A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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terça-feira, 1 de janeiro de 2008

A Direcção da NOVA ÁGUIA tem o privilégio de publicar neste blogue, em primeira mão, um texto de Miguel Real, expressamente redigido para o primeiro número da Revista, um texto sobre a ideia de Pátria em Francisco da Cunha Leão, pensador português cujo centenário do nascimento se comemorou em 1 de Dezembro de 2007 (ver "noticiáguio").
Privilégio porque, como é sabido, Miguel Real, para além de ser um cada vez mais prestigiado romancista, é autor de alguns dos mais profundos ensaios publicados nestes últimos anos sobre o sentido mais alto da cultura portuguesa: Portugal. Ser e Representação (1995), O Marquês de Pombal e a Cultura Portuguesa (2005), Agostinho da Silva e a Cultura Portuguesa (2007) e A Morte de Portugal (2007).

FRANCISCO DA CUNHA LEÃO:
PORTUGAL COMO HARMONIZADOR DE OPOSTOS

– A Pátria que morreu, segundo Francisco da Cunha Leão

Com a morte de Cunha Leão, em 1974, morreu igualmente um particular modo de investigação da antropologia filosófica em Portugal, versando sobre as características rácicas da personalidade essencial do povo português. Tendo a sua origem no nacionalismo romântico de Almeida Garrett, esta orientação investigativa atravessou os estudos filosóficos portugueses contemporâneos, de Teófilo Braga a Leite de Vasconcelos e Teixeira de Pascoais, de António Sardinha a Jorge Dias e Orlando Ribeiro, desaparecendo definitivamente do nosso horizonte filosófico em Labirinto da Saudade, Psicanálise Mítica do Destino Português, de Eduardo Lourenço, publicado em 1978, sendo hoje visceralmente atacada pela sociologia científica de Boaventura de Sousa Santos, nomeadamente no seu livro Pela Mão de Alice. Tratava-se, efectivamente, de uma ensaística antropológica de carácter nacionalista, que intencionava revelar o fundo permanente de Portugal, vinculando-o a um substracto histórico-rácico, transfigurado como expressão colectiva em nação, resistindo heroicamente a sereias exteriores (Castela), persistindo enigmaticamente, atingindo paradoxalmente a grandeza espacial de um vasto império ultramarino.
É justamente no seio desta ideologia filosófica nacionalista que se deve integrar as reflexões sobre a existência de Portugal de Francisco da Cunha Leão, mormente nos seus dois mais importantes ensaios, O Enigma Português (1960) e Ensaio de Psicologia Portuguesa (1971). Livros complementares, ambos assinam a certidão de óbito cultural de uma visão espiritualista do português ante-entrada de Portugal na Comunidade Europeia: o português histórico e imperial, de costas para Madrid e peito enfunado à brisa do Atlântico. O português magistralmente descrito por Cunha Leão é um português burguês orgulhoso do seu passado histórico, honrado pela distribuição de cultura cristã que tinha operado pelo mundo, humanista reconvertor do indígena aos costumes católicos, sempre de olhar suspeitoso sobre as intenções castelhanas, o português crente de uma única igreja, de mulher passiva e resignada, casa caiada de branco, “duas rosas na sacada e dois braços à minha espera” de Amália Rodrigues, o português das feiras rurais, conviva diário com a natureza, obediente ao mestre-escola, ao prior da paróquia e ao regedor da freguesia. O português desenhado com o rigor do esquadro e do compasso por Cunha Leão é, como ele próprio refere, o português do “espaço psicológico lusíada”. É, historicamente, um modelo de português que, moribundo desde a década de 1960, morre definitivamente na de 80 com a invasão de costumes europeus e o nascimento de um outro e novo espaço psicológico, o lusófono, que, não sendo contraditório com o primeiro, possui essa marcante diferenciabilidade de ser sobretudo amparado por uma política europeia segundo os costumes racionais de massas dos finais do século XX, princípios do nosso.
No seu primeiro ensaio – livro que marcará para sempre a antropologia histórica e filosófica portuguesa - Cunha Leão fundamenta em “20 Teses” a “Formação e Sobrevivência de Portugal”, desenvolvendo um conjunto de proposições teóricas que se afastam das teses “rácicas” exclusivistas de Teófilo Braga (o “moçarabismo”), de António Sardinha (o celta “atlante”, exposto em O Valor da Raça, de 1915) e da tese de fusão entre semitas e arianos de Teixeira de Pascoais. Diferentemente, Cunha Leão defende a existência de um profundo “mistério” antropológico e histórico na formação e perseveração de Portugal que, nem mesmo tendo perdido a independência durante 60 anos, “tempo bastante para a comprometer definitivamente se as razões da autonomia, não fossem na realidade muito profundas”, deixou apagar o fervor patriótico português.
Portugal surge, assim, como uma “combinação feliz” do espírito galaico com o espírito lusitano, ou seja, dos “caracteres” do homem de “Além-Douro interamnense e transmontano e do [homem do] bloco beirão”, especialmente da Beira Alta.
Marcada pela estreiteza geográfica finistérrica, a história de Portugal, enquadrada pelo espírito genesíaco e custódio galaico-beirão, desenha permanentemente (“em contínuo”) uma luta pela apropriação de espaço, mais espaço. É neste sentido, o da determinação nascida da exiguidade do espaço, que os “Descobrimentos e a colonização (...) constituem a suprema afirmação [do espírito criador] dos Portugueses”. Não postulando causas históricas directas da génese da nacionalidade, mas não aceitando a teoria do “acaso” de Oliveira Martins, Cunha Leão remete-as para uma “raiz antropológica, tão obscura como evidente”, nascida da fusão entre povos galaicos e beirões lusitanos, a que o cristianismo, a ambos unindo espiritualmente, deu direcção histórica e sentido civilizacional, generalizando posteriormente o modo de ser português no novo mundo descoberto. Porém, espalhado e repartido pelo mundo, “o fundo temperamental do Noroeste [peninsular, a Galiza] mantém-se” “como limite da sensibilidade portuguesa e da [sua] posição perante a vida”. Em O Enigma Português, Cunha Leão evidencia a dupla causa histórica e antropológica da união fraternal de Portugal com a Galiza e de separação conflitual com Castela de Espanha. Nas páginas 120 e 121, o autor apresenta as diferenças substanciais nos “modos de comportamento” entre portugueses e castelhanos em 11 teses, explicitando o seu conteúdo entre as páginas 122 e 159. Desenha-se nestas páginas, por contraste com o “espanhol”, uma das mais fecundas antropologias filosóficas do homem português teorizadas no século XX, sofrendo apenas paralelo com a reflexão de Pascoais em A Arte de Ser Português, bem como com o famoso artigo de Jorge Dias sobre Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa, contrastando à uma as três teorias com as teses sobre “Portugal” de Boaventura de Sousa Santos, uma visão já europeia de Portugal. À especificidade antropológica, fundamento da diferencialidade colectiva e individual do português, deve juntar-se a continuidade antropológica entre este e o galego apresentada no capítulo “Os Elementos Galaicos e Lusitanos. Sua Persistência e Combinação no Português. Esboço de uma Corografia Espiritual”. Considerando a relação histórica entre a Galiza e Portugal ao moda das relações aristotélicas entre “potência” e “acto” e “passagem da matéria à forma”, como que Portugal actualizou historicamente o pathos contido na alma galega, nascendo do encontro de ambos o desenvolvimento temporal peculiar de Portugal, cujo desenrolar Cunha Leão interpreta em “Relance Interpretativo da História de Portugal”.

– A Pátria que permanece viva, segundo Francisco da Cunha Leão

Em 1971, Cunha Leão publica Ensaio de Psicologia Portuguesa, onde, de novo, sem a revelar em absoluto, aflora a “individualidade psicológica” portuguesa através de um conjunto de 12 quadros que intitula “Antinomias e Outras Aproximações”. Cada quadro, dividido em duas colunas antinómicas, evidencia uma multiplicidade de características gerais de carácter psicológico do povo português (religiosidade, independência nacional, vitalidade anímica, racionalidade...) através de um leque de postulados teóricos de diversíssimos autores nacionais e estrangeiros (são citados cerca de 130 nomes), muitos dos quais (os postulados) se evidenciam como totalmente opostos, e mesmo contraditórios, embora dizendo respeito ao mesmo objecto de estudo, a personalidade do povo português. Cunha Leão não tenta evidenciar que alguns dos autores se encontram errados e outros certos, mas, diferentemente, provar que, face aos circunstancialismo religiosos, sociais e culturais específicos de cada momento evolutivo da história de Portugal, o húmus antropológico e filosófico permanente do português reage segundo a plasticidade e a aclimatação necessárias a esse momento. Não se trata, portanto, de opor as teses de A. Sérgio às de Unamuno, de Alexandre O`Neill às de T. Pascoais, de Álvaro Ribeiro às de Eduardo Lourenço, considerando-as umas certas e outras erradas, ou todas erradas por parcialidade analítica, mas de expor como a personalidade colectiva e individual do português, vista caleidoscopicamente, vai revelando plasticamente características diferentes consoante momentos diferentes e constrastantes da sua história, como, por exemplo, aventureiro e audaz nos Descobrimentos e conservador e possessivo, arreigado ao terrunho natal, em momentos de crise social e política
Cunha Leão entende a personalidade do povo português como pertinente à necessidade de harmonização entre opostos, não deixando esta ora de apresentar uma característica, ora, segundo inclinações determinadas, o seu contrário. Assim, verdadeira e genuinamente, a essência do povo português residiria tanto nesta permanente dualidade quanto, sobretudo, na capacidade de a ambos os opostos superar e harmonizar num fundo cultural e antropológico único, ou, como Cunha Leão escreve emblematicamente, no português reside o “génio de harmonizar opostos”. Através de uma “psicologia dominada pela força da emoção”, gerada plasticamente da fusão entre povos oriundos da Beira Alta e da Galiza, diferenciado psicologicamente do castelhano, vizinho terrestre ameaçante, ansiando por espaço maior do que o seu berço natal, navegando por necessidade e aventura – teses fundamentais de O Enigma Português -, “à conciliação das oposições geográficas, do mar e da terra, e entre continente, brevemente juntámos a inter-racial”, generalizando entre os novos povos tanto uma piedosa mensagem cristã quanto o ferro da escravatura, prevalecendo aquela como selo distintivo.
Assim portugueses errantes, gerámos uma “ecúmena espiritual” como suprema harmonia de contrários pertinentes a raças, a idiomas e a âmagos continentais, abatendo as muralhas dos exclusivismos de qualquer teor. Enfim, metafórica e simbolicamente, em Portugal reside – e permanece activa, viva como nunca - a consumação da Torre de Babel nas línguas de fogo do Pentecostes. Transmitir a mensagem cristã («dilatar a Fé») constituía nosso dever, já que nela acreditávamos, por ela morríamos e a ela tínhamos por sublime, e, se acaso houve intolerância, violência e maldade, a convicção nos salvou e, acima de tudo, a generosidade de querer espalhar por todos os outros povos o que de mais excelente julgávamos possuir – a disponibilidade e a capacidade de se entenderem pacificamente.

Azenhas do Mar, 31 de Dezembro de 2007,
Miguel Real.

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