A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O Reino Português de Lourenço e Saramago



Dimas Macedo
Poeta e Crítico Literário.
Professor da Universidade Federa do Ceará.

   Do mar português de Luís de Camões, ao tudo enquanto nada que permeia a criação literária de Fernando Pessoa, correm as águas armoriais da cultura lusa. O Barroco, no campo literário, é, possivelmente, o seu melhor tecido emblemático; e o labirinto linguístico é feito às vezes de surpresas, que ousam renovar os desvios da língua, mas o que fazem, não raro, é pagar tributos à geografia simbólica da solidão e da saudade.
   Herculano, Garret, Pascoaes, Camilo Castelo Branco e tantos outros, fiéis ao imaginário do mito português, desenharam de Portugal a tatuagem lírica, mas não de forma genial ou sutil quanto Eça de Queiroz ou Miguel Torga, ou não de jeito tão francamente existencial e filosófico quanto Guerra Junqueiro ou Antero de Quental, ascendentes maiores de Pessoa e de Vergílio Ferreira.
   Mas nenhum deles, acredito, foi tão perdidamente simbólico ou tão rispidamente cético e barroco quanto, respectivamente, Eduardo Lourenço e José Saramago, possivelmente os dois maiores escritores portugueses vivos. [em 2000].
    O que impressiona, neles, é como ambos foram tocados pelo sentimento da diáspora e como se expatriaram do território português e continuaram devendo à cultura lusa as maiores reverências possíveis. Lourenço lhe fazendo acenos de Vence, em pleno território francês; e Saramago se resignando à solidão dolorida de Las Tias, pequeno povoado da ilha Lanzarote, nas Canárias – ambos, no entanto, envolvidos até a medula com a melancolia feliz e com os signos da simbologia imperial portuguesa, que os castelos de Pessoa e a polifonia armilar dos seus brasões elevaram talvez ao plano da cosmogonia e representação universal.
     Neste sentido, como ponto de partida, parece-me ser o verso célebre de Fernando Pessoa – Minha pátria é a língua portuguesa – o coroamento de síntese inimaginavelmente icônica em qualquer cultura moderna.
     A reinvenção do barroco, na literatura de Saramago, e a Mitologia da Saudade, almejando Portugal como destino, na Heterodoxia de Eduardo Lourenço, são espaços seminais que refletem um indiscu­tível apelo saudosista.
    Podemos observar em Saramago, especialmente em um livro de crônicas de uma fase bem anterior àquela de construção do grande romancista, intitulado – A Bagagem do Viajante, uma referência expressa às “Saudades da Caverna”, onde Saramago leciona que “esta atração pelo primitivo português, que até na decoração de nossas casas ganha aspectos de ideia fixa, quase agressiva, se por um lado pode significar a continuidade, em plano diferente, de certa atração de contrários que nos caracterizou como sociedade particular, (...) há de certamente obedecer a razões menos visíveis e mais universais”.
   Essas razões a que se refere José Saramago, penso que são aquelas da tradição e do imaginário português que, segundo Eduardo Lourenço, “ousaram colocar-se no centro do mundo”, revelando assim o autor de Heterodoxia a ousadia e a erudição da eterna sensibilidade portuguesa e da sua alma tão enlevada e envolvente.
     Sem a fidelidade à língua portuguesa e sem a sua recriação através de volteios e de inigualáveis torneios barrocos, talvez Saramago jamais tivesse conseguido ser lido, e é possível também que essa língua – que é nossa e pela qual sentimos e pensamos de maneira quase solitária – jamais pudesse almejar o seu futuro Prêmio Nobel, uma vez que o passado não permitiu a Portugal os louvores do reconhecimento.
     A Bagagem do Viajante, de forma gentil e emblemática, aponta para o eterno retorno da cultura lusa. Mas sobre o seu autor cabe finalmente perguntar: o que seriam José de Sousa Saramago e a sua imaginação sediciosa? Em que consistiria o êxtase da sua grande aventura com a língua? Estas perguntas, claro, me exigem que lhes diga algo sobre o estilo saramaguiano, isto é, sobre os traços góticos e barrocos de sua escri­tura literária.
   Minhas rendas verbais, no entanto, possuem outros acentos literários e, por isto mesmo, prefiro dizer que amo Saramago pelas muitas virtudes do seu texto e pela virtuose semântica e estilística do seu universo polifônico. E que vejo em sua obra os fundamentos da cultura lusa como um todo, principalmente o memorial do convento português, que é o lócus que esconde a sua solidão de místico e de poeta, que se tornou cético em relação ao destino que não lhe permitiu pensar por intuições e metáforas, mas apenas por alusões e alegorias.
   Particularmente, do ponto de vista da linguagem, José de Sousa Saramago é um escritor enigmático. É cético, como disse, e pessimista como todo intelectual que se preza. Se tivesse enveredado pelo romance de ideias, talvez fosse hoje um ficcionista derrotado. Teve, no entanto, o dom de pesquisar a estética e estabelecer um tormentoso diálogo com a língua. E isto talvez seja tudo para sua reputação de militante político renomado.
    A excelência que permeia a luminosidade do seu texto, a extraordinária beleza de sua dicção literária, a polissemia dos sentidos e a arqueologia da existência social e individual, a consciência de estar no mundo e de ter que gravitar em meio a incompreensão e a desigualdade – configuram, com certeza, uma personalidade e uma estrutura literária maiores do que se podiam pretender.
    No mais, que se ponha em relevo, na imensa bagagem saramaguiana, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, o maior, talvez, de todos os seus empreendimentos barrocos, e que se releve o Evangelho Cristão-Português de Saramago, antes mesmo que a cegueira seja uma visão a enfocar o nosso sentimento e o modo de sentir e de pensar o reino português.
   Isto pode nos levar, também, à concussão de que a mitologia do mar português de Luís de Camões tenha se esgotado talvez nos artifícios barrocos saramaguianos. Não é assim que penso, no entanto.
    O que não posso esquecer é aquilo que me ensinou Eduardo Lourenço no seu livro – Mitologia da Saudade, o seu último conjunto de escritos, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, em 1999, com orelhas espantosamente saramaguianas.

     Pois bem: para Eduardo Lourenço, “na trama do imaginário português convivem: a imagem do reino cristão, o sentimento de isolamento e fragilidade, o sebastianismo e a ideia de um povo messiânico, a visão de um país – predestinadamente colonizador e oniricamente imperial”.
   Mas é a saudade, assegura Lourenço, o ícone maior da cultura que se armou em Portugal, e o elemento que alinhava todos os demais. Saudades da infância, também, ou do tudo que é nada - o lugar não dito ou não revelado na escritura de Saramago, e que se tornou, igualmente, uma obsessão em suas entrevistas, especialmente depois que assumiu a diáspora e não conseguiu esquecer Portugal como destino. A Mitologia da Saudade nele é tão intensa e tão forte quanto em Eduardo Lourenço.
  Para Saramago, Eduardo Lourenço sempre insistiu no labirinto de sua vasta obra – a obra de maior ensaísta português da atualidade – em referir-se a “um lugar de crepúsculo que se esvai como um rio entre a decepção de outrora carregada de sonho e o sonho de hoje sonhado pela memória dessa decepção”.
   E acrescenta Saramago: “nenhuma dúvida, portanto, sobre o tema central das reflexões de Eduardo Lourenço: o que sempre o ocupou e preocupou foi Portugal, um Portugal que, depois de ter inventado, como lhe cabia, os seus mitos fundadores, fantasiosos como todos são, também precisou criar o que poderá ser chamado de mitos mantenedores, cujo ofício têm sido o de sustentar e prolongar as esperanças coletivas, sucessivamente colocadas num porvir que sucessivamente se nega”.
  “Foi por este caminho que viemos desde as trovas do Bandarra ao profetismo pessoano, com passagem pela “volta” de D. Sebastião, pelas exaltações patrióticas de Vieira, pelo melancolismo saudoso de Pascoaes. Equívoco grave, porém, seria pensar-se que a reflexão de Eduardo Lourenço se gratifica em brumosas contemplações de ausências. Pelo contrário: tudo o que o autor de Nós Como Futuro escreveu até hoje obedece a uma necessidade de ver e compreender o que há por trás dos véus em que parecem esconder-se, mais do que Portugal, os portugueses”.
    Por fim, registro que A Viagem a Portugal, de José Saramago, muito mais do que A Bagagem do Viajante, a que me referi, assim como as linhas barrocas da sua arquitetura verbal e polifônica, são atestados, grandiloquentes também, de que Saramago sucumbiu ao mar português de Luís de Camões e ao sebastianismo que fez de Pessoa o Príncipe-Infante da modernidade literária.

Palestra apresenta no VI Encontro de Intelectuais e Artistas da Diáspora, realizado em Fortaleza, em junho de 2000.