A meu ver, existem dois tipos de Saudade:
- O colocar em questão de toda a realidade e o desejo de a transcender, resultante das influências Gnósticas na nossa cultura;
- A versão fatalista, resignada e medrosa que fomos obrigados pela escola e pelos media a enfiar pela garganta abaixo, resultante de deturpações feita á custa da "santa" inquisição (recuso-me a usar maiúsculas para me referir a esta peste) e outros flagelos da mesma estirpe que têm infectado a cultura Portuguesa há quase 500 anos.
O que me dá a impressão que a versão original da Saudade pode até ser usada como instrumento para a promoção da consciência crítica que é necessária para o desenvolvimento de cidadãos efectivamente livres e por isso interventivos num regime democrático.
Gostaria de saber a vossa opinião acerca desta questão.
É que a nossa "história" (com "h" pequeno), instrumento de engenharia social e de justificação de interesses quase nunca benéficos para o nosso desenvolvimento como seres humanos, está mesmo muitíssimo mal contada ...
Houve alguém que comentou neste blogue que nunca será possivel resolver as necessidades materiais de todos ao mesmo tempo, e que a "barriga cheia" tende a afastar as pessoas dos anseios de transcendência, em vez de os promover.
É verdade que é extremamente difícil conseguir uma absoluta igualdade em termos de bem-estar material e social, e que as únicas tentativas de eliminar a pobreza e diminuir radicalmente a desigualdade social que deram certo dentro de mecanismos democráticos foram aquelas das Sociais-democracias Escandinavas, que mesmo assim não levaram a uma igualdade absoluta.
É verdade também que uma excessiva preocupação com o bem-estar social leva a um negligenciar da promoção da vida interior. Uma das declarações mais conhecidas de Ingmar Bergman foi de que "Na Suécia, toda a gente é igual diante do cobrador de impostos".
No entanto, é extremamente perigoso pensar que a frugalidade, quando não vivida em ambientes monásticos ou outro tipo de comunidade consagrada, possa promover a transcendência.
Agostinho da Silva tinha uma certa razão ao dizer que o povo Português do estado novo, na sua ignorância e analfabetimo, não perdeu grande coisa tendo em conta as "baboseiras" proferidas pelos intelectuais dos centros cosmopolitas.
No entanto, esta declaração pode ser considerada como uma profunda ofensa por aquelas pessoas que, devido a condições de pobreza, não puderam ter acesso ao nível de escolaridade correspondente ás suas aspirações e capacidades, tendo sido os seus sonhos e o seu potencial triturado pela máquina infame do trabalho infantil.
É preciso recordar que Salazar impôs ao povo Português, de uma forma muito perversa, uma filosofia de "ignorantes de coração puro e tementes a Deus". Foi tal filosofia que levou ao encerramento das escolas primárias das aldeias e á sua substituição por "regentes" com o ensino básico, visto que professores primários com formação adequada eram vistos como potenciais agentes de subversão. Salazar inclusivé considerava que bastava ao povo Português saber ler, escrever e contar, tendo a ideia que o povo por natureza não tinha aspirações intelectuais superiores á obtenção dessas competências básicas.
Tal estratégia de embrutecimento em massa, parte de um programa conservador destinado a evitar a emergência de forças sociais que pudessem pôr em causa os interessas da oligarquia dominante, foi um dos maiores crimes contra a Cultura e o desenvolvimento do potencial humano alguma vez realizados na história do Ocidente.
Salazar foi em muitos aspectos muito mais inteligente que Mussolini ou Hitler, chegando mesmo a aconselhar o carrasco de bigodinho e a servir de mediador entre este e Franco. Mas a maior prova do diabólico génio político de Salazar foi aquela de ter evitado seguir a estratégia mobilizadora e transformista dos seus congéneres.
Mussolini e Hitler incitaram o povo a "viver perigosamente", a transformar as suas vidas e o país, mesmo sendo de uma forma que esvaziava os cidadãos das suas personalidades e os tornava meras marionetes nas mãos dos líderes políticos. Organizaram mobilizações em massa, e assassínios igualmente em massa. Esqueceram-se porém que qualquer energia agressiva cria uma energia igualmente agressiva, mas de sentido contrário, que acabará por a neutralizar.
Salazar foi muito mais esperto. Diabolicamente mais esperto. Apenas convidou o povo a "viver como habitualmente", usando as versões distorcidas e corrompidas do Saudosismo e Sebastianismo para perpetuar a mais longa ditadura de direita da história do Ocidente. Ditadura esta que paralisou o País e castrou a vontade dos seus membros.
O génio político de Salazar ainda paira sobre nós, ganhando corpo no nosso medo de dizer o que realmente pensamos, no nosso medo do que os outros possam pensar, na nossa inveja, na nossa mesquinhês, no nosso conformismo, no nosso complexo de inferioridade, no nosso medo de enfrantar desafios por receio de "não estar á altura", na nossa pegajosa subserviência a quem tem nem que seja um simulacro de poder, na forma como nos sabotamos a nós mesmos por medo da inveja e da mesquinhês dos outros, e da consequente solidão, nas nossas tendências auto-destrutivas, como indivíduos e como Povo.
Foi a distorção e corrupção das ideias de Saudade, Sebastianismo e Quinto Império que deu á luz of Portugal temos.
Sebastianismo visto como a espera passiva por um "homem providencial" que viesse restaurar a Pátria, em vez de busca Graálica do elemento emancipador e empoderador que existe dentro de cada um de nós.
Distorção esta feita com o objectivo expresso de silenciar o potencial emancipador e subversivo destas ideias.
Há que honrar e fazer justiça á memória dos seus egrégios autores e apagar de vez os resultados desse crime secular.
A HORA DE O FAZER É JÁ!
Pelo bem da Democracia.
Pelo bem de cada um de nós como cidadãos e como seres humanos.
Tornemos o "Caminho da Serpente" num projecto nacional de emancipação das consciências e democratização da sociedade. Transformemos as palavras poéticas de Pessoa num projecto concreto de democratização das relações sociais, da economia, do ensino, das relações estado/sociedade civil, da cultura e, acima de tudo, de um constante pôr em causa de todas as instituições, de todas as convenções sociais e de todos os projectos.
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
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1 comentário:
Concordo plenamente com este texto.
Há muitas formas de estar, de ver, de sentir, que são sobrevivências do fascismo, bem acantonadas na nossa vida colectiva e entranhadas na nossa existência.
Mas temos que ter em conta que estas estruturas mentais e comportamentais são anteriores ao salazarismo. Fazem parte da mundividência "moderna" (agora é difícil procurar um termo mais preciso), nascida das diversas formas de materialismo que levaram a que o homem se deixasse de pensar a partir da transcendência (da transcensão contínua de si que a Saudade, no sentido "autêntico", mcomporta, mas a partir de "metafísicas de substituição", tais como o materialismo político-social, o evolucionismo materialista, o biologismo antropolátrico (assente na idolatrização de certas formas de ver a humanidade do homem desligadas da realidade).
Há um desapossamento ontológico do indivíduo, reduzido às faces visíveis e controláveis da personna, que leva a que as pessoas se encarem como desprovidas de meos de acesso à plenitude.
Por isso, há um discurso médico que marca a geografia mental do homem ocidental a partir de meados do século XIX. Por estranho que pareça, a economia enquanto ciência (trata-se de uma monstruosidade epistemológica) apropriou-se dessa intencionalidade médica/clínica/objectiva e reduziu os homens ao estatuto de máquinas produtoras e consumidoras. Por isso, aqueles que não caem dentro destas categorias são tendencialmente eliminados, pelo menos da visibilidade social. Daí o eugenismo característico do fascismo nazi, e não só.
E isto marca a forma como o poder se configura e se distribui entre os indivíduos.
Assim, tenho a percepção de que a visão fascista do poder está bem presente na forma como as organizações se estruturam. Tornou-se um sistema mental que se apossa da realidade nos sistemas de relações de poder ao nível das organizações e não já ao nível do regime político.
Isso contribui para que as pessoas não tomem consciência da situação.
Ora, a saudade, como forma de acesso ao fundo do sem fundo de onde brota o sentido do humano, do trans-humano, do infra e do supra-humano, pode ser revolutiva (a palavra "revolucionária" não chega para dizê-lo): desistalando-nos dos nossos sistemas de crenças cristalizados e libertando-nos para a fruição pura.
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