A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
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Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Uma "Cultura do Ente" face a uma "Cultura do Entre" - Contributo para a compreensão de novos paradigmas interculturais

O diálogo intercultural é, nos nossos dias, mais do que uma necessidade incontornável, ele é, outrossim, um imperativo social e humano; o justo caminho para a aproximação a uma cultura de paz (1) e de aceitação participada do outro e com o outro. Esse “outro” até aqui considerado como “estrangeiro”, “estranho”, desconhecido, e que, por isso mesmo, se afigura como gerador de medos e de desconfianças.
O velho paradigma das relações entre culturas tem colocado o homem, desde há milhares de anos, numa atitude defensiva, agressiva e, quantas vezes, autista e desconfiada face ao que é diverso. O medo de mais uma “nova” e irremissível perda – depois do anunciado luto de “deus” e da “expulsão” primeira do homem – afigura-se como um dos mais difíceis nós a desfazer no actual paradigma cultural, que vê o homem como ente separado da realidade, separado, por isso, de si mesmo e do mundo.
Não tem sido fácil ao homem compreender que sujeito e objecto não são fenómenos separados; que não há, a não ser como ilusão, isso de “eu” e de “meu”. Só a visão de uma cultura livre da ideia de posse poderá ser condição essencial para que a cultura do entre se desenhe como possibilidade, caminho que se apresenta para contrariar, por assim dizer, uma cultura de guerra, uma cultura “doente”.
Seremos nós capazes e estaremos dispostos a renunciar? É a pergunta que, em primeiro lugar, devemos fazer, quando iniciamos uma qualquer via, percurso ou caminho. Porque é sempre de uma renúncia que se trata. Renunciar a quê? É o que tentaremos perceber, perscrutando no pensamento, a lembrança do que é Real, no futuro que nos leva à Origem. Como tudo o que é ontológico.
As posturas que obstaculizam o encontro entre culturas têm na base, parece isto claro, o medo da perda de alguma coisa. É grande o pânico do homem de se ver desapossado, desenraizado de algo que configura, na sua mente, o que pensa que seja o que ele é e até mesmo o que sonha ser. Aí entramos na zona dos mitos que configuram a identidade de um indivíduo, de um povo. Mitos que impregnam o ser de Ser, mas que, na realidade não têm significativo peso ôntico. Ver-se-á, num olhar mais atento, nesses mitos, (2) a relatividade que lhes “limpará a face”, para poderem ser vistos na sua real essência, esta comum a todo o ser humano “caído” no mundo. E a essência do homem é ser no mundo com o que, de divino, há em si e naquele.
Os medos atrás referidos dominam, muitas vezes de modo inconsciente, o homem e configuram um “muro” que tapa e esconde a luz de uma nova visão. Ver-se o homem despido de identidade: de mitos, de pátria, de ser; ver-se “sem ente”, ver-se em falta, “doente”, não tem sido de fácil aceitação. Não é, pois, sem resistências de vária ordem que o homem embarca nesta nova viagem. Viagem que tem que ser feita com as naus que tecem índias ainda mais insituadas, ainda mais afastadas no nevoeiro do nevoeiro mais perdido dos tempos. Até que se ache no princípio o fim que se busca, ou tão só se esbatam ou fundam ambos os conceitos, e sejamos sem princípio e sem fim, eternamente sendo.
É terrível o engano que consiste em confundir identidade, com superioridade, e mito, com o Absoluto. É bem de ver que a identidade cultural é do foro do relativo, que as contingências e características que enformam a mente do indivíduo, não são mais do que umas de entre outras, no fundo variado da “Realidade”; tão válidas umas quanto as outras. E que os mitos são ainda os “arredores” do que importa verdadeiramente entender. O pensamento enquistado do homem resiste à ideia de abrir pontes de diálogo e de aceitação com o outro, por receio de perder a sua especificidade, a sua identidade, esquecendo que, desse encontro, ambas as culturas saem enriquecidas, desenvolvendo-se, por conseguinte, uma verdadeira atitude de crítica construtiva proveitosa para todos, conforme salienta R. Panikar. (3). É preciso compreender que se trata, de um outro ângulo de visão, de curar, de “iluminar”, de ver a uma nova luz o que é essencial e comum a todo o “novo” ser que desperta para um novo e premente “real”: a visão do ser desperto, livre de mais uma das suas “doenças”: a do culto do ente.
Na realidade, o homem comporta-se, ainda, como alguém que defende um conjunto de “territorializações” que vão cimentando uma cultura do ente, rejeitando, assim, o novo paradigma que se apresenta como alternativa: uma cultura do entre. Como se tudo tivesse que estar separado por pequenos “territórios” na posse de cada um e vedados a todos os outros. Como se fossemos seres sem Ser, corpos sem alma, movendo-se num “inferno”, esse lugar temido e temível onde “escolhemos” viver. Nada de mais errado! A vida não tem que ser esse ou outro inferno. Uma cultura que assim age é uma cultura doente e geradora de piores males.
Interessante é verificar, como se de um sofrimento por antecipação se tratasse, que esse desconforto na presença do outro, face ao outro, não se tem esbatido, ao contrário do que seria de supor. Na verdade, tem até aumentado por imposição do próprio sistema político e social, das suas dinâmicas competitivas e agressivas, nos diversos níveis da vida. O homem vê-se empurrado, manipulado e, na escassez de tudo, no esgotamento de todos os recursos, vê-se coagido a querer para si o que a todos falta, numa competição desenfreada por uma cultura “ter”. É o próprio sistema político, social e económico que se encarrega de gerar novas dificuldades e entraves ao livre encontro entre os homens e entre culturas, fazendo pesar sobre os ombros do homem dos países mais pobres a luta pela sobrevivência, e sobre os mais poderosos, o receio de perderem o poder que os mantém no topo deste vazio que a todos faz adoecer.
Por estas razões, ninguém se arrisca a perder, deixando-se estar confortavelmente – pensam eles e porventura ainda nós – repousados nas estruturas e hábitos mentais que julgam mais seguros, reproduzindo modelos gastos e ineficazes. Isto apesar da comunicação em rede, possibilitar uma mais rápida e eficaz troca de informação e de saber a todos os níveis entre todos os povos de todos os lugares.
Não percebeu, ainda, o homem dos nossos dias, que tem que estar preparado para receber e dar, sem medo de, com isso, se perder, pois não há o que perder, numa cultura em que não há a posse de algo, ou de si. Tudo é relação, não há conquista. Não se trata de encher, de acumular, antes de esvaziar. Porque a humanidade ainda não percebeu (é preciso que se lhe mostre, experienciando), que o homem, no interior de si mesmo, ali onde não é possível mentir ou fingir, não há o que seja ente, e que esta noção é geradora de “doença”: a doença da cultura do ente.
Entenda-se, por outro lado, que não é fácil ao homem perder ou ver oscilar a base confortável que o colocava no topo da hierarquia da natureza, logo a seguir a Deus ou ao que se considerar a instância suprema e/ou divina que tem tido a função de “governar” o mundo: a única colocada acima do homem e que lhe tem servido de exemplo, modelo e guia para sua orientação no difícil mundo onde foi colocado, após a bem ou mal contada expulsão do “Paraíso”.
À medida que os seres humanas se consciencializarem que o antigo paradigma, baseado no domínio e na supremacia de um povo relativamente a outros, caducou, faliu; melhor se vai entendendo o erro em que labora o humano querendo dominar pela força e pelos processos mais violentos, o que, na verdade, o enfraquece em razão, em justiça, em ética e em moral. Facilmente, não fora a muita ganância e cegueira, chegaria à conclusão da inutilidade dos seus esforços em separar, o que antes estava unido, considerando seriamente a necessária “religação” à natureza. Por isso, o diálogo intercultural terá que abranger e tocar todos os pontos em cada ponto que toca. Como uma esfera que roda sobre si e em que cada ponto é todos os pontos e nenhum. É entre! Entre todos e tudo o que há no Todo de que somos: interior e exterior, Oriente e Ocidente, dentro e fora, Princípio e Fim em cada coisa que é.
Finalmente, importa valorizar a “esfera” em que gira o que somos, esse sem dentro e sem fora, tal como o “outro”, o planeta, o universo e tudo o que existe, mais o que sonhado passa a existir. É nesse equilíbrio, nesse movimento evolutivo nascido a cada instante, feito de tradição e novidade, olhado sem preconceito, no respeito pela vida de todos e pelas “suas” realizações, que se constrói uma “cultura do entre” que a todos penetra de uma mesma participação e sacralização. Tudo irradiando a mesma luz do fundo em fundo de tudo.
Assinalamos, por fim, a título de curiosidade, que no centro do "EnTre" se situa, mesmo que somente do ponto de vista simbólico a física figura do Tau, a letra “T”, em Português, aquela que marca com um sinal, todos os viventes. Um Tau de Luz, em que todos sejamos agraciados de ser Tudo e Nada. Mito essencial da humanidade e de todos os seres sencientes.

Notas (1),(2) e (3) – Ideias retiradas do texto de Raimon Panikar Paz e Interculturalidad. Una reflexión filosófica, Barcelona, Herder, 2006)


Publicado por Maria Sarmento no blogue da ENTRE:
arevistaentre.blogspot.com

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