DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO
CÉLINE nasceu em Coubervoie, a 27 de Maio de 1894, e faleceu a 1 de Julho de 1961.
Médico e escritor, anti-semita. Quando cai o regime de Vichy, foge com Pétain para Sigmaringen, na Alemanha. Depois, quando o regime nazi cai, foge para a Dinamarca. É julgado à revelia em Paris, e condenado a um ano de cadeia, e considerado uma ‘vergonha pública’. Amnistiado, volta a França em 1951. Morre 10 anos depois.
A partir de 1957, devido ao seu relato autobiográfico ‘sui generis’ torna-se um símbolo da ‘beat generation’.
Quando se encontrava em Sigmaringen com a sua mulher Lucette, o seu amigo La Vigue e o seu gato Bébert, entre os colaboracionistas e os outros fugitivos, num caos de refugiados de todas as nacionalidades, Céline fora já definido por Rádio Londres como «um inimigo do homem»; para toda a opinião pública do mundo livre já não era o grande escritor popular dos seus primeiros livros, que haviam denunciado o embrutecimento existencial e social, mas um traidor infame, o cúmplice dos nazis, o anti-semita dos panfletos contra os Judeus, agora encurralado e reduzido à escória do mundo como os carrascos nazis.
O seu absoluto torna-se distorção e ele acaba por pôr no mesmo plano todos os actores de alguma maneira relevantes da história, Hitler (1889-1945) e Léon Blum (Paris, 1872-1950; foi um politico socialista francês, judeu, que ocupou pela primeira vez o cargo de primeiro-ministro) na medida em que todos lhe surgem como igual expressão da vontade de poder, beneficiários do favor das massas e por isso detentores da força.
Como um messias dorido e culpado, identifica-se com os algozes nazis, porque os vê na derrota.
Num dos seus relâmpagos de grandeza, Céline reconhece por outro lado a futilidade de qualquer exibição de vitalismo pessoal: «Ma vie est finit, Lucie, je ne débute pas, je termine dans la littérature».
Sabe ter uma piedade pungente pelo indivíduo isolado, como pelos meninos com trissomia 21 (vulgo mongolóides), de que se ocupou durante a sua fuga através da Alemanha e em cujos olhos leu uma dignidade capaz de vencer o matadouro da história, mas não sabe reconhecer os seus próprios erros.
Nunca tem uma palavra de verdadeiro arrependimento após o extermínio dos Judeus, sendo incapaz de considerar a humanidade concreta de pessoas de quem não tenha tido um conhecimento directo, como o afirma o filósofo italiano Cláudio Magris, no seu livro Danúbio (pp. 43-44; 46).