Lamento muito fortemente a saída de Paulo Borges da Nova Águia. Nunca pensei que tivesse de tomar uma decisão tão difícil, mas, após uma muito grande hesitação inicial e porque o meu nome foi apontado por um dos pensadores portugueses vivos que mais prezo em termos de exemplo de vida e de produção teórica (António Braz Teixeira), decidi aceitar o convite do Renato Epifânio e da Celeste Natário para substituir o Paulo. Foi uma opção muito, muito difícil - sei que teoreticamente e programaticamente o Paulo é insubstituível (em absoluto ) e também sei que, com a sua saída, a revista perde não só um dos seus fundadores - o que é já dramático -, mas também um dos grandes pensadores emergidos em Portugal nos últimos 20 anos.
Tudo o que é importante na Nova Águia já existe (o ideário, a programação, as secções, o enquadramento dos textos...), produto do Paulo, do Renato e da Celeste, e não me sinto autorizado a alterar o que considero ser um verdadeiro tesouro cultural português. Aceitei porque a minha consciência me disse que eu poderia ajudar a perseverar esse tesouro, do qual o Paulo é elemento historicamente inalienável. Não entro para juntar uma nova voz, singular, diferente. Pelo contrário, entro para que se continue a pensar em português, razão maior constitutiva e grande particularidade da Nova Águia. Ficaria muito, muito mais feliz se não tivesse sido necessário tomar esta decisão, que, evidentemente, muito me honra e privilegia, agradecendo a confiança do Renato e da Celeste. Por todas estas razões, pela grande admiração que nutro pelo Paulo, pelo muito que lhe devo (exactamente como muito devo ao António Braz Teixeira e ao Renato Epifânio), rogo que ninguém veja esta minha atitude como um acto contra o Paulo. Antes, a considere como um acto meditado de quem deseja ajudar a perseverar o tesouro nacional (não extremadamente nacionalista) que é hoje a Nova Águia, a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português. Em tempos de globalização, esta qualidade – a de evidenciar o pensamento nacional – deve ser exaltada. Não por acaso, a dois meses de se perfazerem 500 anos da conquista de Goa, a interesseira classe política no poder, envergonhada do antigo Império e prenunciando a Lusofonia como o futuro grande mealheiro das contas do Estado, recalca o importância deste facto histórico e nem um pequenino colóquio está previsto que relembre a acção de Afonso de Albuquerque na Índia, uma das maiores figuras da nossa História, sublinhando em exclusividade, de um modo hipostasiado, os 100 anos da implantação da República. Num país “normal”, haveria lugar para as duas comemorações.
Gosto da Nova Águia como está – o exemplo do número ora saído é paradigmático: plural, diversificado, múltiplo, artigos originais, interessantes, alguns marcantes – e, embora esteja disposto a colaborar no que for necessário, não desejo assumir um papel preponderante na sua direcção – serei como sempre tenho sido: a “voz muda”, presente, diligente, activa e… continuadora, não transformadora, desde que o grande motivo que me trouxe à direcção – continuar a reflectir em português sobre pensadores portugueses – se mantenha. Para reflectir sobre Platão, Kant e Gadamer, existem as revistas académicas, não programáticas. Ao contrário, Nova Águia possui um programa; com ele, em cinco números e através de uma divulgação militante, conquistou um lugar cultural muito, muito singular: o de, sem exaltações nem traumas, pensar Portugal através da obra dos seus criadores e pensadores, todos os criadores e pensadores, sem exclusão de nenhum.
Azenhas do Mar, Sintra, 11 de Setembro de 2010.
Miguel Real