A questão do acordo ortográfico da língua portuguesa prolonga-se há quase um século. O processo começou em 1911, quando, com o advento da República, o governo português promoveu uma grande reforma ortográfica da língua portuguesa. Porém, fê-lo à revelia do Brasil, de quem não obteve acordo prévio, e, aquando da sua implementação, não o conseguiu impor àquela nação sul-americana. Se partirmos do princípio que a implementação de uma reforma ortográfica constitui, na sua essência, uma questão de soberania nacional, que deve resultar de um entendimento claro entre os países envolvidos e afectados, então não podemos deixar de censurar a atitude portuguesa e de entender a oposição brasileira.
Após 1911, e ao longo de todo o século XX, realizaram-se outras tentativas de unificar as ortografias do português, especialmente aquelas praticadas em Portugal e no Brasil. Neste processo, tiveram um papel de relevo a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras. Os esforços das duas instituições resultaram na Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Contudo, neste caso, as partes não conseguiram chegar a um consenso, muito devido à inflexibilidade da posição portuguesa, na qual predominava a perspectiva epistemológica. Por exemplo, aos brasileiros, que há muito tinham suprimido, para maior facilidade de alfabetização, as consoantes mudas ou não articuladas de palavras como “acto”, “directo” ou “óptimo”, era exigido voltar a introduzi-las na escrita, uma violência que aquele país não aceitou.
A maior lição que podemos extrair das tentativas de acordo de 1911 e de 1945 é que Portugal, embora seja o berço da língua portuguesa, não é o seu único proprietário. Outra lição que poderá ser adicionada a esta inferência é que, no mundo de hoje, em que o Brasil é uma potência em clara emergência, à beira de se tornar num potentado energético e num dos maiores mercados globais, e Portugal, um estado da cauda de um bloco europeu em declínio, a projecção internacional do português está dependente do Brasil e não de Portugal. Por outras palavras, a nível internacional, não há futuro para a língua portuguesa sem o Brasil.
Claro que isto não significa que o nosso país se deva submeter integralmente aos hábitos ortográficos brasileiros. Como referi acima, uma reforma ortográfica é, na sua essência, uma questão de soberania nacional que deve resultar de um entendimento claro entre os países envolvidos e afectados. No entanto, dada a actual conjuntura internacional, esta não é, tão pouco, a ocasião para dar eco às críticas que advêm de certos intelectuais portugueses mais conservadores que põem em causa a necessidade sequer de qualquer acordo ortográfico. Precisamos de uma reforma que catalize a afirmação global da língua portuguesa — sim — mas sem comprometer os interesses particulares dos países envolvidos.
É neste espírito que o acordo ortográfico que actualmente está a ser discutido deve ser analisado. Quando assim perspectivado, é possível identificar, pelo menos, sete vantagens subjacentes à nova ortografia, nomeadamente:
1. Aproxima a língua escrita da língua falada;
2. Permite a globalização do nosso idioma na Internet, evitando muita da duplicação que hoje existe;
3. Faculta o intercâmbio no espaço lusófono, não só no plano económico, turístico, cultural e académico, mas também ao nível das emissões televisivas e radiofónicas;
4. Facilita a aprendizagem do português como língua estrangeira, independentemente do país onde ela ocorra;
5. Apenas traz modificações na forma de escrita de 1.6% do vocabulário utilizado em Portugal e 0.45% do vocabulário utilizado no Brasil;
6. Admite a possibilidade de dupla grafia (por exemplo, académico/acadêmico, anatómico/anatômico, bebé/bebê, bidé/bidê, judo/judo, metro/metrô, croché/crochê, género/gênero, efémero/efêmero e António/Antônio), permitindo acomodar as diferenças de pronúncia entre Portugal e o Brasil;
7. Adiciona valor geopolítico, pois aumenta a afirmação do português no globo e, consequentemente, a visibilidade estratégica de Portugal, Brasil e demais seis países lusófonos na arena internacional.
Conjuntamente, as sete vantagens enumeradas acima fazem do actual acordo ortográfico uma ferramenta benéfica para todos os usuários da língua portuguesa e para a afirmação do idioma de Camões como uma língua mundial de cultura. Na minha opinião, não existem argumentos suficientemente válidos para não o aceitar. Pelo contrário, inviabilizar o acordo seria uma lesão considerável ao nosso capital linguístico, com repercussões igualmente sérias na sua projecção planetária.
FRANCISCO GOMES, in Jornal da Madeira
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2 comentários:
Passando por cima do fascínio pelos «grandes mercados» e do preconceito contra as «caudas»... este texto é muito perninente - mas deixa-me com uma tremenda perplexidade: com as respectivas diferenças ortográficas, a língua que se fala e escreve em Angola, no Brasil, em Portugal, etc, não é toda Língua Portuguesa??
A uniformização é riqueza e a diversidade não?
Acreditam que os escritores brasileiros cujas escolas literárias se fundamentam em regionalismos linguísticos/ortográficos vão adoptar o Acordo?... se nem na ortografia em vigor agora no seu país escrevem...
É decerto possível um acordo - e espero que melhor que este e mais bem negociado -, mas o mais irritante no actual Acordo é a evidente submissão dos critérios culturais e linguísticos aos políticos!
E o mais patético é que o Brasil político vai dar tanta importância ao Acordo Ortográfico como a uma soneca na praia... e o Brasil cultural nem sequer ouviu falar dele!
Cumprimentos.
Errata: leia-se «pertinente» e não «perninente».
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