (The Portuguese Seaborne Empire 1415-1825).
[…]
De facto, o Império Português põe uma série de questões embaraçosas ao historiador. Por que razão esta nação pequena, bastante pobre e culturalmente atrasada, situada na costa sudoeste da Europa foi tão dramaticamente bem sucedida nesse grande século de empreendimentos que começou por volta de 1440? E por que razão se tornou este êxito uma pálida sombra de si mesmo no curto espaço de cinquenta anos? E, o que é ainda mais estranho, porque é que a posse deste império não actuou como um catalizador para Portugal? Na Holanda, na Inglaterra, em Espanha e em França a posse de um império actuou como um fermento, não só na vida económica e política da nação, mas também na sua vida cultural, na sua literatura, na ciência e na arte. Em Portugal, Lisboa aumentou e Camões escreveu Os Lusíadas. É evidente que houve maior prosperidade do que a que teria havido se Portugal continuasse apenas dependente dos vinhos e da pesca. Mas, além de Camões, há muito poucos escritores, arquitectos, pintores ou cientistas cujos nomes sejam conhecidos, a não ser por especialistas. O impacto cultural do Império Português, se bem que não possa ser ignorado, é estranhamente superficial. E, à medida que uma pessoa lê a História arrebatadora dos Descobrimentos Portugueses, exposta com brilhantismo pelo prof. Boxer, estes porquês insistentes avolumam-se cada vez mais.
Na realidade, Portugal tinha algumas vantagens naturais. Durante toda a sua existência, havia vivido à custa do mar. A sua costa rochosa, batida pelo Atlântico, aonde vão desaguar os rios que nascem no interior montanhoso, tinha, desde sempre, sido a porta aberta para um mundo mais vasto, criando uma dura e hábil raça de marinheiros, que não se deixava atemorizar pelas tempestades do Oceano.
J. H. Plumb
In O Império Colonial Português, C. R. Boxer, Edições 70, Lisboa, 1977, pp. 13, 14, 15.
NOTA
Existe edição portuguesa mais recente, com o título «O Império Marítimo Português»; entretanto tivemos uma revolução, ergueu-se um determinado modelo de democracia, com uma imensa habilidade para mudar o nome às coisas. Ou melhor dito, temos a mania de traduzir como nos convém. O título original é «O Império Português Transportado no Mar» (The Portuguese Seaborne Empire 1415-1825).
16 comentários:
Klatuu grata por estes apontamentos que partilhas connosco. A partilha de informação parece-me ser um excelente caminho para o Blog,já que assume características bem diferentes da Revista NA.
Beijo :)
«O impacto cultural do Império Português, se bem que não possa ser ignorado, é estranhamente superficial.»
É esta a questão que merece reflexão, aliás uma dupla reflexão - porque se é verdade que «além de Camões, há muito poucos escritores, arquitectos, pintores ou cientistas cujos nomes sejam conhecidos, a não ser por especialistas», é igualmente verdade que, por mais que se levante a voz para falar da Lusofonia, pouco se sabe desses outros homens que pelo mundo fora falam, escrevem, sonham, pintam, fotografam e vivem... em português .
Beijinho
Entendo este espaço como um catalizador para uma Causa; não se saber de Portugal, das sua tradições, História, etc, nem do Grupo da Filosofia Portuguesa ou da Nova Renascença... é a consequência de um Ensino divorciado deste chão nestes 34 últimos anos!
É obrigação moral de quem sabe um pouco mais lembrar-se dos outros... e enveredar por alguma pedagogia da Pátria.
Bastante interessante, Klatuu.
Há deficiências na nosso marketing cultural extra-fronteiras, e falências internas graves, de distribuição da riqueza, acesso à cultura e educativos.
Explicar a singularidade portuguesa deve ser a tarefa dos próximos anos - mas também lutar para que o nosso País assuma uma nova rota!
Grata pela partilha.
É fundamental recordar aspectos da nossa História que estão tantas vezes esquecidos nas brumas da memória.
E as perguntas levantadas são pertinentes.
"Explicar a singularidade portuguesa deve ser a tarefa dos próximos anos - mas também lutar para que o nosso País assuma uma nova rota!"
Assino por baixo. É esse o caminho a seguir.
Gosto de História.
"Mas, além de Camões, há muito poucos escritores, arquitectos, pintores ou cientistas cujos nomes sejam conhecidos,"...
Tens razão, temos bons pintores na nossa história votados ao "ostracismo".
Abraço.
P.S. Excelente escolha de António Carneiro.
Tantos talentos um pouco esquecidos - Vieira Portuense, Falcão Trigoso, Henrique Pousão, Gregório Lopes, Aurélia de Souza, António Ramalho...
Todas as civilizações derrotadas parecem "estranhamente superficiais" aos netos dos vencedores: quantas pessoas aqui com menos de 30 anos saberão dizer um poema do Jacques Brel? "Profundo" é o impacto do Ob-La-Di Ob-La-Da dos Beatles.
E assim com Portugal. De modo que, meu caro, vou usar o comentário a um post teu para ser politicamente incorrecto:
Até estou disposto a aceitar as mil variantes das serpentes de que o Paulo Borges não pára agora de falar: pode ser que esteja nelas o segredo do mundo a fazer. Mas o Portugal que mudou o mundo era um país católico. E não foram os católicos quem dominou o mundo desde a Revolução Francesa...
Vou dar um pequeno exemplo:
Já todos devemos ter ouvido dizer que a Europa, na Idade Média, as pessoas pensavam que a Terra era plana. O que não é tão conhecido é que isso é apenas um mito... do séc. XIX, e que todos os letrados medievais não apenas sabiam da esfericidade da Terra como sabiam (com a precisão que a técnica lhes permitia...) medi-la. O que foi fundamental para as nossas navegações.
Vale a pena ler, a esse respeito, um artigo do matemático e professor da Universidade de Coimbra Jorge Buescu, publicado em “Da falsificação de euros aos pequenos mundos”, [colecção ciência aberta, Gradiva, 3ª edição, 2005, cap. 17].
À desmontagem desse mito dedicou-se o medievalista Jeffrey Burton Russel da Universidade da California, na sua obra “Inventing the flat Earth: Columbus and modern historians”; a lenda completa-se com a história de uma "entrevista de Colombo com os Reis Católicos" romanceada e deturpada pelo escritor americano Washington Irving (1783-1859)...
Deixo aqui um link de fácil acesso sobre essa curiosa questão:
http://en.wikipedia.org/wiki/Flat_Earth_mythology
Um abraço
Tu dás-me cabo do orbe que tenho em cima dos ombros! :)
Não serei eu a negar que é na moral do trabalho, e da austeridade nos prazeres mundanos (poupança de tudo!), protestante que se funda o capitalismo; que é um certo idealismo católico que enforma as descobertas, mesmo na herança Romana e das sucessivas tentativas, em toda a Idade Média, de restaurar a sua hegemonia imperial, sobre tudo, terras, Reis, gentes, consciências - mas as Descobertas são o misto da banida heresia templária com muito pragmatismo técnico, que tão bem se fundiram no meditabundo Infante Dom Henrique.
Conheço o que afirmas, e não o nego, mas a questão é outra: o espírito do Renascimento que se anuncia em Portugal (como uma das suas eclosões prematuras), proclama uma independência das produções do espírito sem vigilâncias. A questão não é tanto a da verdade natural do mundo, mas a do conhecimento da mesma para além do mundo fechado dos sábios.
O maior problema gerado pelo «Dialogo di Galileo Galilei sopra i due Massimi Sistemi del Mondo Tolemaico e Copernicano,» não é o novo saber que anuncia, mas ter sido escrito em Italiano, e não em Latim, e com isso poder o vulgo tomar conhecimento de uma sabedoria não mais encerrada nos «círios dos templos»... e agora «archote para todos portado».
Ruela... bem podias ir também divulgando os pintores da Nova Renascença; usualmente só se fala dos poetas e dos pensadores ligados à A Águia.
Tenho especial apreço pela obra de António Carneiro, considero-o mais interessante que metade dos Pré-Rafaelitas.
mesmo a calhar,
uma dose de LVC:
"Tal há-de ser quem quer, co dom de Marte,
Imitar os Ilustres e igualá-los:
Voar co pensamento a toda parte,
Adivinhar perigos e evitá-los,
Com militar engenho e sutil arte,
Entender os imigos, e enganá-los,
Crer tudo, enfim; que nunca louvarei."
(para outro dia alguns excertos da excelente tradução para inglês The Lusiads, de William C. Atkinson).
Uma nota:
A palavra no título do livro de C. R. Boxer é “Seaborne” e não “Seaborn”. Se consultar um dicionário de Inglês, poderá confirmar que o significado dessa palavra não é “nascido do mar”. Portanto, o tradutor fez um bom trabalho.
Recomendo vivamente a leitura da referida obra, pois ela ensina muito sobre a História da Expansão Portuguesa.
Entre outros textos de C. R. Boxer, recomendo ainda Relações Raciais no Império Colonial Português 1415-1825, onde o historiador, opondo-se frontalmente à ideologia dominante em Portugal na altura da sua publicação (1963), problematiza a ideia errada e simplista de que o império colonial português foi, ao longo dos tempos, um império mais isento de segregação e de violência racial, nele prevalecendo a convivência pacífica e a miscigenação.
Boas leituras.
Tem toda a razão é «seaborne», foi lapso meu, citei o título de memória.
Vou emendar.
Obrigado.
P. S. O propósito nunca foi fazer demérito aos tradutores, mas sim brincar com a conveniência política de um título, através de uma forçada tradução literal.
Como é evidente, não houve nenhuma "heresia templária". Houve sim um patife que foi Rei de França e um outro patife que foi Papa. And that's all.
(A ler: Os templários, de Regine Pernoud. Traduzido nas Publicações Europa-América)
Abraço
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