Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.
Alberto Caeiro
Apontamento Biográfico
Fernando António Nogueira Pessoa nasceu no dia 13 de Junho de 1888, no Largo de São Carlos, na cidade de Lisboa. Após a morte do seu pai, quando tinha apenas 5 anos de idade, muda-se, com a mãe e o seu irmão mais novo, para a Rua de São Marçal. Mas a morada no bairro das Mercês é curta, uma vez que a sua mãe, no ano de 1895, se casa com o cônsul de Portugal em Durban. A família muda-se, então, para a África do Sul e Fernando Pessoa enceta aí os seus primeiros estudos, tornando-se exímio na prática da língua inglesa e profundo conhecedor da literatura britânica. Tanto na instrução primária como nos estudos secundários, Pessoa revela-se um excelente aluno. Mais tarde frequenta a Durban High School e tenta entrar na Universidade do Cabo da Boa Esperança.
Em 1905, Fernando Pessoa regressa definitivamente a Lisboa e é acolhido pela sua avó e por duas tias. No ano seguinte, matricula-se no Curso Superior de Letras mas não termina sequer o primeiro ano da licenciatura. Com o dinheiro da herança que a sua avó lhe deixa, após a morte, monta uma pequena tipografia. Este negócio acabará por falir e o poeta passará a dedicar-se ao trabalho de tradução de correspondência comercial. Será o único ofício que terá em toda a sua vida.
Fernando Pessoa começou a escrever poesia ainda em criança, colaborou nas revistas A Águia e Presença e fundou, juntamente com Almada Negreiros (1893-1970) e Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), a revista Orpheu – o órgão, por excelência, da divulgação do modernismo em Portugal.
Vítima de uma cólica hepática, derivada de uma cirrose que já o atormentava há tempos, Fernando Pessoa morre, com apenas 47 anos de idade, no dia 30 de Novembro de 1935, no Hospital São Luís dos Franceses, em Lisboa, deixando apenas uma obra publicada – Mensagem – e alguns livros de poemas escritos em inglês.
Apontamento Crítico
A obra de Fernando Pessoa só tardiamente é que é conhecida e reconhecida pelos leitores em geral e até pela maioria dos intelectuais portugueses. Na época em que começou a colaborar n’A Águia (1912) e em que fundou a revista Orpheu (1915), o poeta não era aceite por muitos daqueles que integravam o mundo editorial, já que o consideravam um extravagante, um sebastianista e um visionário louco. Anos depois, Pessoa passará a ser visto como um poeta de ímpar genialidade e como precursor do modernismo em Portugal.
À vida e à obra de Fernando Pessoa associa-se um conjunto de categorias que, em certa medida, acabam por fundamentar todo o projecto ontológico do nosso poeta do Orpheu. Tais categorias poder-se-ão sintetizar, assim, enquanto defesa da heteronímia (se contarmos com todos os heterónimos e pseudónimos, são mais de 70 nomes criados por Pessoa), do paradoxo, da luta de contrários, do racionalismo sebástico e da exaltação do estado da infância.
O projecto que o poeta modernista propõe acerca do Ser não é mais do que uma guerra onde o próprio Ser se confronta com o Agir, com o Pensar, com o Não-Ser (talvez com o entre-ser, que é o modo mais concertado de encararmos a questão ontológica no poeta Pessoa), com o Tudo e com o Nada. O que por vezes parece é que, por inércia ou falta de coragem, tal projecto foi adiado ou abandonado pelo poeta. Embora tivesse sede de Futuro, Pessoa não conseguiu impô-lo, não conseguiu levá-lo da sua mente, dos seus sonhos e dos seus escritos para a vida real, para a práxis. Esta é, aliás, uma das críticas que mais lhe fazem os escritores de índole pragmática, como é o caso de Agostinho da Silva (1906-1994), por exemplo.
A defesa da heteronímia surge, assim, como principal brasão de armas da obra pessoana. E se aparentemente se caracteriza como simples recurso estilístico-literário, resultante da excessiva vida interna e mental do poeta e da insatisfação que sentia consigo próprio e com o Universo, depressa esta heteronímia se estende a uma paradoxia que intenta sensibilizar o ser humano para a riqueza multímoda que do seu espírito emana. Se, conceptual e poeticamente, podemos enquadrar Fernando Pessoa numa dimensão paradoxal, por outro lado, cremos que nada existe de paradoxal no homem, na vida e na acção do poeta.
Na visão de Fernando Pessoa, a exortação feita à infância é o primeiro passo para a concretização da revolução interior e pessoal, para a vivência da heteronímia e do paradoxo. Afinal, o estádio de permanente felicidade, liberdade, originalidade e verdade pelo qual, essencialmente, a infância se caracteriza, é explanado miticamente por Pessoa, na medida em que é de teor extemporâneo, isto é, algo que aconteceu no passado e que não voltará a repetir-se. Isto é, o poeta-filósofo exalta o estado de inocência e verdade que toda a criança é (“Deus criou-me criança, e deixou-me sempre criança”), temendo, no entanto, que essa instância não passe disso mesmo (“Mas porque deixou que a vida me batesse e me tirasse os brinquedos, e me deixasse só no recreio, amarrotando com mãos tão fracas o bibe azul sujo de lágrimas compridas? Se eu não poderia viver senão acarinhado, porque deitaram fora o meu carinho?”): de um momento que apenas trará saudade ao homem adulto, desligado e desmembrado do Menino que foi, por não ter sido capaz de perpetuar esses momentos.
O projecto pessoano para Portugal resume-se, deste modo, à criação de um Quinto Império espiritual e poético que fará frente a todos os impérios temporais. Para que o mesmo vingue, é necessário que cada pessoa reassuma, no seu interior, um modo sebástico de viver, isto é, que se deixe orientar pelo sonho, pelo devaneio, pela aventura e pela sede de um futuro maior. Só com essa ânsia é que Portugal será mentor de um império espiritual.
Muitos houve que pensaram semelhantemente mas que não tiveram igual genialidade na escrita e na beleza poética. Precisaremos de mais 120 anos para que surja outro(a) Pessoa?
Bibliografia Indicativa:
Poesia
35 sonnets (1918)
Antinous, a poem by Fernando Pessoa (1918)
English Poems I-II (1921)
English Poems III (1921)
Mensagem (1934)
Poesias de Fernando Pessoa (1942)
Poesias de Álvaro de Campos (1944)
Poemas de Alberto Caeiro (1946)
Odes de Ricardo Reis (1946)
Poemas Dramáticos de Fernando Pessoa (1952)
Poesias Inéditas de Fernando Pessoa 1930-1935 (1955)
Poesias inéditas de Fernando Pessoa 1919-1935 (1956)
Quadras ao Gosto Popular de Fernando Pessoa (1965)
Novas Poesias Inéditas de Fernando Pessoa (1973)
Poemas Ingleses publicados por Fernando Pessoa (1974)
Prosa
A Nova Poesia Portuguesa (1944)
Páginas de Doutrina Estética (1946)
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação (1966)
Textos Filosóficos, 2 vols. (1968)
Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
Da República (1979)
Sobre Portugal (1979)
Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política (1980)
Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, 2 vols. (1982)
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.
Alberto Caeiro
Apontamento Biográfico
Fernando António Nogueira Pessoa nasceu no dia 13 de Junho de 1888, no Largo de São Carlos, na cidade de Lisboa. Após a morte do seu pai, quando tinha apenas 5 anos de idade, muda-se, com a mãe e o seu irmão mais novo, para a Rua de São Marçal. Mas a morada no bairro das Mercês é curta, uma vez que a sua mãe, no ano de 1895, se casa com o cônsul de Portugal em Durban. A família muda-se, então, para a África do Sul e Fernando Pessoa enceta aí os seus primeiros estudos, tornando-se exímio na prática da língua inglesa e profundo conhecedor da literatura britânica. Tanto na instrução primária como nos estudos secundários, Pessoa revela-se um excelente aluno. Mais tarde frequenta a Durban High School e tenta entrar na Universidade do Cabo da Boa Esperança.
Em 1905, Fernando Pessoa regressa definitivamente a Lisboa e é acolhido pela sua avó e por duas tias. No ano seguinte, matricula-se no Curso Superior de Letras mas não termina sequer o primeiro ano da licenciatura. Com o dinheiro da herança que a sua avó lhe deixa, após a morte, monta uma pequena tipografia. Este negócio acabará por falir e o poeta passará a dedicar-se ao trabalho de tradução de correspondência comercial. Será o único ofício que terá em toda a sua vida.
Fernando Pessoa começou a escrever poesia ainda em criança, colaborou nas revistas A Águia e Presença e fundou, juntamente com Almada Negreiros (1893-1970) e Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), a revista Orpheu – o órgão, por excelência, da divulgação do modernismo em Portugal.
Vítima de uma cólica hepática, derivada de uma cirrose que já o atormentava há tempos, Fernando Pessoa morre, com apenas 47 anos de idade, no dia 30 de Novembro de 1935, no Hospital São Luís dos Franceses, em Lisboa, deixando apenas uma obra publicada – Mensagem – e alguns livros de poemas escritos em inglês.
Apontamento Crítico
A obra de Fernando Pessoa só tardiamente é que é conhecida e reconhecida pelos leitores em geral e até pela maioria dos intelectuais portugueses. Na época em que começou a colaborar n’A Águia (1912) e em que fundou a revista Orpheu (1915), o poeta não era aceite por muitos daqueles que integravam o mundo editorial, já que o consideravam um extravagante, um sebastianista e um visionário louco. Anos depois, Pessoa passará a ser visto como um poeta de ímpar genialidade e como precursor do modernismo em Portugal.
À vida e à obra de Fernando Pessoa associa-se um conjunto de categorias que, em certa medida, acabam por fundamentar todo o projecto ontológico do nosso poeta do Orpheu. Tais categorias poder-se-ão sintetizar, assim, enquanto defesa da heteronímia (se contarmos com todos os heterónimos e pseudónimos, são mais de 70 nomes criados por Pessoa), do paradoxo, da luta de contrários, do racionalismo sebástico e da exaltação do estado da infância.
O projecto que o poeta modernista propõe acerca do Ser não é mais do que uma guerra onde o próprio Ser se confronta com o Agir, com o Pensar, com o Não-Ser (talvez com o entre-ser, que é o modo mais concertado de encararmos a questão ontológica no poeta Pessoa), com o Tudo e com o Nada. O que por vezes parece é que, por inércia ou falta de coragem, tal projecto foi adiado ou abandonado pelo poeta. Embora tivesse sede de Futuro, Pessoa não conseguiu impô-lo, não conseguiu levá-lo da sua mente, dos seus sonhos e dos seus escritos para a vida real, para a práxis. Esta é, aliás, uma das críticas que mais lhe fazem os escritores de índole pragmática, como é o caso de Agostinho da Silva (1906-1994), por exemplo.
A defesa da heteronímia surge, assim, como principal brasão de armas da obra pessoana. E se aparentemente se caracteriza como simples recurso estilístico-literário, resultante da excessiva vida interna e mental do poeta e da insatisfação que sentia consigo próprio e com o Universo, depressa esta heteronímia se estende a uma paradoxia que intenta sensibilizar o ser humano para a riqueza multímoda que do seu espírito emana. Se, conceptual e poeticamente, podemos enquadrar Fernando Pessoa numa dimensão paradoxal, por outro lado, cremos que nada existe de paradoxal no homem, na vida e na acção do poeta.
Na visão de Fernando Pessoa, a exortação feita à infância é o primeiro passo para a concretização da revolução interior e pessoal, para a vivência da heteronímia e do paradoxo. Afinal, o estádio de permanente felicidade, liberdade, originalidade e verdade pelo qual, essencialmente, a infância se caracteriza, é explanado miticamente por Pessoa, na medida em que é de teor extemporâneo, isto é, algo que aconteceu no passado e que não voltará a repetir-se. Isto é, o poeta-filósofo exalta o estado de inocência e verdade que toda a criança é (“Deus criou-me criança, e deixou-me sempre criança”), temendo, no entanto, que essa instância não passe disso mesmo (“Mas porque deixou que a vida me batesse e me tirasse os brinquedos, e me deixasse só no recreio, amarrotando com mãos tão fracas o bibe azul sujo de lágrimas compridas? Se eu não poderia viver senão acarinhado, porque deitaram fora o meu carinho?”): de um momento que apenas trará saudade ao homem adulto, desligado e desmembrado do Menino que foi, por não ter sido capaz de perpetuar esses momentos.
O projecto pessoano para Portugal resume-se, deste modo, à criação de um Quinto Império espiritual e poético que fará frente a todos os impérios temporais. Para que o mesmo vingue, é necessário que cada pessoa reassuma, no seu interior, um modo sebástico de viver, isto é, que se deixe orientar pelo sonho, pelo devaneio, pela aventura e pela sede de um futuro maior. Só com essa ânsia é que Portugal será mentor de um império espiritual.
Muitos houve que pensaram semelhantemente mas que não tiveram igual genialidade na escrita e na beleza poética. Precisaremos de mais 120 anos para que surja outro(a) Pessoa?
Bibliografia Indicativa:
Poesia
35 sonnets (1918)
Antinous, a poem by Fernando Pessoa (1918)
English Poems I-II (1921)
English Poems III (1921)
Mensagem (1934)
Poesias de Fernando Pessoa (1942)
Poesias de Álvaro de Campos (1944)
Poemas de Alberto Caeiro (1946)
Odes de Ricardo Reis (1946)
Poemas Dramáticos de Fernando Pessoa (1952)
Poesias Inéditas de Fernando Pessoa 1930-1935 (1955)
Poesias inéditas de Fernando Pessoa 1919-1935 (1956)
Quadras ao Gosto Popular de Fernando Pessoa (1965)
Novas Poesias Inéditas de Fernando Pessoa (1973)
Poemas Ingleses publicados por Fernando Pessoa (1974)
Prosa
A Nova Poesia Portuguesa (1944)
Páginas de Doutrina Estética (1946)
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação (1966)
Textos Filosóficos, 2 vols. (1968)
Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
Da República (1979)
Sobre Portugal (1979)
Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política (1980)
Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, 2 vols. (1982)
3 comentários:
Agora é o tempo de surgir de dentro de cada um de nós um Pessoa, um Menino renascido dos escombros desta vida adulta, nula.
Será a Hora quando o Homem descobrir que é o próprio sonho.
Sempre um prazer ler os seus artigos.
Cumprimentos.
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