DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO
Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira, nasceu a 20 de Março de 1922, em Barcelona, sendo filho do célebre jornalista e homem de Letras, Repórter X (Lisboa, 10.8.1897-Id., 4.10.1935).
Em 1942, vamos encontrá-lo em Lourenço Marques, (actual Maputo), Moçambique, onde termina o antigo 7º ano dos Liceus (hoje 11º ano de escolaridade), ficando a trabalhar nos Serviços Administrativos da ex-colónia.
Entre 1947 e 1949, publica diversos poemas em páginas literárias dos jornais moçambicanos, tanto de Lourenço Marques como da Beira
No ano seguinte, estreia de “Uma Casa Portuguesa”, (quem não sabe trautear “Quatro paredes caiadas/ um cheirinho a alecrim/ um cacho de uvas doiradas/ duas rosas num jardim/… É uma casa portuguesa, com certeza!/ É com certeza, uma casa portuguesa!//) cujo poema foi escrito por Reinaldo Ferreira, cantado pela intérprete angolana Sara Chaves, feito em homenagem ao Colégio Militar de Lisboa, que se deslocara em visita a Moçambique, e que, rapidamente, se torna num grande êxito internacional
Outros êxitos musicais, cuja letra é assinada por Reinaldo Ferreira, são “Kanimambo”, “Piripiri”, “Menina dos olhos tristes”, musicado por Zeca Afonso e interpretado por este último e Adriano Correia de Oliveira e cujo refrão diz: O soldadinho não volta/ do outro lado do mar//
No ano de 1952, Reinaldo Ferreira passa a desempenhar funções de orientador da secção de teatro do Rádio Clube de Moçambique.
Entre 1955 e 56, Reinaldo Ferreira escreve as primeiras composições de “Poemas Infernais”. Neste ano de 1956, surge o primeiro de três números da revista de Artes e Letras moçambicana “Capricórnio” que incluirá poemas seus, nomeadamente alguns que farão parte da colectânea que terá o nome “Natal e Paixão de Cristo”, e ainda a reprodução do seu retrato a óleo pintado por João Ayres. A colaboração poética de Reinaldo Ferreira estende-se a outras duas publicações moçambicanas, intituladas “Itinerário” e “Paralelo 20”.
Em 1958, manifestam-se os primeiros sintomas da doença, cancro de pulmão, que o há-de vitimar. Ainda neste ano, procede à selecção dos poemas que haveriam de constituir a colectânea poética “Um voo cego a nada”. Passa férias em Lisboa, regressando a Lourenço Marques em Janeiro do ano seguinte
Em Março de 1959, desloca-se à África do Sul, com o objectivo de fazer um tratamento em que deposita as suas derradeiras esperanças, porém, em Maio, regressará a Moçambique sem que a doença deixe de se agravar.
Falece a 30 de Junho de 1959.
Ainda no ano de 1959, no primeiro de Agosto, tem lugar uma reunião na casa do seu amigo, Fernando Ferreira, que inclui também os seus companheiros, Eugénio Lisboa e Guilherme de Melo, com a finalidade de proceder à edição de um livro que inclua toda a produção poética de Reinaldo Ferreira. Assiste à reunião, Jorge Gouveia, fiel depositário do espólio do poeta, que o entregará para análise e posterior publicação.
Cerca de um ano após esta reunião preliminar, mais propriamente, a 30 de Junho de 1960, é lançada a primeira edição de “Poemas” de Reinaldo Ferreira, por iniciativa do Governo-Geral de Moçambique e através da Casa da Imprensa de Lourenço Marques, ao mesmo tempo que, os seus amigos promovem uma romagem ao túmulo do poeta, onde deixam uma placa comemorativa com um dos seus poemas gravados em bronze.
Dois anos depois, a mesma obra é lançada no continente pela editora Portugália, precedida de uma introdução analítica escrita pelo grande poeta José Régio, que, tal como Vitorino Nemésio, tecem os maiores elogios à sua poesia, que pode ser enquadrada na tendência presencista, com muitos elementos que a ligam, simultaneamente, ao simbolismo e ao decadentismo. Juntamente com a ironia, o niilismo e o absurdo, manifesta-se um forte humanismo, que se salienta na crítica a certos mitos. Régio acerca da poesia de Reinaldo, escreve: “Ressonâncias de Antero e Fernando Pessoa perpassam por aqui; mormente dum Fernando Pessoa em quem o germe metafísico se complicou pelos jogos dum modernismo formal. Como Antero ou Fernando Pessoa, - posto não haja atingido a plena realização artística destes – Reinaldo Ferreira é intelectual e crítico. Está, pois, mais próximo de estes que, por exemplo, de um António Nobre ou um Cesário, embora também não sejam os Poemas obra acabada e consecução triunfante como o Só ou O Livro de Cesário Verde”. (1)
Depois das influências, Régio escreve o seguinte acerca dos «Poemas» no seu conjunto: “ Decerto não são alguns deles menos acabados – isto é: menos seguros na expressão atingida e nas sugestões oferecidas – que os bons poemas de Cesário e Nobre. Se, não tendo a extensão destes, não têm o desenvolvimento e a diversidade que só a extensão proporciona, sobre estes oferecem a vantagem do seu fermento metafísico.” (2)
Relativamente ao autor dos «Poemas», José Régio afirma: “O que Reinaldo Ferreira diz vem do fundo, - toleremos a expressão vulgar. Transmite mais ou menos directamente uma vivência, por muito que o artista exigente se apure na forma, e o intelectual se intrometa com a sua carga de ideias e germe de ideias.” (3)
Em 1965, e para que não se esqueça o nome deste enorme vate da língua e poesia portuguesas, é criado em Lourenço Marques, o grupo de teatro e poesia “Reinaldo Ferreira” que manterá a sua actividade através da representação de peças de teatro e recitais de poesia, até à independência de Moçambique, em 25 de Junho de 1975, momento em que a grande maioria dos participantes voltou para Portugal.
Notas:
(1) RÉGIO, José, Sobre os «Poemas» de Reinaldo Ferreira, Introdução aos «Poemas» de Reinaldo Ferreira, Portugália Editora, Lisboa, 4ª ed., s/d, p. XVI.
(2) Id., id., p. XVI.
(3) Id., id., p. XVII.