A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

IKEA - A mente mobilada é uma mente consumada?




“IKEA WAY


«A família como empresa, a empresa como família.» O lema é de Ingvar Kamprad, mentor de um conceito de negócio inédito que procurou estender a todos os trabalhadores contagiando-os com o seu alento e as virtudes que considera indispensáveis ao bom funcionamento da empresa.


A pedido dos membros do grupo sintetizou os seus princípios no Testamento de Um Comerciante de Móveis, a "base espiritual" da IKEA, editado pela primeira vez em 1976. Até à data, cerca de 100 mil exemplares já foram distribuídos entre os colaboradores espalhados por todo o mundo. Os mandamentos são nove e consistem em orientações claras: oferecer uma ampla gama de artigos a preços acessíveis à maioria; cultivar o 'espírito IKEA' (baseado no desejo de renovação, na atitude de poupança e na humildade que caracterizam o fundador); utilizar os lucros como recursos; alcançar bons resultados com poucos meios; tomar a simplicidade como uma virtude; apostar sempre numa linha diferente; concentrar forças, reconhecendo que não é possível estar em todo o lado ao mesmo tempo; assumir sempre as responsabilidades. Finalmente, a recomendação quanto ao futuro: uma empresa que pensa ter chegado à meta perde a sua força vital, por isso, diz Kamprad, "ainda está quase tudo por fazer". Motivar os trabalhadores para os valores da 'IKEA Way' acima descritos é uma das grandes preocupações do empresário, daí que periodicamente organize seminários na Suécia com o objectivo de lhes incutir este espírito. Para que os milhares de pessoas que emprega não percam o sentido de comunidade que sempre promoveu no seio do grupo, o fundador surpreende com visitas ou iniciativas inesperadas. Veja-se o 'Big Thank You', o prémio do milénio: o total mundial de vendas do dia 9 de Outubro de 1999 foi repartido por todos, para agradecer o empenho e o esforço em nome da empresa.”


Fonte: DN


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A mercantilização da ‘espiritualidade’! Não, não se trata, na sua forma mais pura, da venda de livros, workshops de meditação transcendental, velinhas e incensos, terapias com nomes de fazer corar a aura… é algo de mais preocupante: trata-se da transposição do discurso ligado à espiritualidade e à religião para o horizonte da vida mercantilizada, despojada do mais que a tornava grácil e indemne, por mais constrangida que fosse por todos os tipos de coação à servidão.


Há várias organizações meramente mercantis que se apropriaram do discurso religioso, por exemplo a AMWAY (acrónimo de ‘I am the way’), quem já assistiu a uma das suas acções de missionação para o consumo não pôde certamente deixar de reparar nas semelhanças gritantes com o modus operandi de algumas seitas religiosas (e uso aqui ‘seita’ apenas por comodidade discursiva). Em vez de Deus/Cristo, o dinheiro e em vez da Igreja, a organização que, num esquema piramidal de partilha dos lucros das vendas garante um enriquecimento rápido e fácil aos que forem mais fiéis ao esquema. O mesmo se passa com a empresa Rainbow que vende aspiradores que, segundo a propaganda oficial, não são aspiradores, mas verdadeiros agenciadores de milagres para quem os adquirir. As vendas processam-se num clima de venda bíblica, por assim dizer. É melhor do que borrifos da água do Jordão ou bênçãos aos urros e com desmaios e bocas a espumar. É muito mais higiénico. Até para a conta bancária de quem compra.


Numa sociedade mercantilizada só importa o que vale e o valor é atribuído em função da utilidade: ‘o João vale porque serve para produzir e para consumir’, o João desde o momento da sua concepção que é trabalhado por uma urdidura libidinal que lhe dá um suporte identitário a partir do qual se irá apropriar de si e do mundo. Bem poderia trazer um código de barras na moleirinha para melhor se ver catalogado neste gigantesco armazém em que nos confinamos. Falo no plural porque lidamos aqui com processos que escapam ao âmbito daquilo a que tradicionalmente se chama a vontade individual ou colectiva.


Também podemos prescindir da categoria ética da dignidade. Lembrando o cantochão kantiano: a dignidade seria o próprio o que não tem valor ou preço, do que está acima de qualquer valoração possível, algo que estaria acima de qualquer valor, por mais elevado. Mas a própria filosofia kantiana já está impregnada pelo sémen que gerou o actual sistema do mundo: a Razão completamente desprovida de carnalidade, instituidora dum desejo sem motivo e sem indeterminação, uma Razão arrancada ao seu elemento ‘natural’ – o Espírito. Mas não se trata do Espírito amarrado à logomaquia finalista que acabará por dar no hegelianismo, mas o espírito sem mais para além do mais que ultrapassa sempre tudo, o leve excesso que transborda qualquer envasamento mental (e não só).


Entre nós temos o ‘Homem Sonae’, essa espécie de sobre-homem que procura pôr em prática a cartilha do engenheiro Belmiro, a troco dum emprego mal pago numa qualquer grande superfície ao serviço do consumismo geral. E não faltam vozes a defender que essa cartilha possa servir de base principial ao nosso sistema educativo. Nada que não acabará por acontecer, vendo bem o sentido para onde caminham as coisas.


Mas a cartilha do senhor Ingvar Kamprad também poderia servir para esse efeito. Só tem nove ‘mandamentos’. Para não ser repetitivo só me vou referir a três:


Primeiro mandamento: ‘oferecer uma ampla gama de artigos a preços acessíveis à maioria’. A minoria que se lixe, se não puder comprar, a conformidade social é para quem consome, não para quem se consuma. E nada mais importante do que ‘oferecer uma ampla gama de artigos’, o consumismo vive da diversidade do mesmo. Uma mesa é uma mesa e serve para o que serve uma mesa, mas há que dar a volta ao texto, pintalgar aqui ou ali, tirar ou pôr pernas, alimentar a gula adventícia do cliente, servir-lhe o mesmo com um lifting que o torne menos habitual. E a felicidade da maioria está em poder mergulhar nessa orgia industrial em que se lhe oferece um manancial de artigos, na sua forma mais orgástica - o levar tudo numa caixa que se pode abrir em casa e, no caos dos parafusos, das peças por montar, dos folhetos em Sueco e Português desmantelado, participar na febre da produção, montar peça-a-peça o móvel barato que vem investido da mais-valia de servir para mais do que uma função utilitária, já que a sua função principal é a de fundar um modo de vida, legitimar uma forma de apropriação de si e do mundo, daí a adesão da maioria a este tipo de oferta. As pessoas ao montarem um móvel Ikea sentem que se completam, mesmo que façam a batota de contratarem a montagem do móvel. É quase o mesmo que fazer uma lipo-aspiração em vez de ir correr à volta do quarteirão. Evita-se a caca de cão e tem-se menos maçada.


Segundo mandamento: ‘cultivar o 'espírito IKEA'. Qual honrar pai e mãe, esbracejar pela Pátria, amar a Deus, ou reverenciar qualquer coisa que se assemelhe a algo não mercantilizável… Por mais que se mate e destrua por cegueira patrioteira ou fideísta, amar parece-me, no meu modo de ver que a terra há-de comer, muito superior ao cultivar do espírito IKEA, “baseado no desejo de renovação, na atitude de poupança e na humildade que caracterizam o fundador”. E poderíamos ficar com o pai e com a mãe, amá-los, só por si, já ajudaria a que nos tornássemos melhores. Mas reconheçamos que este fundador parece um pouco melhor do que o nosso Belmiro porque ao desejo de renovação e à atitude de poupança alia a humildade. Mas, no fundo, trata-se, em ambos os casos, de fascismo de polichinelo, o único que pode passar pelos interstícios dos inúmeros filtros de que se mune a nossa aceitação deste mundo como o único possível, mas trata-se dum totalitarismo tão brutal quanto o ‘outro’. O lema do ‘fundador’ - «A família como empresa, a empresa como família» - poderia passar por um lema do Terceiro Reich, isto sem abuso hermenêutico. Não me prendo a qualquer conceito de família, mas é importante que o amor vivido através de laços mais fortes que qualquer tragédia ou cataclismo não seja comparado à relação entre membros duma organização empresarial. Uma empresa não é uma igreja ou uma comunidade unida por uma intencionalidade espiritual e ‘empresarializar’ a família é uma forma radical de expropriação da vida, tornada propriedade sem dono, completamente sujeita ao desapossamento ontológico em que consistem os vínculos laborais nesta sociedade anómica. Esta forma de fanatização dos trabalhadores/empregados/funcionários é um sintoma de que se calhar já não prestamos para nada que valha a pena.


Terceiro mandamento: ‘utilizar os lucros como recursos’. Ou seja, o lucro não é um fim em si, mas a manutenção do sistema gerador de lucro, o lucro é a razão de ser de todo o dispositivo empresarial-libidinal, mas só porque permite a perpetuação do estado de coisas resultante da implementação deste eficientíssimo sistema de moral. E o ‘fundador’ é poupadinho, não por uma virtude de carácter, mas porque gastar não faz parte da sua economia libidinal, não é algo que lhe dê prazer ou lhe aumente o gozo existencial. Ora, estamos face a algo que ao qual se recusa o estatuto de mercadoria, a própria disposição que instaura um regime de mundificação do mundo. Já não se trata duma instituição religiosa ou metafísica, mas meramente funcional e económica. Hoje é a economia que é o ópio do povo. Paradoxalmente, só poderemos ser marxistas abandonando o terreno do materialismo. O que significa que o sistema de subjugação ‘ganhou’: ser materialista reforça o sistema instaurador de alienação e de exploração. Uma embrulhada…


E não adianta brandir a ‘Cultura’ contra este estado de coisas, porque mesmo a cultura com ‘C’ grande está perpassada por um largo espectro de dinamicidades de mercantilização. Por maior que seja o ‘C’, não há fuga. Porque a atitude correcta não é a fuga, mas o investimento na presença, o fortalecimento da eudemonia, porque o sentido da criação cultural não é o lucro ou qualquer tipo de mais-valia egolátrica, mas o excesso, a demasia, a diferenciação não reprodutível.


Talvez já só o demo nos possa salvar.


E depois, quem precisa de Salvação?


A Perdição é um salto/salvamento, um não querer mais que bem querer…

Publicado por Paulo Feitais