Paulo Borges in “Agostinho da Silva, Pensador do Mundo a Haver”
Sem dúvida que as nações ou comunidades humanas de escala diversa conseguem ter aquilo a que chamamos “alma”, “atman” ou “consciência colectiva”, numa visão mais jungiana da coisa… Um grupo de indivíduos, reunido sob o mesmo grupo de matrizes culturais, agregado sobre uma conceptualização do mundo única e distinta dos demais, assume um “karma colectivo” e logo, penso que podemos falar com toda a legitimidade de “alma nacional” ou neste concreto “alma portuguesa”…. Sendo que a dita tem essa estranha e exótica particularidade de ser uma alma universal e universalista que pela sua própria essência implica uma superação de si mesma, e logo, uma anulação e uma transferência para uma outra entidade espiritual superior e trans-nacional… É a isto que Paulo Borges se refere quando procura explicar um dos maiores mistérios do pensamento agostiniano: o sentir e o exprimir de Agostinho implica um “nacionalismo”, strictu sensus? Sem dúvida que esta leitura é a explicação da relativa popularidade de Agostinho da Silva entre alguns movimentos extremistas ligadas à vertentes ultra-nacionalistas da Direita portuguesa, mas em Agostinho encontramos coisa diversa… A tolerância religiosa e étnica transpiram em todos os textos e palavras de Agostinho… O multiculturalismo, a crítica aos ímpetos centralistas e imperialistas de Madrid e da “Europa da gente loira” são abundantes… Tudo isso contradiz essa interpretação redutora do pensamento agostiniano…
De facto, como bem aponta Paulo Borges, em Agostinho o “amor a Portugal” parece servir sobretudo como um catalisador para um estado ou patamar de desenvolvimento espiritual colectivo superior que tornaria a limitada, obsoleta e incompleta “alma portuguesa” num Nirvana colectivo a que autores como Vieira, Pessoa e Agostinho chamaram de… “Quinto Império”, ou seja, o patamar seguinte do desenvolvimento da alma colectiva portuguesa, brasileira e… universal.
Texto originalmente publicado em Setembro de 2007 por AQUI.
2 comentários:
Para mim é das questões filosoficamente mais complexas, conceptualizar o estatuto dessa alma colectiva, sem cair no essencialismo que rejeito nem reduzir Portugal a uma entidade metafísica esotérica... separada das nossas mentes e vidas concretas. O que me consola é que em Portugal, como bem dizes, toda a identidade tende para uma supra-identidade universal, que aceito dizer-se "Nirvana" se desta palavra houver um entendimento livre das distorções ocidentais que o fazem equivaler a extinção do ser e da consciência. Vejo o Quinto Império / Nirvana como o apogeu da Consciência, livre de sujeito e objecto, livre de dualidade, livre da inconsciência em que andamos. Tudo depende de descobrirmos as possibilidades não-duais da consciência: mas aí já não chega a política, nem a filosofia, é necessária a meditação...
Auto-Retrato Português
Nesga humana dum grande mapa humano
Aqui, a ocidente e ao sol, dormito;
O manto do infinito
Veste-me a pequenez;
E o mar cerúleo, aberto à minha ilharga,
Alarga
O meu nirvana azul português.
Rei que renunciou, cansado,
Ao ceptro da aflição,
Digo não,
Digo sim,
Com igual abandono...
Tão distante de mim
Como do trono...
Vivi antes da hora o que vivi.
E, agora, vegeto,
Feliz de nada ser,
De nada desejar,
E de nada sentir,
Agradecido ao mar de nunca me acordar,
E agradecido ao céu de sempre me cobrir.
Miguel Torga
Coimbra, 7 de Março 1970
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