O desassossego religioso de
Fernando Pessoa
por Brunello Natale De Cusatis
(Università degli Studi di Perugia)
«Portanto, não se pode duvidar de
que a inquietude religiosa, o desassossego religioso seja o verdadeiro motor da
obra de Fernando Pessoa, como demonstra, aliás, uma sua prece manuscrita,
provavelmente de 1912, isto é, do ano em que se daria a conhecer como escritor.
Nela pede ao Senhor, «que [é] o céu e a terra, que [é] a vida e a morte», que
lhe conceda «alma para [o] servir e alma para [o] amar. […] vista para [o] ver
sempre no céu e na terra, ouvidos para [o] ouvir no vento e no mar, e
mãos para trabalhar em [seu] nome»; e que o torne «puro como a água e alto como o
céu». Para acabar depois, no fim da prece, com um angustiante «Senhor, livra-me
de mim!» [Pessoa, 1966: 61-62 (61)], que lembra muito de perto a fórmula
descendente da antiga liturgia católica moçárabe – fórmula que se encontra,
também, em Santo
Agostinho (Confissões
I, 5.6) – Ab occultis meis munda me, Domine, ou seja,
«Dos meus pecados escondidos purifica-me, ó Senhor». (excerto)