O
SÉCULO DOS PRODÍGIOS: A CIÊNCIA NO PORTUGAL DA EXPANSÃO
De Onésimo Teotónio Almeida
José Luís Brandão da Luz
Um título mais consentâneo com as matérias versadas no
livro, que o teria tornado certamente menos atrativo, haveria de resultar da
mistura de palavras, como viagens marítimas, séculos XV e XVI, emergência do
espírito científico, modernidade, experiência ou, até mesmo, escárnio da autoridade
e da cultura livresca. A veia ficcionista de Onésimo sobrepôs-se, com sucesso,
ao peso de uma certa ortodoxia académica que não deixou de marcar presença no
subtítulo da obra. Esta concessão, porém, não tolheu a ampla difusão do livro,
que, pese embora o seu carácter especializado, rapidamente conheceu nova
reimpressão. As ondas de propagação de O
Século dos Prodígios fixaram o olhar de várias academias e sociedades
portuguesas, que, por meio de merecidas e relevantes distinções, reconheceram a
sua centralidade nos estudos da cultura portuguesa. No decorrer do ano de 2019,
a obra foi distinguida com os seguintes galardões: Prémio Gulbenkian
"Portugal no Mundo", da Academia Portuguesa de História, a primeira a
tomar a iniciativa, Prémio Mariano Gago, da Sociedade Portuguesa de Autores;
Prémio D. Diniz, da Fundação Casa de Mateus; Prémio John Dos Passos, da
Secretaria da Educação e Cultura do Governo da Madeira.
O tema geral que, no conjunto, confere unidade à obra
centra-se no que Francisco Bacon designou, no início do século XVII, como sendo
o arrojo e pioneirismo das navegações portuguesas na «posterior proficiência e
desenvolvimento das ciências» (p. 234). Mas, ao contrário de Bacon, que não se
deteve a conferir sustentação ao que afirmou, Onésimo Teotónio Almeida adota a
tese como também sua e investe, em força, no seu esquadrinhamento. A sua
abordagem mobiliza vasta bibliografia, que é alinhada como frentes de um
combate, travado em campo aberto, em várias etapas. Num lado, perfilam-se as
hostes guarnecidas pelas obras dos autores do Renascimento português, como
Duarte Pacheco Pereira, Pedro Nunes, D. João de Castro, Garcia de Orta,
Fernando Oliveira e ainda outros, como Camões e Francisco Sanches que
refletiram nas suas obras o novo espírito difundido pelos primeiros escritores.
Em todas se respira a atmosfera do conflito desencadeado pelo desfasamento
entre a mundividência medieval e os conhecimentos que a exploração dos mares, a
observação dos céus e o encontro de culturas provocavam. Ainda na linha avançada
deste flanco, o autor conta com o apoio de destacadas referências da
historiografia portuguesa, que se ocuparam do tema e a quem voltaremos mais à
frente. No outro lado da guarnição, perfila-se uma bibliografia de história da
ciência, maioritariamente de expressão anglo-americana, a qual, salvo muito
raras exceções, mostra total alheamento do contributo que os portugueses
trouxeram para modelar uma nova mentalidade científica.
(excerto)