A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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domingo, 10 de junho de 2012

"OS HERÓIS" - reflexão de 10 de Junho, por António Abreu Freire


Os heróis do passado até servem para dar nomes às ruas, praças, avenidas e rotundas dos nossos dias, assim como a edifícios e escolas, barcos e aviões, restaurantes e hotéis, tascas e padarias, botecos e sapatarias, quiçá muita coisa mais. Quem se der ao trabalho de tentar saber o porquê dos muitos nomes que enfeitam a toponímia e o património edificado de um pais, adquire certamente uma invejosa erudição. Eu assisti um dia a uma turma de alunos passeando pelas ruas de um quarteirão da cidade de Amesterdão, próximo do Park Rembrandt, enquanto os professores lhes explicavam a história dos nomes daquelas ruas que eram: Balboa, Colombo, Vasco da Gama, Cabot, Vespucci, Cabral, Baffin, Bartolomeu Dias… A vocação marítima e comercial da maior cidade holandesa, assim como a sua vocação cosmopolita, está escrita nos nomes das ruas.
Um povo que não reconhece os seus heróis não merece o respeito de ninguém. A identidade de um povo passa pelos ícones nacionais que marcaram a sua história, possam eles até ser mitológicos ou criados pela imaginação dos poetas. Vasco da Gama faz parte da história de Portugal, ao mesmo título que Ulisses da de Lisboa e Viriato de Viseu. E o apóstolo São Tiago não combateu ao lado dos mais fracos na reconquista cristã da península? E o próprio Cristo não apareceu ao nosso primeiro rei na véspera de uma certa batalha de Ourique? E não fosse a Virgem Nossa Senhora, os portugueses teriam saído vencedores de Guaxenduba? E Santo António não apareceu a João Fernandes Vieira para lhe sugerir a melhor estratégia contra os hereges calvinistas em Pernambuco? Fatos reais e imaginários forjaram a identidade dos povos através da memória, da tradição popular, da poesia e da crença e pela toponímia eles continuam presentes no fastidioso cotidiano dos mortais.
Há no entanto heróis que foram esquecidos, como os há que nunca o foram senão nas lendas populares e tem ainda aqueles que foram afastados da glória merecida por razões de conveniência e por oportunismo. A história contada nem sempre faz justiça à verdade, aliás as verdades interessam apenas quando vão ao encontro das emoções colectivas, que são provisórias; todas elas têm data e prazo de validade. Na história de Portugal o grande herói é sem dúvida Vasco da Gama e o grande feito da nossa história foi aquele roteiro da Índia que ganhou ainda mais fama e dimensão depois de ter sido contado em verso por um poeta tão sublime quanto irrequieto, a tal ponto que se deixaram no esquecimento muitos outros exemplos de coragem e de sacrifício, porque não tiveram a dimensão nem a sedução das façanhas orientais. O grande poeta da nossa língua nunca pretendeu fazer a narrativa histórica dos feitos dos portugueses, mas sim escrever um poema épico, sedutor e emotivo, sem compromisso com a autenticidade. Quando Camões publicava Os Lusíadas, a grande epopeia da Índia já era coisa do passado e o império sonhado começava a ser demasiado cobiçado e invadido para continuar a satisfazer todos os desejos da grandeza desmedida de um povo pequeno; na realidade estava a desmoronar-se por falta de manutenção. Encontrado logo a seguir ao regresso da primeira viagem à Índia, o Brasil não mereceu mais do que duas rimas no grande poema da nossa vaidade. E todos os pioneiros que até então, ao longo de mais de 70 anos, tinham ajudado a construir a génese de uma das maiores nações do mundo, ficaram esquecidos. Também é verdade que não haveria ninguém em todo o reino para recompensar o poeta por enaltecer gentes e bichos do Brasil, que ficava a menos de meio caminho da Índia e onde ainda não haviam encontrado ouro nem prata nem pedras preciosas, nem pimenta nem especiarias que valessem grandes fortunas. Não tinha reis nem marajás com quem trocar presentes e firmar grandes negócios. Os selvagens eram mansos, viviam nus, não tinham cidades de pedra e cal nem exércitos organizados, não adoravam deuses ferozes, apenas tinha índias bonitas para afagar os desejos clandestinos dos forasteiros – e não havia pecado do lado de baixo do equador.
O Brasil era uma terra imensa e inculta, de pouca e humilde gente, que não inspirava os grandes poetas (aqueles príncipes da poesia… com seu estilo altaneiro, no verbo de Catulo da Paixão Cearense), um espaço que o povo apenas conhecia através dos versos dos bardos populares e que só interessava os inconformados que sonhavam com infinitos espaços de liberdade, com a tenacidade própria dos que acreditavam neles mesmos; a luta pela liberdade da razão não era naqueles tempos uma luta honrosa e os poetas de cordel, trovadores de sangue impuro, não partilhavam a mesa nem os saraus dos nobres. Os heróis do poema de Camões, decalcados sobre figuras reais, são personagens de faz-de-conta, eles são os lusitanos puros que nunca existiram, uma raça de gente que excluía do direito à glória todos os que não eram como eles, todos quantos estavam contaminados com sangue impuro, judeus, muçulmanos, negros, índios, que não pertenciam ao clã do peito ilustre lusitano. Sobravam poucos ou nenhuns. Depois de Camões os portugueses tiveram o mau hábito de contar a história à maneira do poeta, a tal ponto que o nosso bardo oficial da modernidade, Fernando Pessoa, ousou dizer que depois das naus da Índia os portugueses teriam ficado desempregados. Teve um grande momento de lucidez.
O império português do oriente, sonhado por Afonso de Albuquerque, durou pouco mais de meio século. Foram anos de feitos sublimes, mas que se apagaram, deixando na memória o sonho e o deslumbramento das ruínas. O Brasil esquecido por Camões tornou-se uma das maiores e mais promissoras nações do mundo, feita com gente de todas as raças, de todos os sangues, de todas as cores, de todas as paixões – uma poderosa e barroca impureza que não tem igual em todo o planeta. A língua portuguesa, a mesma do poeta, assenta hoje o seu futuro e a sua força na vitalidade deste novo mundo cheio de promessas, uma língua que assimila sem remorsos os fonemas de todas as latitudes. O Brasil, com a sua criatividade imparável, arrasta com ele todos os demais países de língua portuguesa para a concretização do sonho já não de um poeta, mas de um profeta da língua e da virtude – uma feira universal onde se encontram todos os homens de todas as raças, o Quinto Império do grande Vieira, o maior génio da nossa identidade, um mestiço impuro e emigrante.
Foi na primeira metade do século XVII, quando o sonho da Índia já se tinha desfeito, que se consolidou no Brasil a influência da cultura e da língua portuguesa, no nordeste e norte do território, quando se formaram as bases da nação brasileira. Foi obra dos heróis da restauração de Pernambuco, dos do Ceará, do Maranhão, dos da delimitação da Amazónia: os índios de Filipe Camarão, os negros de Henrique Dias, mestiços e cafusos, os soldados açorianos, os missionários, os bandeirantes, os casais de colonos, os degredados, comandados por gente diferente, pelo mameluco André Vidal de Negreiros, pelo mulato João Fernandes Vieira, mais os reinóis que dedicaram vidas inteiras à causa da nação que adotaram como sua: os nobres Albuquerques e Barretos, os valentes Alexandre Moura, Pedro Teixeira, Martim Soares Moreno, Maciel Parente... Estes heróis ainda não tiveram o reconhecimento que merecem na história luso-brasileira. Estamos em dívida para com eles. Um povo que não reconhece os seus heróis não merece o respeito de ninguém.