A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
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Donde vimos, para onde vamos...

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Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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domingo, 9 de maio de 2010

Texto que nos chegou...

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Saudade na Árvore

A Saudade, um dos temas caros do pensamento Português, desde literalmente há séculos que é passada pelo crivo de Filósofos e Poetas, no entanto, a verdadeira extensão do seu significado Cósmico apenas se começou a compreender com a brilhante geração de pensadores do início do século passado.
Como é óbvio este é dos tais temas que, devido à sua extensão, se poderá aprofundar infinitamente sem que nunca se chegue ao seu mistério nuclear, pois o desvendar seria desvendar a própria essência do Cosmos; a Saudade tem as suas raízes na própria base do Universo como coisa criada e existente, Saudade é pois sinónimo de existência.
Ainda assim há que continuamente perseguir este eterno vislumbre, sendo que esta foi a vez de fazer passar a Saudade pelo crivo Cabalista, usar este poderoso e magnifico sistema, em que tudo tem o seu lugar, para encontrar a Saudade e a sua função no complexo esquema Divino .

Comecemos então por uma afirmação simples: «Saudade é o desejo da Cousa ou Criatura amada, tornado dolorido pela ausência» . Esta é uma das definições, bastante afim de inúmeras outras, que ao longo do tempo, em muitos e longos livros, tem sido dada como uma aproximação da complexidade sentimental que na língua Portuguesa se chama “Saudade”.
Ainda que não se concorde com a citação acima na sua totalidade, poder-se-á concordar, como fundo de todo o estudo da Saudade, que esta emerge de algo em falta, algo que se sente como ausente. É o sentimento de algo perdido, quer tenha havido alguma coisa a se perder ou não.
Esta ideia de perda remete-nos rapidamente e sem muito esforço para algo que se poderá equacionar directamente com a noção de Queda judaico-cristã. Sendo que, na sua origem, o Homem estaria num estado de graça e proximidade com a divindade sua criadora (vulgo Deus – bendito seja o seu nome) e a brusca e violenta perda deste estado é o que o torna eternamente saudoso dessa completude e perfeição arcaicas, traduzida na expressão “Saudade de Deus”. Esta é a ideia claramente apresentado por Leonardo Coimbra, entre outros:

«O éden era a Pátria, donde o homem foi escorraçado como consequência da revolta da sua vontade contra a união amorosa com o Deus criador.
Tombado do Éden, como o anjo rebelde da presença de Deus, eis que o homem caminha, em exílio, por entre a matéria rebelde.
(…) mas a Saudade do Éden é o bendito óleo que faz arder ainda aquela luz originaria.
Tudo tombou na desordem como o primeiro pecado e os mundos seguiram suas orbitas de morte, nelas arrastando o homem, enquanto este ficou a sonhar o regresso, à luz da Saudade, que, por dentro, o esclarecia.»

E novamente, alguns séculos antes, sublimemente retratada por Camões nos seus “Sôbolos rios que vão”:

Não é, logo, a saudade
das terras onde nasceu
a carne, mas é do Céu,
daquela santa Cidade,
donde esta alma descendeu.
E aquela humana figura,
que cá me pode alterar,
não é quem se há-de buscar:
é raio da Fermosura,
que só se deve de amar.

A Saudade é então o eterno desassossego que sempre impeliu o homem em direcção ao futuro, um futuro esperançado com a lembrança de um passado idílico. É a raiz de todo o sentimento e pensamento religioso, como a força de regresso ao paraíso, um inverter da Queda, levando o Homem e a natureza, nas suas condições de criados, ou na sua dualidade, à sua original condição de unidade .

Ora, toda esta questão de Queda e retorno (ou desejo de retorno) tem logicamente uma tradução Cabalista. Esta remete-nos às noções da Árvore da Vida pré-Queda usualmente pouco abordadas na literatura da especialidade.
Aceitando então que na história do Cosmos existiram dois momentos (pré e pós Queda) em que a configuração e leis Universais eram completamente distintas, então é apenas lógico que estes dois momentos tenham que apresentar configurações diferentes da Árvore da Vida, como um mapa para o Cosmos, o Homem e a Divindade.
Esta Árvore pré-Queda será então a Árvore perfeita e esta perfeição traduz-se como uma Árvore harmoniosa e simétrica em todos os seus eixos. A notória diferença então entre esta Árvore perfeita e a que nos é apresentada hoje será o facto de que a décima Sefira, Malkuth, o Reino, o mundo material, não terá existência. Ao em vez disto, no Pilar do Equilíbrio, acima de Tiphareth, encontrar-se-á a Sefira Daath concreta e existente , contrariamente à existência “ilusória” com que se apresenta na disposição actual. Nesta configuração o Homem habitaria a Sefira Yesod, que seria uma reflexão exacta de Kether, sendo então o Homem neste estado uma imagem exacta de Deus – bendito seja o seu nome.
Daath é a Sefira que traduz a síntese de Chokmah e Binah, Sabedoria e Compreensão, que geram Conhecimento (Daath), este é o ponto em que toda a unidade do Conhecimento está contida . Assim o mito bíblico do arrancar e comer do fruto da Árvore do Conhecimento relaciona-se directamente com a Sefira Daath.
No momento da Queda, do arrancar do fruto do Conhecimento, a Sefira Daath como que caí do seu lugar para a posição que agora conhecemos como a de Malkuth e no seu antigo lugar abre-se o Abismo, uma fenda entre o Homem e os Mundos inferiores e os Divinos . A Queda representa então a queda do Homem e da natureza para a matéria, para o estado de criação separada do criador. Isto traduz o banimento do Homem do Jardim do Éden para o mundo do exílio, este Mundo que nos é hoje apresentado, Malkuth, e assim se gera a Árvore na sua configuração actual.
Se é então Daath o ponto central do desenrolar da tragédia divina, a marca do exílio do Homem, da sua Queda para Malkuth, a abertura do Abismo e a perda de comunhão com o Divino, é então aqui a génese do primeiro sentimento de falta no espírito do Homem, da lembrança da plenitude e da sua perda, o ponto de origem da Saudade portanto. A actual Daath (a Sefira “ilusória”) e o Abismo são a chaga cósmica da Queda, a eterna e dolorida lembrança, cuja existência emana para os mundos inferiores o sentimento de Saudade (podemos agora somar à frase de Pinharanda Gomes, «Assim, o Cristo seria o acto histórico em que melhor a saudade se manifestou como saudade no homem para Deus », a seguinte, «Qabalistically, the crucifixion of Jesus symbolizes how, through his death, he creates a bridge over the Abyss and thus re-unites God and man » e obter uma harmoniosa ideia de Cristologia).
Para mais, a definição da Saudade como “síntese de opostos”, tantas vezes assim apresentada por Pascoaes, vem corroborar esta posição. Sendo a posição do Abismo e de Daath, imediatamente anterior às três Séfiras Supernais (Binah, Chokmah e Kether), na sua travessia pelo adepto está então implícita a transcendência da dualidade, conceito desprovido de sentido nos Mundos Superiores. Assim a travessia do Abismo e o fim da noção de dualidade é o concretizar da Saudade divina, a transformação final do homem pela Saudade, a porta\chave para as três Sefiras superiores.
Ainda, sendo a Queda tida como uma das origens do conceito de “Mal” Cósmico, uma falta para com as leis divinas, é precisamente nesta chaga do Abismo e Daath, e também no seu resultado directo, Malkuth, o nadir da criação, onde se encontram as duas grandes portas por excelência para a Sitra Ahra, o outro lado da Árvore da Vida, os Reinos Qliphoticos. Daí que estando a Saudade precisamente no portão entre o lado luminoso e sombrio da Árvore (também entre as Sefiras Supernais e as inferiores, sendo o ponto onde todas as forças cósmicas se cruzam ), numa abordagem superficial, esta apresente dois aspectos tão distintos como a já referida tendência para o Futuro, para a Divindade, e o também conhecido e muitas vezes popularizado passadismo, inércia e decadência de uma Saudade “mal sentida”. Citando Pascoaes: «A saudade, no mais alto sentido, significa a divina tendência do português para Deus; na sua expressão decadente, patológica, representa a tendência do português para o fantasma…» . Estes são os dois aspectos da Saudade, como sentimento entreposto entre a Luz e as Trevas, Deus – bendito seja o seu nome – e o “fantasma”, a Árvore Sefirotica e a Árvore Qliphotica.

No entanto, esta interpretação da Saudade como aqui apresentada, embora lógica, poderá não corresponder a uma verdade completa. Embora no estado actual do Cosmos, “caído”, o sentimento de Saudade divina possa ser associado directamente às chagas da Queda, não se poderá excluir a hipótese de que já no Cosmos pré-Queda existisse algo que já se pudesse designar de Saudade. Ainda que na pré-Queda a criação gozasse de uma proximidade e semelhança ao divino, esta já estava criada. Significando isto que, por mais perfeita que fosse a existência, haveria já um distanciamento do original e uno divino, Kether, ou mesmo de Ain Soph. Tal é apenas um corolário da existência de uma Árvore com dez Sefiras.
Ainda que se possa supor que, no seu estado édenico, não tendo colhido da Árvore do Conhecimento (Daath), o Homem não possuísse a fome ou insistente desejo de Futuro (Saudade), especulações como a da seita dos Shabatianistas acerca da fonte do Mal podem dar azo a pensamentos contrários. Nos escritos de Nathan de Gaza sugere-se que em Ain Soph, antes do inicio da criação, existiria uma dualidade de uma luz pensante e uma luz não pensante, tendo a primeira o desejo de criação e a segunda o desejo de permanecer emersa em si mesma . Esta ideia poderá então sugerir que o Divino, ou parte do Divino, tem Saudade da sua própria unidade; unidade que foi quebrada com o primeiro instante da criação. No entanto a lógica desta especulação é, numa nota pessoal, um desafio, mas fica aqui assente a hipótese. Neste momento particular do Tempo, tais especulações nunca poderão ser mais que isso, e com tal completamente impossíveis de fundamentar. Seria necessário reverter a Queda para se verificar se no coração de Homem, ou de algo que ainda sentisse, algum sentimento Saudoso restaria.

Por fim, e estabelecendo definitivamente a Saudade como residente em Daath, várias mais implicações tomam lugar. Como já múltiplas vezes referido, a Saudade é o impulso do homem para o Divino, a “tendência para Deus”, mas isto de facto é apenas metade da verdade. Retomando as considerações de Pinharanda Gomes em torno da Saudade, encontramos desenvolvida com bastante insistência a ideia da Saudade como sentimento da singularidade . Isto faz de facto sentido na nossa perspectiva. O primeiro passo para uma transcendência do próprio é o sentimento, a noção, de singularidade e individualidade. Isto poderá parecer contraditório, mas este é o primeiro aspecto a ser desenvolvido e cultivado para a ascensão através dos mundos e das várias Séfiras, para, aquando da travessia do Abismo, ser descartado e sacrificado, marcando o fim da dualidade entre o Eu e o Outro (todo o Outro, toda a criação no fundo), o processo em que o adepto sacrifica o seu sentido de identidade terrena .
No entanto, se agora trouxermos para o campo das nossas ideias os caminhos do Diabolismo, damos de caras com algo da maior relevância. Até agora apenas considerámos a Saudade no contexto de caminhos que procuram um reverter da Queda e uma restauração da unidade original com o Divino, caminhos que apontam para o subir da Árvore em direcção à Luz. No outro lado do espectro temos os caminhos que buscam uma concretização final e aprofundamento da Queda, o caminho em direcção oposta ao Divino criador, na busca da auto-deificação. Nestes caminhos o adepto segue as forças da Sitra Ahra, uma descida na Árvore Qliphotica (isto não de facto uma obrigatoriedade, mas simplifique-se a questão para fins de argumentação), como tal, a questão da singularidade e identidade ganham uma relevância obsessiva da maior importância para o adepto, e esta fome de singularidade é ela também um processo Saudoso.
Voltando a Pinharanda Gomes, o seu desenvolvimento em torno da questão do “Emparedado Vivo” ganha aqui uma grande relevância, valendo a pena a sua leitura semi-integral:

«(…) Quando, sob a pressão da ditadura democrática mais antiga e mais moderna, ou dos totalitarismo aristocráticos e monocráticos, alguém resolvia professar como Emparedado Vivo, isso significa que esse alguém chegava a saber que a liberdade egotista corria o risco de sucumbir perante a violência do poder da alteridade. A decisão de emparedamento é uma forma de guardar a virgindade da saudade perante a presença inquisitorial da alteridade. A extrema quietude surge como o ultimo reduto em que a singularidade do mesmo se protege da diversidade do outro sublimando-se, ou degradando-se, consoante a reflexão proposta, ou na esperança salvítica, ou na morte. No entanto a razão critica do eu enquanto ele mesmo, só se revela em plenitude na liberdade autorizada, ou na autoridade liberativa, e as exigências que de fora lhe são propostas, ou impostas, afirmam-se como tentativas de assassinato – de onde a saudade, ou suidade, ao reflectir a quietude, não ter outro caminho que não seja o do extremo individualismo e, pois, o da cisão definitiva e universal relativamente a quanto surja como limitativo da sua mais funda verídica onticidade.»

Ora, se em vez dos exemplos dados por Pinharanda Gomes, transportarmos esta ideia para o reino do espiritual, e considerarmos um adepto, alguém com “fome de Deus”, que perante o próprio Divino sinta repulsa, desejando, por medo ou convicção, conservar a sua individualidade até a situação extrema, a Saudade que sente, a sua “fome da Deus”, guardando-se ao extremo (do próprio Deus – bendito seja o seu nome) toma o sentido oposto, para o «extremo individualismo e, pois, o da cisão definitiva e universal relativamente a quanto surja como limitativo da sua mais funda verídica onticidade», acabando por glorificar a rebeldia demoníaca como salvítica. Isto poderá chegar ao limite extremo, como o descrito pelo autor anónimo do Liber Niger Legionis, em que o diabolista, estendendo a sua mão esquerda ao Diabo, recebe deste a sua mão direita, levando-o a um aprofundamento do mistério do Outro, que dirige o Ser para o seu interior em devoção isolacional, um êxtase de separação do amado Divino, reflectindo o próprio auto-isolamento de Satanás, a eterna oposição. Isto gera um desejo maior que qualquer realização, a imortal dissatisfação da negação absoluta . Portanto, um aprofundar infinito da Saudade, ao invés da sua concretização.
Assim, temos que a Saudade é a fonte da busca tanto dos caminhos da Luz como das Trevas (palavra um pouco estigmatizada, pense-se antes em Luz Negra), mais uma vez sublinhando a razão da sua presença em Daath e no Abismo. Saudade, então, pode não ser de Deus, será mais correcto dizer, em vez de “Saudade de Deus”, “Saudade de Divindade”.

A compreensão destas ideias, e um estudo adequado da Árvore da Vida, revelará ao leitor interessado uma miríade de articulações e ramificações que sem dúvida o auxiliarão na compreensão de si próprio e desta nossa cultura.

José Leitão