Cremos que se
pode discernir, no fenómeno geral da cidadania, uma cidadania pública (a mais corrente e visível, na ágora) e uma cidadania privada (que fundamenta a
primeira, que se esteia na civilidade, mas que a transcende, sendo um reduto de
dignidade pessoal, elemento essencial a qualquer Estado de Direito).
Para abordar
convenientemente uma temática tão banalizada e tornada desinteressante em termos
culturais como infelizmente vai sendo já a da cidadania, vítima que tem sido da
retórica plastificadora e burocratizante de profissionais rotineiros das
grandes palavras, e embrulhada no assético contexto do politicamente correto,
afigura-se-nos muito necessário não seguir os caminhos habituais, e ir buscar
pistas inspiradoras de algum modo para alguns certamente inusitadas. Para isso,
o manancial literário (lato sensu) e
dos clássicos (antigos e modernos) é sempre um tesouro inestimável. É pois o
que faremos neste texto: procurar inspiração em dois autores clássicos do
Renascimento, e numa autora já clássica e nossa contemporânea. Resultará assim
um trabalho de Law & Literature,
direito & literatura, e não uma especulação de pura teoria política, teoria
do estado, ciência política ou afins. Não se pretende, como é óbvio, fazer
qualquer uso pro domo de qualquer dos
autores, mas apenas aproveitar a sua inspiração para, ao comentá-los, ir
modelando as nossas próprias perspetivas. (excerto)