Muito aqui se tem falado de vontades universalistas, de "querer ser nada e tudo ao mesmo tempo, do Português como sendo animado pela Fé em vez do empirismo e cinismo. No entanto, do que falamos nós quando falamos da Fé dos Portugueses?
Da Fé de uns quantos Iluminados da Escola de Sagres e da Dinastia de Avis, continuada hoje por um grupo ainda mais restrito que tem o privilégio de não partilhar da desesperança que afecta o dia-a-dia de tantos Portugueses, carregados de dívidas, a passar horas infinitas no trânsito, e cuja fé reside na esperança de um aumento ou, no mínimo, de não perder o emprego e poder comprar aquele T2 ou aquele carro novo que supõe irá resolver os seus problemas? De ter sobrevivido á castração em massa efectuada pelo sistema de ensino, que reduz as aspirações d@s menin@s ao que é suposto ser "realista" para alguém da sua "condição social", devido a Mestres que os apoiaram ou a uma indomável força interior?
A fé imposta por séculos de inquisição que envenena tantas almas com culpa e leva tanta gente a acreditar que a satisfação de direitos fundamentais como a saúde (própria ou de um ser amado), estabilidade económica ou até o obter resultados dos seus próprios esforços são "graças" que devem ser compensadas a ensanguentar os joelhos á volta de santuários?
A fé no desempenho da Selecção Nacional em campeonatos internacionais de futebol?
Sim, concordo com Agostinho da Silva, Paulo Borges e tantos outros que afirmam que há um impulso Dionisíaco no "ser Português". No entanto, também tenho de concordar com José Gil em que há em Portugal um "medo de existir". O Paulo disse num comentário recente que tal perspectiva vem de uma mente estrangeira á "forma de ser Portuguesa". Discordo e concordo ao mesmo tempo.
Discordo porque, basta uma pessoa sentar-se num café e escutar as conversas que nos rodeiam ou até entrar na internet e ler os comentários que centenas de leitores todos os dias fazem nas edições "online" dos jornais Portugueses para ver que um número muito grande de Portugueses de hoje em dia tem uma grande falta de fé em sí mesmo e no país.
A forma como as pessoas rematam com um "é a vida, não há nada que se possa fazer" qualquer desabafo que façam sobre os pequenos e solúveis contratempos que afectam qualquer pessoa.
A forma como tanta gente tem quase um prazer masoquista em retratar Portugal (e a si mesmo, por associação), como um país mesquinho, pobre de espírito, invejoso, incompetente. Veja-se a reacção de tantos leitos de jornais ao "caso McCann": Dava-me quase vontade de chorar a auto-flagelação a que tantos leitores se dedicavam cada vez que algum "tabloide" Inglês se punha a despejar veneno sobre a polícia Portuguesa, comentários que, na sua esmagadora maioria, denuciavam mais a ignorância e a arrogância dos seus editores do que quaisquer "ossos do ofício" da nossa polícia.
O quanto é difícil, fora em certos meios mais "arejados", se afirmar que se é feliz, que se tem esperança, que se é arrojad@ e aventureir@, que a maior parte dos limites que julgamos reais e intransponíveis não são mais ilusões da mente individual e colectiva. Quem tem a coragem de afirmar isso é visto como arrogante, prepotente, idealista e irrealista.
Concordo com o Paulo no sentido em que este "medo de existir" é postiço. Não é uma característica intrínseca e inevitável do "ser Português". é resultado de décadas, ou melhor, de séculos, de autoritarismos a vários níveis - desde as mais altas instâncias do Estado ao que Michel Foucault chamou de "poder capilar" ao nível das escolas, dos bairros, das famílias, dos encontros furtivos de trauseuntes. Da inquisição religiosa e social e a constante reprodução de uma elite dependente, conservadora, arrogante e muito pouco criativa na "estufa" do estado desde que o Velho do Restelo mostrou o lado menos heróico dos Descobrimentos, ao Sidonismo, Salazarismo, Marcelismo, Gonçalvismo, para não falar do Bairrismo, Marialvismo, Machismo, Paternalismo, Classismo, Racismo (sim, temos de admitir, não obstante a nossa bandeira "universalista", que o há, e muito), Sexismo, "Idade-ismo", "Chefismo", etc., etc.
A realidade de grande parte dos Portugueses, daqueles que não têm os meios económicos, culturais ou de "capital social" para se protejer dos "vendavais" da economia e da desintegração das redes sociais, é o medo: Medo de desagradar a quem tem o poder de decidir se se vai manter um emprego, passar um exame, conseguir um empréstimo, uma bolsa, a independência e a realização pessoal tão desejada. Medo que reparem em nós, que nos julguem, marginalizem, que nos vejam "diferentes", "estranhos", e por isso descartáveis. Que nos vejam como uma ameaça aos egos que supostamente controlam a praça. Que nos rotulem e marginalizem. Medo que a cunha, o "agradar", os "conhecimentos", a "família" e o "nome" valham mais que o esforço, o mérito e a coragem.
Medo que ainda nos é passado no leite materno por aqueles que atingiram a idade adulta formados pela ideia que a atitude mais inteligente é o silêncio e a resignação, não vá um "bufo" estar á escuta.
O medo é infelizmente a realidade de grande parte dos Portugueses. E o medo traz a desesperança, a falta de Fé.
No entanto, não devemos esquecer que este medo é postiço, e por isso removível. Mas para o remover, é fundamental antes de tudo promover a plena participação cidadâ, que nunca foi significativa no Portugal moderno. Esta plena participação só será possível com uma plena democratização não só do Estado, através da descentralização do poder público e da implementação de mecanismos que permitam a participação da sociedade civil em processos de tomada de decisão, mas também da vida quotidiana. Da catarse de séculos de pequenas repressões e resignações ao nível da vida pública e privada. De pequenas opressões quotidianas no mundo do trabalho, da produção material e intelectual. Do acordar desta "Bela Adormecida" que é a sociedade civil Portuguesa. Da partilha de desabafos, esperanças e iniciativas e formação de movimentos sociais que sejam realmente autónomos em relação a partidos políticos e ao Estado e que não se limitem a serem meram cópias de congéneres estrangeiros que "estão na moda" e só captam uma pequena parcela dessa já pequena parcela da população que é uma certa classe média urbana, jovem, "in" e que por isso tem de ser "politicamente correcta. Uma certa pós-modernidade postiça e importada que nunca foi moderna antes de ser "pós".
Isto sem deixar de referir que, para poder haver Fé e Transcendência, é preciso antes de tudo ter o estómago cheio e um tecto sobre a cabeça que não seja perdido de um momento para o outro devido a fluctuações económicas. Tal segurança material deve ser resultado de um trabalho partilhado entre o Estado e a Sociedade Civil.
Só através de uma profunda catarse colectiva e partilhada será possível fazer emergir, actualizar e expandir de forma democrática a Fé que animou (e ainda anima) a Escola de Sagres e a Dinastia de Avis.
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra).
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa).
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286.
Donde vimos, para onde vamos...
Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)
Albufeira, Alcáçovas, Alcochete, Alcoutim, Alhos Vedros, Aljezur, Aljustrel, Allariz (Galiza), Almada, Almodôvar, Alverca, Amadora, Amarante, Angra do Heroísmo, Arraiolos, Assomada (Cabo Verde), Aveiro, Azeitão, Baía (Brasil), Bairro Português de Malaca (Malásia), Barcelos, Batalha, Beja, Belmonte, Belo Horizonte (Brasil), Bissau (Guiné), Bombarral, Braga, Bragança, Brasília (Brasil), Cacém, Caldas da Rainha, Caneças, Campinas (Brasil), Carnide, Cascais, Castro Marim, Castro Verde, Chaves, Cidade Velha (Cabo Verde), Coimbra, Coruche, Díli (Timor), Elvas, Ericeira, Espinho, Estremoz, Évora, Faial, Famalicão, Faro, Felgueiras, Figueira da Foz, Freixo de Espada à Cinta, Fortaleza (Brasil), Guarda, Guimarães, Idanha-a-Nova, João Pessoa (Brasil), Juiz de Fora (Brasil), Lagoa, Lagos, Leiria, Lisboa, Loulé, Loures, Luanda (Angola), Mafra, Mangualde, Marco de Canavezes, Mem Martins, Messines, Mindelo (Cabo Verde), Mira, Mirandela, Montargil, Montijo, Murtosa, Nazaré, Nova Iorque (EUA), Odivelas, Oeiras, Olhão, Ourense (Galiza), Ovar, Pangim (Goa), Pinhel, Pisa (Itália), Ponte de Sor, Pontevedra (Galiza), Portalegre, Portimão, Porto, Praia (Cabo Verde), Queluz, Recife (Brasil), Redondo, Régua, Rio de Janeiro (Brasil), Rio Maior, Sabugal, Sacavém, Sagres, Santarém, Santiago de Compostela (Galiza), São Brás de Alportel, São João da Madeira, São João d’El Rei (Brasil), São Paulo (Brasil), Seixal, Sesimbra, Setúbal, Silves, Sintra, Tavira, Teresina (Brasil), Tomar, Torres Novas, Torres Vedras, Trofa, Turim (Itália), Viana do Castelo, Vigo (Galiza), Vila do Bispo, Vila Meã, Vila Nova de Cerveira, Vila Nova de Foz Côa, Vila Nova de São Bento, Vila Real, Vila Real de Santo António e Vila Viçosa.
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4 comentários:
"Muito aqui se tem falado de vontades universalistas, de "querer ser nada e tudo ao mesmo tempo, do Português como sendo animado pela Fé em vez do empirismo e cinismo. No entanto, do que falamos nós quando falamos da Fé dos Portugueses?
Da Fé de uns quantos Iluminados da Escola de Sagres e da Dinastia de Avis, continuada hoje por um grupo ainda mais restrito que tem o privilégio de não partilhar da desesperança que afecta o dia-a-dia de tantos Portugueses, carregados de dívidas, a passar horas infinitas no trânsito, e cuja fé reside na esperança de um aumento ou, no mínimo, de não perder o emprego e poder comprar aquele T2 ou aquele carro novo que supõe irá resolver os seus problemas? De ter"
-> Essa é a "barriga que tem que ser cheia" de Agostinho... Para poder "filosofar", isto é, operar livremente no Mundo, ser realmente Vivo e activo, é preciso não passar fome e estar liberto dessas prisões impostas pelo Medo e pela triste versão de Economia que por cá temos...
" sobrevivido á castração em massa efectuada pelo sistema de ensino, que reduz as aspirações d@s menin@s ao que é suposto ser "realista" para alguém da sua "condição social", devido a Mestres que os apoiaram ou a uma indomável força interior?"
-> O Ensino é o grade busilis nesta superação... Durante décadas tem sido marcado por rumos desconexos e incertos... Os países que mais se superaram fizeram-na graças ao Ensino... É o caso bem conhecido da Irlanda...
"A fé imposta por séculos de inquisição que envenena tantas almas com culpa e leva tanta gente a acreditar que a satisfação de direitos fundamentais como a saúde (própria ou de um ser amado), estabilidade económica ou até o obter resultados dos seus próprios esforços são "graças" que devem ser compensadas a ensanguentar os joelhos á volta de santuários?"
-> Os danos da Inquisição e do Santo Ofício ainda hoje esse enformam essa Estrutura de muito longa duração que nos leva a repelir o que é Novo, o espírito livre e empreendedor e a favorecer o Adulador e o Conservador, frente ao Criativo e Livre Pensador...
"A fé no desempenho da Selecção Nacional em campeonatos internacionais de futebol?"
-> E o Futebol... Esse grande ópio do Povo, usado pelo Regime para manter as massas coesas e adormecidas.
"Sim, concordo com Agostinho da Silva, Paulo Borges e tantos outros que afirmam que há um impulso Dionisíaco no "ser Português". No entanto, também tenho de concordar com José Gil em que há em Portugal um "medo de existir". O Paulo disse"
-> E h+a-o, de facto, mas nesta versão "mini" de Portugal em que vivemos. Versão menor e condensada de um Portugal maior que começámos a perder quando as caravelas passaram a ir ao Oriente buscar canela em vez de buscaram a ligação com o Reino do Prestes, algo que aconteceu algures no reinado de Dom João III, o ultracatólico.
"num comentário recente que tal perspectiva vem de uma mente estrangeira á "forma de ser Portuguesa". Discordo e concordo ao mesmo tempo.
Discordo porque, basta uma pessoa sentar-se num café e escutar as conversas que nos rodeiam ou até entrar na internet e ler os comentários que centenas de leitores todos os dias fazem nas edições "online" dos jornais Portugueses para ver que um número muito grande de Portugueses de hoje em dia tem uma grande falta de fé em sí mesmo e no país."
-> E é esse desamor de Si e do seu país, que pode potenciar uma mudança no estado presente das coisas, uma superação destas dificuldades e deste torpor onde estamos a vegetar à centenas de anos! Essa é também (e principalmente) a amplitude deste projecto, creio eu.
A fé existe sempre,é como a felicidade e DEUS,está dentro de nós!Quer um prova?Dirija-se a FATIMA,e coloque-se aos pés da Cruz,arrenpendido e logo verá a sua resposta !!!
Saúdo e agradeço o complemento importante que a análise crítica da Ana Margarida vem trazer a muitas das posições aqui defendidas, em particular às minhas ! É algo na linha da leitura mais sociológica de Portugal, da sua história e da sua mentalidade que já se esboça na divergência entre Pascoaes e António Sérgio nas páginas da "Águia": o confronto entre uma leitura de Portugal feita a partir dos seus arquétipos inconscientes e da sua idealidade e uma outra, elaborada a partir da constatação da sua realidade empírica. Creio, como tenho defendido, mas decerto insuficientemente praticado, que a via está hoje em não opor as duas leituras e conciliar Pascoaes e Sérgio, a "Águia" e a "Seara Nova", numa compreensão harmoniosa e simultânea do Portugal verdadeiro e do Portugal real.
Concordo com tudo o que Ana Margarida diz sobre o Portugal real, com o qual todos nos confrontamos e sem o qual, sem o seu estado lastimável, não faria sentido todo este projecto e debate. Mas, por natureza, tendo a compreendê-lo a partir do Portugal verdadeiro e dos seus movimentos mais íntimos e secretos, nos quais surpreendo um certo desgosto de habitar o espaço e o tempo de uma percepção do mundo postiça ao esplendor autêntico do próprio mundo, um certo desgosto de ter de viver, para ser aceite pela comunidade internacional das dominantes nações racionais e pragmáticas, num mundo artificial, construído pelo trabalho (manual e intelectual) e pela história. Desgosto feito saudade de alguma coisa que tem mais a ver com o livre jogo da fruição imediata e paradisíaca, livre de sujeito e objecto. É desse menor apego à existência falsa, por superação à partida, por incompleta incarnação no devir histórico da fuga colectiva ao paraíso, que creio provir o "medo de existir". Este não é inato, como reconhece a Ana Margarida, mas a meu ver também não um mero produto da opressão e castração seculares, que obviamente não nego, sem que as converta em suas causas únicas. Vejo-o originariamente como fruto de um reconhecimento desencantado de que no estado de consciência configurador da história e daquilo a que se convenciona chamar "realidade" os dados estão viciados à partida e a plenitude não pode ser em absoluto reconquistada ou atingida. Daqui a menor esperança, a ausência de fé ou o desespero no progresso ou numa redenção histórica da história, daqui o "salto" para fora dela de que fala Oliveira Martins a propósito do Sebastianismo. Dir-se-ia que somos em boa parte gnósticos inveterados (Prisciliano, a revelação do que somos antes de existirmos...) ou a mais oriental das nações ocidentais. Daí a "resignação" e o "fado", que todavia se canta para que dele haja catarse e libertação, não exterior, mas interior. Daí o receio de se emaranhar na suposta realidade, daí também as demais resignações, perante os aparentes poderes deste mundo. É este o problema: da desilusão perante um modo falso de estar no mundo não tem de provir a submissão perante os que nessa falsidade à vontade se movem e o dominam.
Por isso creio que o ideal será - e daí este projecto e a minha presença nele - superar essa tendência numa reassunção do estar no mundo simultaneamente orientada para a sua transformação e para a libertação de todas as ficções da consciência. Nesta perspectiva faz todo o sentido investir numa reforma das mentalidades e das práticas culturais, sociais, cívicas e políticas, começando pela denúncia desassombrada dos nossos hábitos e costumes mais opressores, sem os justificar por qualquer idealização metafísica das nossas qualidades, mesmo que ela seja possível. Mas ao mesmo tempo, e essa é a minha vocação mais natural, há que não perder o sentido de uma libertadora ironia face à tragicómica ilusão de procurarmos soluções absolutas e objectivas para os males de um mundo que podem não existir (os males e o mundo, tal como nós mesmos) senão na percepção condicionada que os cria, nesta ilusão generalizada que nos faz identificarmo-nos tão irreflectidamente como alguém que nasceu e há-de morrer, com o nome u, a idade v e o sexo x, no país y e no ano z.
Num sentido só posso pensar e dizer isto de "barriga cheia"... Mas noutro, será que, se o vivesse plenamente, e não só com o intelecto, ainda teria algo para encher !?...
O que tem a ver a Inquisição com o fazer promessas de andar de joelhos é que eu não entendi... A Inquisição nasceu, pode-se dizer num espírito bem ao contrário. Contra a heresia dos albigenses ou cátaros (os puros), que considerava o corpo um mal a se controlar muito bem, etc. nasceu a inquisição. Contra esses exageros e inadequações de penitências e abstinências de todo o tipo nasceu, sim nasceu a inquisição... Nunca entendi esses comentários acomodatícios... Onde é que eles querem chegar?
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