[1.] É costume explicar
as relações hostis entre os irmãos pelo desejo de cada um deles ocupar o
primeiro lugar no amor dos pais. Assim, o mais velho, durante algum tempo
sozinho no seio da família, teria visto os seus privilégios de unigénito
divididos pelo segundo e, depois, pelo terceiro irmãos. O benjamim aparece numa
altura em que o primeiro já tem idade suficiente para sentir a deslocação do
afecto. Daqui uma mais profunda hostilidade do primeiro para com o último. Os
relatos bíblicos de Isaac, Jacob ou José, os contos tradicionais, como a Gata
Borralheira ou o Pequeno Polegar, descrevem esta constante de hostilidade dos
irmãos ou irmãs mais velhos para com o último ou a última das filhas. Este é
umas vezes o terceiro, outras o sétimo, outras o décimo.
Não creio que a explicação psicológica seja
definitiva. Há aqui uma lei que reflecte relações entre princípios. A força do
catolicismo reside em grande parte no facto de ver o filho como Unigénito. Na
ideia da Santíssima Trindade, não há elemento de conflito, mas uma harmoniosa
processão de Pessoas que constitui o fundamento inabalável de um universo
harmonioso. As heresias medievais ou opuseram o Filho ao Pai, ao Pai no qual
ofitas e carpocracianos viram o demiurgo do mal criador do Mundo, ou
identificaram o Espírito Santo com Santa Maria. A ideia de queda em Deus, inaceitável
na visão católica do mundo, é defendida pelos gnósticos que,
significativamente, põem no princípio sete ou oito arcanjos entre os quais se
gera uma desarmonia, causadora da queda.
Ao primogénito, corresponde o princípio de
conservação, a Tradição do Pai. O mais novo é o elemento de revolta,
representado mitologicamente por Satan. Todavia, na Bíblia, o pai abençoa
consciente ou enganado o filho mais novo em lugar do mais velho. Os restantes
irmãos seguem, em geral, o mais velho. Nos chineses, onde a tradição familiar é
poderosíssima, o mais velho é que traz a luz, o cavalo fogoso, enquanto o mais
novo é a porta de outro mundo. É mais um sinal de que as relações entre os pais
e os filhos e destes entre si constituem a projecção dos primeiros princípios o
facto do I King fazer corresponder os oito trigramas principais ao Pai e à Mãe,
aos Três irmãos e às Três irmãs.
Abro esta autobiografia com estas reflexões, porque a
lei de acção e reacção que liga o benjamim ao primogénito é um dos elementos
simples que constituem a grande lei que rege a minha existência e a dos outros
homens.
Nasci com o sol no segundo decano do signo do Touro. O
meu Pai nasceu no segundo decano do signo da Virgem; minha Mãe no signo
Escorpião a 14 de Novembro. O segundo dos meus irmãos nasceu também em
Escorpião, primeiro decano, 25 de Outubro, a quatro dias do primeiro dos meus
irmãos, que ainda é do signo da Balança, mas já sofre enorme influência do
signo seguinte.
Nasci, pois, do outro lado da família.
É este o destino mais difícil de cumprir, se quisermos
manter, apesar da zenital oposição, a totalidade das relações.
O indivíduo que eu sou beneficia da posição do Sol na
casa nona, a casa da gnose e da Viagem, do esplendor da Lua em Touro no Zénith,
do favor de Vénus na décima casa. Júpiter está benigno em Peixes. Urano na casa
oitava, em Carneiro, Marte retrógrado e desacompanhado em Cancer, Saturno,
também desacompanhado na casa dos ancestrais, parecem ser inquietantes sinais
de desarmonia. Neptuno na casa XII avisa contra “inimigos ocultos”.
Vieram sete fadas… e a má…
Assim começam todas as histórias verdadeiras. Mas sem
a má não se manifestariam os dons concedidos pelas outras.