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quinta-feira, 29 de abril de 2010
Em Angola, "português é a língua da nacionalidade”, diz Pepetela
Nasceu em Benguela Artur Pestana, como escritor ficou Pepetela, tradução do seu apelido na língua umbundu. Diz que a língua “molda a expressão do pensamento” e quanto ao novo acordo ortográfico, “está mais contra os que estão contra”.
“Eu escrevo em português, mas se o fizesse em francês seria outra coisa, outra cabeça, e à expressão própia dentro da língua, alguns chamam estilo", afirma logo no início da conversa com o Observatório do Algarve.
Conversa que se travou sob o pretexto do doutoramento "Honoris Causa" recebido na Universidade do Algarve e que o escritor dedicou “ao povo angolano”, considerando que "muito dificilmente se separará a obra e a vida de um escritor da história e cultura do seu povo" .
Uma dedicatória que estende à sua mãe e à sua mulher. A primeira por uma "estória de matemática, uma equação" que o empurrou para a escrita e a outra “por ser responsável por, pelo menos, metade daquilo que tenho produzido".
Para Pepetela, os ambientes entram nas escritas, as palavras, seus instrumentos de trabalho, são também a ligação com o exterior e portanto “é diferente estar em Portugal, no Brasil ou, por exemplo, nos Estados Unidos”.
Isso vê-se em qualquer conferência internacional, ilustra o escritor angolano, "quando procuramos sempre moçambicanos, cabo-verdianos, portugueses, antes de tudo".
O português é a língua da nacionalidade
E como vai o português, enquanto língua oficial em Angola? “Como língua materna, já ultrapassou todas as outras”, disso não tem dúvidas Artur Pestana que garante ser o português dominado por mais de 90 por cento dos angolanos, embora uns se expressem melhor que outros. Não é só, portanto, a língua oficial, mas sim “a língua da nacionalidade”.
Uma nação para cuja classe dirigente lança um olhar crítico, perante “o processo lento que será necessário percorrer, até ter uma elite capaz e séria. E a oposição ainda não tem força”, remata.
Ainda assim, Pepetela fala do irromper de “espaços de liberdade, órgãos de informação com mais pluralidade”, de lugares “onde se pode fazer cultura”.
A “falta de imaginação” do novo acordo ortográfico
É um tema quase incontornável, quando se fala de lusofonia, mas Pepetela confessa-se “um bocado farto” do acordo.
“Eu sou contra este acordo, mas sou ainda mais contra os que estão contra, que me parece terem uma reacção parecida com a que existiu no século dezanove, relativamente ao francês”. É uma reacção reaccionária, diz num jogo de palavras significativo.
Reacções à parte, Pepetela diz que o acordo sofre de “falta de imaginação”. E dá um exemplo: Diz-se António em português e Antônio em brasileiro. “Não seria altura de se inventar um novo acento, para definir as sílabas tónicas, uniformizar grafia e sotaques?, questiona.
Um outro livro na calha
“Este ano não sai nada ”, não há novo livro, comenta de imediato quando o Observatório do Algarve o questiona sobre novos trabalhos.
Pepetela está antes envolvido num projecto que implica “muita pesquisa e investigação. Tento sempre ser diferente, evitar o perigo da repetição”, justifica.
Mas não é possível, por enquanto, saber mais sobre o seu novo trabalho. “Sou supersticioso e ainda não é o tempo de falar nisso”, atalha.
Pepetela retomaria este escrúpulo de falar de si próprio e da sua obra no discurso que proferiu, após receber as insígnias de doutor "Honoris Causa onde disse que, no seu "fraco entender, um ficcionista deve contar preferentemente estórias, com 'es', e não falar ou escrever sobre aquilo que é o seu trabalho íntimo, talvez o mais íntimo dos trabalhos humanos".
"Chamemos-lhe discrição ou suma vaidade a este cuidado de não revelar intimidades. Há porém escritores, também especialistas em teoria literária, e que sem caírem em esquizofrenias, conseguem analisar, ponderar e divulgar aquilo que vão descobrindo nos textos ditados pela sua própria imaginação. O que alguns denominam subconsciente", afirmou.
Uma obra que é a busca de encontros, desencontros, às vezes encontrões
"Tocou-me vivamente o gesto da UAlg ao lembrar-se de me outorgar o título de Doutor Honoris Causa. Compreendo o gesto como vontade de homenagem que ultrapassa o próprio homenageado, mas também, e principalmente, visa uma literatura e uma nação, a angolana", afirmou ainda.
Para ele, "muito dificilmente se separará a obra e a vida de um escritor da história e cultura do seu povo", uma perspectiva que está plasmada na sua obra, intimamente ligada à luta de libertação, mas também à história e aos universos míticos de Angola, à crítica ideológica e social de um período mais recente.
O sociólogo António Correia e Silva, reitor da Universidade de Cabo Verde, foi o padrinho do doutoramento e para ele “não há como desligar a escrita de Pepetela de um projecto político que permitiu aos povos da periferia colonizadora tornarem-se em autores da sua própria história. Uma escrita assumidamente política, mas não panfletária. Uma escrita que resgata a vida que ficava fora da moldura. Uma busca de encontros, desencontros, às vezes encontrões”.
"Suspeito por isso que esteja um pouco desarmado perante uma obra literária complexa, que fala do branco e do negro, da paz e da guerra, da realidade e da utopia, do passado e do presente, da África e da Europa, do planalto e da estepe", acrescentou.
O reitor da UAlg, João Guerreiro, mencionou por sua vez quatro paralelos entre a obra do novo doutor e a instituição que dirige: "a interculturalidade, a valorização da língua portuguesa, a adopção de um intransigente compromisso social e a liberdade".
Igualmente presente na cerimónia, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, disse que as suas palavras tinham como objectivo "saudar o escritor e através dele, não apenas a literatura, mas o homem nas suas metamorfoses, que revelam a história".
Publicado no MILhafre:
http://mil-hafre.blogspot.com/2010/04/em-angola-portugues-e-lingua-da.html