A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
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Donde vimos, para onde vamos...

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terça-feira, 1 de junho de 2010

Prémio Camões 2010




O simbolismo de o poeta brasileiro fazer em Setembro 80 anos pesou na decisão do júri do Prémio Camões que ontem foi atribuído em Lisboa. A sua “Obra Poética” está publicada nas Quasi.

Por Isabel Coutinho

Ferreira Gullar sempre disse que não mexeria um dedo para ter o Prémio Camões mas acabou por recebê-lo ontem. Agora só lhe falta o Nobel, que não tem esperança de ganhar. O nome do poeta brasileiro foi divulgado pela ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, ontem ao final da tarde numa conferência de imprensa, no hotel Tivoli, em Lisboa, onde o júri esteve reunido durante duas horas e deliberou por maioria. Tiveram em conta “a alta relevância estética de sua obra, em especial a poesia, incorporando com mestria tanto a nota pessoal do lirismo quanto a defesa de valores éticos universais”, escreveram na acta os seis membros do júri.

A portuguesa Hélia Correia foi um dos nomes que estiveram também em cima da mesa, “quase recebeu o prémio”, mas o júri considerou que a escritora “ainda tem tempo” e atribuiu-o a um autor que fará 80 anos em Setembro e que, em Portugal, tem a Obra Poética completa publicada nas edições Quasi.

Numa entrevista que deu em 2003 ao Mil Folhas, Ferreira Gullar dizia: “Jamais moveria um dedo para ganhar o Prémio Camões. Mas se me dessem, ficaria muito contente.” Ontem, a ministra da Cultura anunciou o prémio publicamente sem ter conseguido falar com o premiado. Mais tarde, Ferreira Gullar recebeu um telefonema do escritor e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, António Carlos Secchin, membro do júri e seu amigo de longa data, que lhe passou a ministra portuguesa.

O poeta estava na cidade Monteiro Lobato, no interior de São Paulo, a almoçar no Sítio do Pica-Pau Amarelo, e contou ao Estado de São Paulo que “foi um momento mágico”. Estava a conversar sobre a criação do escritor brasileiro Monteiro Lobato, sobre o facto de ele ter nascido naquela região quando recebeu o telefonema. “Jamais esperava ganhar algum prémio, especialmente esse”, confessou ao Estado de São Paulo o poeta que lançará no Brasil o livro de poesia Em Alguma Parte Alguma.

Instituído pelo Estado Português e Brasileiro em 1989, o Prémio Camões no valor de cem mil euros (50 mil pagos pelo Estado brasileiro e quantia idêntica paga pelo Estado português) distingue anualmente um escritor de língua portuguesa que, pelo conjunto da sua obra, contribua para o enriquecimento do património literário em português. O prémio é dado pelo segundo ano consecutivo a um poeta: em 2009 o premiado foi o cabo-verdiano Arménio Vieira, mas como lembrou ontem Secchin, “o Brasil só teve um poeta ganhador antes, que foi João Cabral de Melo Neto em 1990. Vinte anos depois temos um poeta de alta estatura renovando essa tradição da poesia brasileira.”

Ferreira Gullar, lembrou a ministra da Cultura, é considerado uma das 100 personalidades brasileiras mais influentes da actualidade: “É um grande nome da lusofonia.” Em 2002, por indicação de nove académicos dos EUA, do Brasil e de Portugal (nomeadamente Eduardo Prado Coelho e Arnaldo Saraiva) foi indicado para o Prémio Nobel da Literatura. “Esse não tenho esperança de ganhar nunca, já falei para o Secchin não pensar mais nisso”, disse ontem ao Estado de São Paulo.

Pseudónimo de José Ribamar Ferreira, Ferreira Gullar é também crítico de arte, biógrafo, tradutor, argumentista e ensaísta. Publicou o seu primeiro livro, Um pouco acima do chão, em 1949, editado com recursos próprios. Vive no Rio de Janeiro e aos 17 anos apaixonou-se por uma rapariga, começou a escrever poesia e nunca mais parou. De 1971 a 1977 esteve exilado por razões políticas em Moscovo, Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires. Em 1975, escreveu Poema Sujo com mais de 60 páginas. Quando o livro saiu Vinicius de Moraes escreveu que era “o mais importante poema escrito em qualquer língua nas últimas décadas”. O poeta que nasceu na cidade de São Luiz, do Maranhão, quis fazer um poema como se fosse o testemunho final, “o último poema da vida”, Começa assim: “Turvo turvo/a turba/ mão do sopro/ contra o muro/escuro/ menos menos/ menos que escuro”. Ao Mil Folhas, em 2003, disse que a sua poesia era uma aventura.

“Ferreira Gullar consegue agradar a crítica mais exigente”, disse no final da conferência de imprensa Secchin e a escritora brasileira Edla van Steen contou que no momento em que se reuniram vários nomes foram colocados na mesa. “Quase dê-mos o prémio para a Hélia Correia e teria sido muito bom também, mas ela tem tempo”, disse. Os portugueses Helena Buescu (professora catedrática da Faculdade de Letras de Lisboa) e José Carlos Seabra Pereira (professor associado da Universidade de Coimbra) reconhecem que Ferreira Gullar é um grande nome da literatura em português mas tinham outra candidata em que “acreditavam muito veemente”, Hélia Correia. “O facto de o voto não ter sido unânime não é desmerecedor naturalmente do poeta Ferreira Gullar, mas é uma forma também de nós mostrarmos respeito pelos nomes em que acreditámos”, explicaram. Consideram Ferreira Gullar “um autor de primeiro plano com uma obra não só extensa como de grande qualidade”.

Do júri fizeram ainda parte Inocência Mata (escritora santomense e professora da Faculdade de Letras de Lisboa) e Luís Carlos Patraquim (escritor moçambicano).

(Artigo publicado no jornal PÚBLICO de 1 de Junho de 2010)