A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
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Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

"A Europa e a Lusofonia segundo Agostinho da Silva", para a NOVA ÁGUIA 13

Agostinho da Silva viveu 20 anos que a liberdade de Abril de 1974 lhe proporcionou, mesmo tendo retornado ao seu país de nascimento no ano de 1969, ainda no governo da ditadura que o tinha perseguido. A decisão de regressar deveu-se ao facto de o Brasil, país onde residia, começar a trilhar o caminho de um regime autoritário, parecendo-lhe, por outro lado, que Portugal estava perto de se poder libertar da ditadura que o dominava há quase meio século. Embora tivesse sido um libertário por convicção, como fica bem patente com a radicalidade das suas posições ante os poderes quer de Portugal quer do Brasil, não deixou de ser um crítico da nova democracia que com a revolução de Abril se começou a desenhar, encostando Portugal à Europa, tornando-o dependente dela e por isso, um servo da senhora que se agigantava. Os anos já eram muitos e as experiências as mais diversas por regimes que tinham conhecido a aurora da liberdade e o opúsculo do totalitarismo. Convicto de que as promessas das revoluções depressa se esvaem, acreditava que só uma profunda consciencialização da liberdade e uma existência totalmente liberta de qualquer opressão contribuem para o estabelecimento de sociedades verdadeiramente livres. Tendo sido preso e perseguido por motivos políticos nos anos iniciais do Estado Novo, seria fácil proclamar a luminosidade dos tempos que se anunciavam. Estava, contudo, consciente que passada a emoção revolucionária a sociedade portuguesa seria apenas o que o seu povo quisesse e verdadeiramente os povos querem ter a melhor vida material possível. É por aí que aferem o progresso e do ponto de vista material, Portugal conhecia progressos assinaláveis, mas para si, como continuava a afirmar em tempos pós revolucionários só se pode falar de Pátria quando estiverem garantidos três pressupostos: “democracia popular; colectivismo económico e liberdade religiosa”. Para si, a sociedade ideal seria a de um comunitarismo cooperativista que desde a década de 1980 lhe parecia estar a ser preparado pelo desemprego galopante, nomeadamente o dos jovens que começava a atingir números preocupantes. Ler os textos de Agostinho sobre estes assuntos é um exercício do qual se devem tirar as devidas consequências. Aqueles que analisam o presente e projectam o futuro sem amarras ideológicas nem preconceitos de qualquer ordem, são considerados visionários e loucos, pouco recomendados na opinião que se quer pública. Acusam-nos, com frequência, de criar alarmismo social, mas o futuro de uma forma cruel, vem dar-lhes razão. Pelo ano de 1988, encontramos Agostinho a proclamar que a “Europa vai morrer”, entenda-se que se refere à Europa económica e política e não à Europa dos povos e das culturas. Talvez não morra, mas já há vários anos que parece estar moribunda. A morte anunciada da Europa, para si, não era má, pois desse acontecimento resultaria outra realidade impulsionada pelos jovens desempregados que “não aceitam a vida tal como ela é” fruto de uma organização social que não lhes é favorável e por isso, sem ofício nem benefício, podem vir a “partir tudo (…) como nos terramotos”. Tamanha revolução imporia uma nova atitude face à realidade que haveria, em simultâneo, “mudar o mundo” e “cada pessoa” construindo uma nova sociedade assente na convivência entre os homens. Em termos concretos, Agostinho pensava nos modelos de governação nórdica, Noruega e Dinamarca, onde lhe parecia que “A liberdade de expressão das opiniões é perfeita e ninguém acha […] que possa estar muito mais certo que o seu adversário; a maioria não é despótica, nem a minoria se sente humilhada; a realeza passeia de bicicleta pelas ruas e faz o possível por não ofender ninguém; enquanto o dinamarquês engorda, o poder emagrece". Era assim que escrevia em 1960 nas Aproximações sobre o “País modelo”. Mesmo tendo má impressão da Europa e não nutrindo simpatia pelos estados do norte dominados pelo espírito protestante e capitalista que nunca foi do seu agrado, não deixava de ver neles o melhor modelo de organização social. Pena é que em Portugal estes países sejam sempre apontados como modelares para o estado social e que nunca os políticos que nos governam importem o rigor nas contas, o orgulho no povo, a paixão pela coisa comum, o exercício da política como um serviço, a verdadeira igualdade entre os cidadãos, entre outros inquestionáveis atributos, para delinear os modelos de organização da sociedade que mais nos convém. Ora se desde a década de 1960 quando estas palavras foram escritas, os nossos políticos perseguissem seriamente estas reflexões para ir construindo o nosso Estado, nos dias que correm não estaríamos financeiramente dependentes de outros – pela terceira vez em menos de quarenta anos de democracia – nem nos continuaríamos a comportar como pedintes sem orgulho nem dignidade, implorando por perdões para continuar a esbanjar aquilo que não conseguimos amealhar. Não precisaríamos de vender a nossa soberania para dar de comer ao povo faminto. Agostinho não se cansava de repetir que o problema de Portugal é ter uma sociedade demasiado complicada, desadequada da sua pequena dimensão mas na qual os portugueses persistem embrenhados ao longo dos tempos e dela não querem prescindir, estreitando os elos que facilitariam a união dos indivíduos e a unidade de Portugal. É hoje recorrente falar no espaço lusófono e da sua reabilitação para que Portugal encontre na ligação com os povos de expressão portuguesa um contraponto às imposições da união europeia que se cingem quase em exclusivo a questões económicas que parece não serem adequadas a Portugal e ao seu povo. Mas dessa necessidade falou incessantemente Agostinho da Silva, acompanhado por muito poucos, a quem parecia que a Europa não serviria os nossos verdadeiros interesses, muito antes, ainda, do período pós revolucionário. Esse pequeno grupo não necessitou nem da instauração da democracia, nem de quarenta anos de erros democráticos persistentes de governação para propor soluções. Bastou-lhe a experiência de vida na Europa e no mundo, nomeadamente no espaço lusófono. Havia guerras pós coloniais, desentendimentos permanentes entre Brasil e Portugal, a propósito ou a pretexto da guerra, mas isso não deixava que Agostinho apelasse à união destes povos dispersos, na geografia e na cultura, mas que mantinham um elo comum, a lusofonia que para ser uma realidade deveria contar com a união das universidades de todo esse espaço, para, em verdadeira unidade, poder ser pensada e amadurecida. A independência atabalhoada, promovida pela incompetência dos políticos gerados pela democracia, originou um período de guerras civis nas novas repúblicas que durou várias décadas e submeteu os povos entretanto libertos a novos e desnecessários sofrimentos. Mesmo hoje, ainda não é certo que a paz seja uma realidade firmada nesses territórios e as desconfianças entre uns e outros, continuam a ser muitas. A cidadania lusófona dá passos ténues ao ritmo do calculismo político e das desconfianças daqueles que governam os povos. Muitos anos antes da união monetária, da crise da dívida, do desemprego jovem exponencial, já Agostinho era crítico acérrimo da economia de produção e consumo em que a Europa e o mundo andavam atarefados, pois parecia-lhe que só uma economia pode servir a dignidade humana e essa é a da distribuição. Foi a perspicácia e a sabedoria de uma vivência alargada que lhe permitiram ir muito além do que é habitual nas análises de circunstância e nos encómios a uma sociedade liberal e individualista que se desenhava desde a revolução francesa e que nos haveria de conduzir ao estado caótico em que nos encontramos. Quando os fundos comunitários jorravam às catadupas e os portugueses eram pagos para não fazerem nada, só os raros, de pensamento livre e descomprometido, estavam em condições de antecipar o que iria acontecer e Agostinho incluía-se nesse lote. Ontem como hoje, apelidam-se os críticos do papel de Portugal na Europa de reaccionários e inimigos do progresso, quais velhos do Restelo redivivos. A crítica é extensiva a quem chama a atenção para as opções económicas assentes no endividamento e geradoras de um falso progresso. Pois muito bem, quarenta anos são passados e o estado da Nação aí está, infelizmente confirmando as previsões catastrofistas. Contra a corrente e desassombradamente quando todos os portugueses aclamavam a integração do país no espaço europeu, Agostinho chamava à CEE “o departamento de secos e molhados da Europa”, vendo neste projecto pouco espaço de afirmação para Portugal, pois entendia que a missão universalista dos portugueses não se adequava aos interesses económicos do espaço europeu. Talvez os descobrimentos nunca se tivessem realizado se Portugal não vivesse à parte da Europa, sendo um pais de gente livre que acantonada entre a repressão da terra e a liberdade do mar, escolheu a segunda e mudou o rumo da história. O novo mundo surgiu num acto de rebeldia e de afirmação total da liberdade. Por isso, Agostinho só entendia que Portugal se tornasse europeu se a Europa ganhasse uma verdadeira vocação atlântica ao contrário da económica que estava na sua génese. Os últimos anos têm-lhe dado razão. Mesmo sendo um municipalista convicto, se hoje olhasse para a situação de Portugal, não poderia deixar de reparar que os municípios desenhados há dois séculos atrás não se justificam no Portugal de hoje com auto-estradas e outras vias de aproximação das comunidades. A nossa divisão municipal há muito que deixou de ser o garante da coesão do país, uma vez que é fruto de uma democracia que se joga num xadrez partidário muito rígido e onde todos aqueles que o servem, sendo políticos, são generosamente pagos para empobrecer as comunidades que governam. O municipalismo a que Agostinho se referia, aquele que elogiava no tempo de D. Dinis, era resultado de uma política de serviço às populações e não uma política de profissão remunerada acima da média. Quando em período democrático continuava a defender o municipalismo, falava sempre de uma federação e não de parcelas soltas, sem povo nem escala, estruturas burocráticas e pouco transparentes que cobram impostos para aplicar no funcionamento e nos vencimentos de uma populosa, pesada e ineficiente máquina administrativa. Quantos municípios hoje em dia se situam em lugares de um par de ruas, em vilas e cidades que abrindo as janelas da casa todos os residentes se podem olhar em simultâneo! Nunca lhe pareceu possível uma reorganização de Portugal que não começasse por arrumar, em primeiro lugar, o seu espaço interno. Era para si evidente que qualquer estratégia que se escolhesse em relação ao exterior só teria sucesso depois de internamente termos “arrumado” a casa. E neste campo, continuamos com quase tudo por fazer. Abunda a demagogia, o interesse partidário, a conservação das clientelas e o desprezo pelo povo, convidado a votar e desprezado na tomada de decisões. É esta a nossa democracia 40 anos após Abril, semelhante, aliás, à dos anos de 1994 quando desassombradamente Agostinho escrevia em Vida conversável que não queria saber do Presidente, nem do Tribunal Constitucional, nem do Estado português, a sua única e genuína preocupação era Portugal que não se confundia com o Estado português, nem com as autoridades que o representavam. Defensor de uma “política da composição” achava necessário que se constituísse a Nação portuguesa com os contributos de todos. Conciliar os contrários seria o grande desafio dos melhores estadistas. Privilegiar em cada modelo de sociedade e de Estado aquilo que nos une e não o que nos separa, seria a única via para construir uma nação forte e unida, capaz de responder de igual para igual aos outros povos que se agrupam no mesmo espaço, quer no europeu, quer no lusófono. Uma sociedade capaz de partilhar e não de impor, de unir e não separar. Sem um sério e rigoroso trabalho colectivo de reorganização interna, de pensarmos aquilo que somos, o que queremos e para onde desejamos ir, nenhuma reforma se poderá almejar. Apenas o imediatismo dos cortes de rendimento poderá sustentar a passividade que tudo deixa ficar como está. Olhar para nós e tornarmo-nos sustentáveis, é essencial para Portugal poder iniciar uma nova era onde, necessariamente em conjunto com os restantes países lusófonos, poderemos ser exemplo para o resto do mundo. O Portugal que fomos, acantonado e receoso da Europa há muitos séculos que deixou de existir, tendo dado origem ao Portugal que somos, que se traduz numa pequena parcela do grande espaço lusófono. Em seu entender esta nova realidade nunca foi entendida pelos políticos que nos têm governado ao longo dos séculos. Porque sabia que para fazer é preciso prever e nada de concreto neste campo estava a ser feito entre nós, patrocinou em 1990 o ciclo de reflexão intitulado À descoberta de Nós. Portugal: o de Ser, o de Servir e o de Sonhar, que se realizou na Cooperativa Árvore, no Porto, no qual puderam participar destacados representantes de todos os quadrantes da sociedade portuguesa. Agostinho nunca criticou por criticar. Fazia as suas análises com propriedade e apontava o caminho a seguir: a criação de um espaço alargado da lusofonia, esse sim, serviria o interesse de toda a nossa gente, uma vez que uniria as diversas culturas cuja base é a mesma, podendo aglomerar os interesses lusófonos e dar-lhes escala mundial. Portugal o mais velho país europeu, daria lição ao mundo ao restaurar o sentimento comum a todos os povos com os quais partilha a sua identidade, povos descentrados, ocupando diversas parcelas do mundo, agregando todas as etnias e formas de pensar, em poucas palavras enlaçando todo o mundo num abraço de paz. Agostinho repudiava a Europa económica mas defendia a Europa cultural, tendo encontrado na organização medieval, comunitária e solidária o melhor modelo de Estado. No entanto, pese essa evidência, Portugal formou-se e afirmou-se enquanto nação de costas voltadas para a Europa e de olhos virados para o mar. As suas gentes sempre quiseram completar, nunca diminuir, sempre quiseram liderar, nunca submeter-se. O mais perto do outro lado do atlântico era o norte de áfrica, primeira paragem de uma longa expansão sempre marcada, como é recorrente nas conquistas dos homens, por interesses económicos, mercantis e religiosos. Com a conquista do norte da África a ousadia e a determinação dos portugueses não mais puderam parar. Foram dos primeiros a iniciar a expansão, submetendo pela força mas essencialmente pela vida conversável, outros povos à autoridade do Império e foram dos últimos a devolver a soberania aos povos conquistados. Para Agostinho sempre foi claro que o problema de Portugal nunca foi a falta de coragem e de iniciativa do seu povo, mas sim a fraqueza e o mero interesse económico dos seus governantes. Conquistava-se, materialmente ganhava-se muito com isso, mas em vez de se investir no bem estar do povo, pagava-se a quem quisesse fazer o que só nós deveríamos fazer, centrando as decisões sobre o essencial da organização de Portugal nos conselheiros estrangeiros que mostravam muita amizade apenas para ficar com a parte substancial dos lucros da nossa empresa das descobertas que ia reescrevendo a história. E claro, sem uma educação de base, sem ousar investir na formação e na cultura, os fundos iam servir para desenvolver os países que por contrato iam cuidando de nós. O capital que chegava não tardava a partir e por cá ficava apenas o essencial para manter um povo à míngua, submisso e sem recursos e um exército de governantes incapazes de nos governar. Os portugueses valorosos não eram aproveitados e os estrangeirados gananciosos lá iam iludindo os decisores de que era melhor comprar feito, pronto a servir, do que ensinar a fazer e a produzir. Agostinho não era um velho do Restelo pois a lucidez das suas análises, mesmo que na altura parecesse poder haver um futuro de prosperidade para o nosso povo, revelavam-lhe um estado de pura aparência. Conhecendo a história nacional e internacional, parecia-lhe evidente que num futuro muito próximo os erros cometidos haveriam de ser pagos com o sacrifício de todos, mas sobretudo dos jovens que ficariam arredados do mercado de trabalho. A política que se tornou em profissão em vez de continuar a ser um serviço, transformou os Estados numa espécie de gabinetes gigantes que por estarem cheios de gente mal preparada para a vida e para a política, sacrificam os povos que dizem governar ao interesse dos capitais necessários para manter as obrigações desses Estados no campo da educação, saúde, justiça, defesa... vendem a alma à sobrevivência do povo que não sabem cuidar. Nos anos oitenta do século findo ainda a Europa era outra mas já Agostinho antevia no que se haveria de tornar. Portugal, com pressa de se integrar nesse grande mercado que pensava poder ser a salvação e o progresso que a revolução vinha prometendo, cedeu a todos os ditames daqueles que detinham o poder económico, o que aliás, imediatamente não era difícil uma vez que jorravam quantidades diárias de capital que se dissipavam sem se saber como nem onde. Por outro lado os países com os quais Agostinho pensava ser dever de Portugal construir uma nova organização económica e cultural – a Comunidade dos Países de Língua e Cultura Portuguesas – estavam em grande parte num processo de guerra civil e a grande nação do Brasil, continuava, como de certa maneira continua, de costas voltadas para Portugal. O Brasil parece viver o problema dos adolescentes, em constante rebelião perante os seus projenitores. Mas teria o capitalismo algum modelo de organização de sociedade que lhe fosse superior? Agostinho mais uma vez, vai à história e propõe a organização social da Idade Média, caracterizada por um verdadeiro comunitarismo e entreajuda para combater os excessos do liberalismo. Em seu entender o essencial era manter gratuito e de acesso universal a saúde, a educação, a habitação e deixar à iniciativa de cada um o exercício da criatividade e a realização das novas invenções. Assim poder-se-iam conciliar as duas característcas que mais marcam o indivíduo, a necessidade de viver juntos com a quase exigência de nessa comunidade se gerar um sentimento de competição pela afirmação das realizações individuais. Em termos sócio-políticos, Agostinho apontava para uma organização social que conciliasse o melhor das experiências colectivistas com o melhor das experiências liberais. No século XXI, horizonte para que apontavam as suas reflexões, propostas semelhantes têm sido teorizadas pelos designados neocomunitaristas, movimento de origem anglo-americano surgido na década de setenta do século XX. Agostinho, sem exagerar, pode ser considerado um dos iniciadores deste tipo de pensamento no espaço europeu, reconhecendo à organização social e política de Portugal na Idade Média, um modelo que, com as devidas adaptações, permitiria a melhor forma de subordinar o individualismo congénito da raça humana, à vivência comunitária que é a razão de ser da vida em sociedade. Ao longo da história ressalta o facto de as sociedades humanas serem caracterizadas pela “sociável insociabilidade”, ou seja, o propósito de cada um é sempre destacar-se entre os demais, mas sem os outros eu nada serei nem poderei vir a ser. Agostinho tem o mérito quase único de ter começado a falar da nova Europa e do renovado Portugal muitos anos antes da revolução de Abril. Desde a sua juventude que Portugal se lhe constituía como problema. Conhecedor e frequentador de pensamentos antagónicos que constituíam os movimentos da Renascença Portuguesa e Seara Nova, nunca o vimos fazer uma escolha entre um ou outro. Pelo contrário: frequentava os dois e de ambos retirava contributos únicos, para posteriormente plasmar no seu próprio pensamento. Soube como ninguém conciliar o contraditório, exercer o paradoxo. O contraditório só o é à superfície, pois enredados nas malhas do pensamento todos os contributos têm a sua razão de ser. A sua obra de síntese sobre Portugal e os portugueses designou-a Reflexão à margem da literatura portuguesa, com primeira publicação no Brasil, no ano de 1957, significando este título que o seu autor se propunha abordar a literatura portuguesa por um ângulo ainda não considerado ou relativamente marginalizado que é exactamente o de uma especulação em torno do que significa ser português nas obras e pensamento dos autores aí analisados. E sendo um português na diáspora, impedido de regressar ao seu país que o perseguiu e deteve por delito político por mais de uma vez, poderia facilmente ter feito como tantos outros, nomeadamente, aqueles que foram para fora com o apoio do poder de Portugal e uma vez estabelecidos, dedicaram-se a denegrir a imagem da sua pátria e suas gentes. Com certeza que a amargura de Agostinho para com os governantes que mantinham o seu povo sujeito a um regime ditatorial era grande, mas a sua lucidez e o empenho na abertura de horizontes, não o impediam de ir estabelecendo as pontes para o futuro do seu povo, não mais a gente que tinha deixado acantonada no rectângulo português, pobre e analfabeta, mas todos aqueles que com ele partilhavam uma identidade, os países de cultura e língua portuguesa, que desejava ver unidos num propósito comum, o de contribuir para a construção de uma nova realidade social inteiramente igualitária, sem predomínio de um sobre os outros. Uma Nação de encontros e partilhas, sem preocupação económica nem força militar, esteio da paz e convivência entre todos os povos do mundo. Portugal nos quarenta anos de democracia por incompetência ou falta de visão daqueles que o vão governando tem imitado o pior da Europa no esbanjar de recursos submetendo periodicamente o seu povo a sacrifícios terríveis, não cuidando, também, convenientemente das relações com os países de cultura e expressão portuguesa. Agostinho e outros “visionários” continuariam a dizer que o nosso problema é periodicamente vender a alma ao diabo, entenda-se ao capital, vivendo o dia a dia como se o amanhã não existisse. E quando o amanhã inexoravelmente se torna o agora, estão lá as gerações mais jovens com uma pesada herança para gerir. Portugal está de mal com a Europa porque lhe é servo e não se reencontra com os países de expressão portuguesa pelo avolumar das desconfianças mútuas entre todos, com ou sem razão. O pensamento vivo de Agostinho nesta época de incertezas é uma boa âncora para pensar no presente de Portugal e preparar o seu futuro em união com todos os povos de cultura e língua portuguesa, relativizando a nossa posição europeia que nos mantém amarrados a um modelo de sociedade que não convém ao nosso povo.  

Artur Manso