(Um texto de Telo Vieira de Meireles, nosso colaborador da revista e do blogue, que o próprio me pediu para aqui publicar:)
Às famílias portuguesas de todas as cores e crenças. Às famílias misturadas em tudo, nas línguas, nas religiões, nas visões do mundo. Às famílias de adopção ou adoptantes. Às famílias que não nasceram em Portugal mas se sabem portuguesas, às que nunca viveram em Portugal e são-no mais que muitas que aqui sempre viveram e sempre se sentiram desterradas, às monoparentais, às ciganas, africanas, indianas, ucranianas, chinesas, judias, árabes, às homossexuais, às bissexuais e às heterossexuais, às famílias inseminadas artificialmente, às famílias de prisioneiros, às dos aldeões e às dos citadinos, às famílias uníssonas, às plurais, a todos os que sabem que têm uma família e aos que não a tendo desejariam ter uma! Enquanto esse saber de tece o infinito painel da história, apelo para que vos torneis para vós próprias, para que aprendeis a viver em comunidades de famílias, para que regresseis aos campos e à lavoura, levando vossas ferramentas sofisticadas, nesse refluxo que será o gérmen da civilização futura.
Assim escreve o romântico tardio, o ultra-romântico, hipersensível e científico, o que busca eternamente o sol oculto dentro de si. Bem avisado anda ele do Guardador: não é místico absolutamente, embora no seu culto barroco do instantâneo haja lugar na cadeia infinita da alma para a centelha alumiada que o transluz ao olhar dos outros, a centelha divina que nasce nele e nele se extingue mais adiante, para ressurgir inesperada em seu ser astrofísico ainda vivo.
Apelo para que inventeis um jogo para cada família, para que abandoneis os apartamentos sarcófagos e regresseis às vossas rurais idades, às casas de pedra seca, ao risco sentido mais do que ponderado da paisagem, numa emoção de balanço e entendimento perfeito com as «coisas», sendo vós próprias coisas, estando-aí como naquelas geografias de colonizadores de um novo mundo supostamente vazio, o da imaginação, o da interioridade das coisas. Ninguém vos perguntará nada, porque ninguém lá estará para perguntar seja o que for. Pegai nas enxadas de vossos avós e sachai a terra abençoada, assai o peixe e os moluscos ao pôr-do-sol em grandes federações de famílias, olhando o firmamento, entretidas em seus jogos familiares. Jurai defender vossa federação até à morte contra a tirania de qualquer administração. Enterrareis todas as cidades, mas trareis os laboratórios para os campos. Recebereis, contudo, ao estrangeiro, ao solitário, com esplêndida hospitalidade. Mas que este não viva à vossa custa, e se quiser ficar sem se integrar ou constituir uma família, que prossiga sua jornada, após o cumprimento por vossa parte das leis da hospitalidade; que ele vá para a Terra dos Solitários, onde vivem todos os celibatários, uma terra nascida das ruínas da civilização industrial, e onde, pelo menos esteticamente muitos corações solitários poderão, quiçá, encontrar sua felicidade.
Mas vós não, vós encontrareis a raiz de vosso ser na terra, no domus, na assembleia, no Ding reunido na clareira da floresta em noites de luar para vossas decisões políticas, achareis a raiz que está no amor e entreajuda dos membros das famílias, na dissolução da parte no todo e deste na parte, para que um novo átomo nasça, uma parte inteira de novo antes da sua infinita redivisão... António Mora, diria antes que este panfleto é dirigido às famílias pagãs portuguesas, eu acrescentaria simplesmente pagãs... e outras!
Telo Vieira de Meireles
3 comentários:
Isso, de preferência estendendo todo este amor também aos peixes, moluscos e suas famílias !...
Ainda bem que me chamaste a atenção. Escrevi o texto junto da concheira na praia de São Julião, com mais de 6.000 anos, e era isso que nossos antepassados por ali faziam: assavam marisco e comiam-no, o resto podemos imaginar. Eu defino-me como pró-vegetariano, tenho minhas fraquezas carnívoras, embora alguém me perguntasse o que sentia quando comia frutos ou vegetais, se eles não seriam também animados de vida?
Sinceramente, estou mais preocupado com as famílias que passam fome.
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