A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Homenagem a Malangatana



Queridos Amigos,

No intuito de prestarmos uma última homenagem, o corpo do nosso Mestre Malangatana está presente no Mosteiro dos Jerónimos, amanhã, dia 7, a partir das 15h.

Um grande Homem, um Artista, um Cidadão do Mundo.

Maria João Coutinho

P.S.: Em Homenagem a Malagantana, a NOVA ÁGUIA publicará no próximo número o seguinte texto, da autoria de Maria de Deus Manso, da Universidade de Évora.

Retrato de Mulher: Mulher é pai (Malangatana)

Para o nosso primeiro texto sobre Moçambique não nos ocorreria ter feito melhor opção: conversar com Malagantana Ngwenya Valente , um dos maiores artistas do nosso tempo.
Quando há um ano, na atribuição do Doutoramento Honoris Causa da Doutora Graça Machel, se encarou a possibilidade da apresentação da obra do artista na Universidade de Évora, pensámos que esta poderia ter como título simplesmente a palavra Mulher. Contudo, este viria a ser posteriormente convertido num outro título – Malangatana – 50 anos de Pintura nos 450 Anos da Universidade. No percurso artístico deste mestre, a Mulher assume papel central. Trabalhar este assunto seria, na nossa perspectiva, o juntar de dois elementos: a arte do mestre, que pode ser admirada nas obras que aqui agora expõe, aliada à investigação que se nos impunha sobre o seu conceito da mulher real, no seu quotidiano, excluindo da nossa parte a pretensão de uma interpretação de carácter artístico.
Oportunamente, numa das conversas que mantivemos com o artista no seu atelier, em Lisboa, divagámos sobre a questão. Ou seja, divagámos, pois toda a nossa relação se tem estabelecido de um modo informal, como informal se nos apresentou sempre este Homem em quem, desde a primeira ocasião, percebemos a vontade de nos dar a conhecer o seu percurso de vida, por sinal, nem sempre fácil.
Fruto da História que uniu e une Portugal e Moçambique, pensámos encontrar em Malangatana um homem ressentido com o passado colonial. Mas, pelo contrário, a sua vivência e a sua memória, fá-lo sustentar que os portugueses não se podem demitir da cooperação com África. Por isso, não hesitou em falar-nos sobre o processo de paz, nomeadamente os Acordos de Roma, lamentando o distanciamento que Portugal manteve em relação às negociações. É sua opinião que Portugal deveria ter assumido a liderança deste processo: “Portugal fez a Guerra” e, embora o tenha colonizado, conhece a História do país sua ex-colónia, portanto “pelo seu passado estaria mais preparado para as negociações entre a FRELIMO e a RENAMO”.
Olhando o tema da Mulher, quisemos saber o que pensa sobre o assunto um homem de raça negra, um grande artista, que vive entre o mundo ocidental e um outro mundo - não ocidental - e que constantemente reflecte a Mulher na sua arte. Que cogitará ele a este respeito? Embora nascido numa sociedade preponderantemente patriarcal, começou por nos dizer que vê a mulher como o pilar da sociedade moçambicana, onde assume o papel de mãe e de pai. Por isso, quando lhe pedimos para definir Mulher, respondeu-nos: “A mulher é pai”.
Pareceu-nos não fazer parte central das suas preocupações intelectuais a questão do feminismo. Contudo, está atento ao novo papel que a Mulher assume actualmente e reconhece que a mulher moderna “embora mais esclarecida e mais dinâmica fora do lar, começa a desagradar ao homem, pois a sua capacidade de gestão começa a criar complexos ao mesmo”. Quando indagado sobre eventuais mudanças que poderiam resultar de um governo feminino em África, replica: “Talvez (algo) mudasse, mas elas ficariam sob uma ratoeira invisível (…) que seria o homem à espera da sua queda.”
Sobre a polémica da atribuição de “cotas femininas” em alguns países, afirma que, no que concerne a Moçambique, este país tem muitas mulheres na política que se afirmaram pelas suas capacidades. Discorda desta politica de atribuição de cotas, pois em seu entender “inferioriza a mulher”, e compara-a “ à questão das cotas para negros nos USA e no Brasil”. Lembra que hoje em dia muitas mulheres residentes em aldeias são dirigentes responsáveis pela manutenção da tradição, da política, fazem parte dos tribunais tradicionais… “Isto não era uma prática habitual, não fazia parte da tradição. A mulher assumiu esta dianteira depois da descolonização. Quando os homens não conseguem discutir os problemas devido à sua incapacidade, ao consumo do alcool ou devido à emigração, a mulher passa a assumir a liderança”. Acrescenta que uma das principais diferenças entre a mulher portuguesa e a moçambicana se centra sobretudo numa questão de escolaridade: “ Se fosse escolarizada, não haveria grandes diferenças e até estaria em primeiro lugar. Em Moçambique, talvez haja mais homens nas universidades, mas a situação está a inverter-se. Podem entrar mais homens mas são menos os que terminam os cursos. A maior parte da docência está entregue a mulheres, mesmo no ensino superior”.
A aproximação que se sente, no domínio da escolaridade e do emprego, entre a mulher moçambicana e a portuguesa, parece não ter apagado alguns costumes ancestrais nesta sociedade africana, ainda que, oficialmente, estes não sejam permitidos. É o caso da poligamia. O nosso artista parece não discordar em absoluto da mesma e diz-nos a este respeito: “ É uma prática ainda existente mas clandestina, no entanto, aceite pela sociedade.” Não nota “que a mulher moçambicana se queixe da prática” e argumenta que “há razões psicológicas que a justificam”. Concretiza: “ A viúva pode não encontrar um marido e passa a viver infeliz. São poucas as mulheres que se queixam da prática.” No entanto, também não condena o recurso a uma ligação extraconjugal da parte da mulher, caso o marido não tenha vida viril.
Se, por um lado, é defensor da tradição, por outro, sustenta a extinção de algumas práticas ligadas à mesma, como se verifica no caso da excisão feminina. Embora, no seu todo, rejeite “uma ocidentalização da mulher”, no sentido da ” imitação da mulher europeia”, no que diz respeito à formação/educação, aceita o modelo ocidental, pois “ só assim (a mulher) tem capacidade para aceitar ou rejeitar as coisas”.
O binómio tradição/modernidade - submissão/insubmissão, reflecte-se, igualmente, quanto a nós, nas mulheres que elegeu, entre outras, como marcos da História Mundial: Miriam Makeba: “consciente da sua força”; Rainha Ginga: “heroína africana”; Joana D’Arc: “uma incompreendida”; Catarina Eufémia e Florbela Espanca: porque “desafiam a sociedade”.
Divagando sobre a paixão por mulheres brancas, negras ou mulatas e fazendo jus às leis da física, diz: “A atracção é maior quando se cruzam duas raças contrárias ou duas cores contrárias. Mas a maior atracção assenta na simpatia, na doçura e não na cor. O coração não tem cor e a cor não o move”. Sente-se atraído pela maneira como a mulher se organiza, se bambaleia e anda. Na pintura encanta-o “pintar sempre a mulher nua, mas não penso no corpo nu como se a estivesse a despir mas vivo o interior da mulher….Gosto de representar sobretudo os seios (…) Sinto respeito pela mulher…. O meu fetiche pelo erotismo significa respeito e valorização da mulher”.
Indagado sobre o amor lésbico, respondeu-nos lendo um poema de sua autoria, que fala do amor entre duas mulheres e diz-nos: “este poema traduz um desenho. Com ele, pretendo homenagear as mulheres que no mundo querem afirmar publicamente o amor lésbico. Mas (confessa) a dada altura tive uma certa cobardia que foi fazer o poema como se se tratasse do amor dum homem por uma mulher. Escrevi surpeendidos em vez de surpreendidas. Não quis contrariar a natureza. Não sei porque o fiz, não quis fugir dessa parte que quer aceitar a homossexualidade mas há algo dentro de mim que não está bem limpo a respeito da homossexualidade”.
Em fase conclusiva e ponderando a velha ideia de que todos os grandes Homens têm uma musa inspiradora, quisemos saber qual o seu ideal de Mulher. Disse-nos que “o primeiro olhar é físico, embora o belo nem sempre seja uma cara bonita.” Mas fugiu sempre à nossa curiosidade sobre quem foram ou são as mulheres da sua vida. Como resposta, uma gargalhada. E acabou por nos confessar que “o coração tem compartimentos para guardar os segredos”, assegurando: “Sou muito jovem ainda para dizer qual foi (…) e não estou desiludido com a mulher com quem casei. Ela é superior a mim”. Palavras de um grande artista e declarado humanista a quem muito agradecemos a gentileza de nos ter dado o privilégio de com ele conversar. Esperamos tê-lo compreendido.

Évora, 12 de Janeiro de 2010.

Maria de Deus Beites Manso
Comissária para a Exposição - Malangatana – 50 anos de Pintura nos 450 Anos da Universidade