A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
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Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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domingo, 24 de janeiro de 2010

RAUL PROENÇA, COLABORADOR D’ A ÁGUIA

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Maria Celeste Natário

Foi neste órgão de importante projecção cultural no tempo (e também fora dele) que Raul Proença, um pensador que não é portuense, se liga ao grande escol de intelectuais que do Porto e no Porto pensaram, fizeram escola, intervieram na vida da cidade e do País, e estiveram sempre atentos aos ventos que de fora chegavam, desde que daí en­tendessem poder retirar ensinamentos e melhor pudessem fundamentar posições assumidas.
A criação da Associação Renascença Portuguesa foi tam­bém um dos momentos de grande importância na vida de Raul Proença, tendo sido desde a primeira hora a pessoa escolhida por Jaime Cortesão (homem que sonhara esta Associação) para pôr em prática esse sonho. Por isso, e de forma directa, a ligação de Raul Proença à Renascença Portuguesa explica-se, quanto a nós, pela amizade que se estabelece em Lisboa com Leonardo Coimbra e Jaime Cortesão em 1908-1909, a que se seguiu o convite dos homens do Norte para a sua colaboração em A Águia (l.a série). Este acontecimento teve, segundo pen­samos, importantes repercussões na evolução do pensamento deste autor, principalmente a partir de 1910 (data em que a sua matriz positivista, iniciada ainda como estudante do Ins­tituto Comercial e Industrial em Lisboa, por volta de 1904-1905, começa a ser ultrapassada), para em 1912 constituir já a primeira fase do seu pensamento.
A colaboração em A Águia inicia-se assim numa época (1910) em que o seu pensamento passa por substanciais alte­rações, constituindo, pensamos, uma especial e acrescida im­portância, quer no plano global do seu trabalho, quer especi­ficamente no contexto em causa, não sendo despiciendo referir o novo leque de amizades e diferentes posicionamentos filosó­ficos com que passa a conviver.
A temática política, sempre muito presente no seu pensa­mento, é nesta época tratada na Alma Nacional, revista de António José de Almeida, a qual inicia a sua publicação em 10 de Fevereiro de 1910 e onde Raul Proença colaborou assi­duamente ao longo de trinta e quatro números.
Porém, e no mesmo ano, a colaboração em A Águia é de natureza bem diferente e também menos assídua do que na Alma Nacional.
Em A Águia (l.a série) são publicados, no total, cinco ar­tigos[1], sendo o tema de maior relevo aí tratado a questão da Arte. Não foi contudo ao acaso que o pensador de Lisboa, convidado para colaborar na Revista do Norte, se debruça sobre esta questão. A base para o interesse deste tema, o qual é exposto pelo nosso autor em dois artigos com o mesmo títu­lo — «A arte é social?» —, decorre de uma proposta do poeta belga Verhaeren, que aos leitores de A Águia se dirige sobre tal questão, ou seja, «A arte é social?». E, se o não é na sua essência, deve ou pode sê-lo? Mais do que na qualidade de leitor, mas também como colaborador, Raul Proença vai ence­tar as suas respostas, começando por discordar da pergunta. Entendendo que esta não estava «muito nitidamente delimita­da nem muito claramente expressa», resolve o crítico atento «sobre questão tão vaga» separar os diferentes aspectos da temática e tratá-los por partes, significando para o nosso au­tor que seria necessário discernir primeiro sobre cada um dos seus aspectos. Respondendo à primeira questão, Proença con­sidera que a obra de arte faz parte e é uma característica da vida social, podendo individualizar um povo e uma cultura. Psicologicamente, entende que a obra de arte reflecte a alma e o ideal comum de uma cultura no que ela tem de mais profundo e humano, afirmando que «a arte bastaria para de­finir psicologicamente um povo ou desenterrar das ruínas uma esquecida época»[2]. Como exemplo, Raul Proença refere a pi­râmide de Keops ou a esfinge de Gize como sendo «o espelho da alma egípcia», ou ainda o Coliseu e Ariana adormecida testemunhos da grandeza de Roma, assim como o Pártenon, Diana ou Vénus, os quais nos transmitem a harmonia da vida do espírito helénico.
Também a música, a pintura, a arquitectura e as letras são o reflexo de um tempo e de um espaço onde, segundo o nosso autor, os seus mestres transmitem os mesmos sentimen­tos e ideias de um povo e cultura. Com a filosofia o mesmo acontece, pois «os pensadores filosofam com a alma do seu povo», dando também soluções a «problemas transcendentes com o sangue das nossas veias», aludindo ainda tanto ao pragmatismo francês como ao anglo-saxónico, em que o pri­meiro revela a tradição racionalista e o gosto pela harmonia e o segundo se inclina pelo «empirismo absoluto e as suas tendências utilitárias».
Na arte, o que se verifica, segundo Raul Proença, é que a penetração do social e a sua envolvência (mais do que no domínio do pensamento científico ou da especulação científica) são mais fortes, estando em causa os sentimentos mais do que as ideias, sendo que «muitas vezes já os homens estão de acordo pelo que sentem e ainda lutam pelo que sentem». A obra de arte, que antes de tudo é social (ainda que possa provocar sentimentos anti-sociais, nunca deixando de ser social, exalta, ilumina e «acrescenta valor à vida humana» nas suas várias formas, pois a arte espiritualiza, «afastando as almas da ma­téria bruta».
Quanto ao papel do criador e da realização do ideal de beleza, Proença refere que são «as sensibilidades mais desper­tas que fixam na linguagem humana, na linha, no verso, tudo o que há de desconhecido em roda de nós e em nós mesmos», e que, ao contrário daqueles que vivem a vida sem a senti­rem, esses vivem-na sentindo-a.
Também as dimensões do conhecimento e da moral são atribuídas à obra de arte, dimensões estas cumpridas aqui mais do que em qualquer outra ciência, pois «ensina sem didactismo e moraliza sem dogma», dando um mais elevado sentido à vida, sendo «um fenómeno sagrado formado de coi­sas sagradas». A arte terá também assim a função de fazer despertar, dar mais valor à vida, pois o homem educado pela arte «habitua-se a considerar a vida de joelhos», produzindo simpatia e sensibilidade. Por isso, e independentemente «dos intuitos surajoutées, a arte não só é social, como eminente­mente moral».
Mas se a natureza da arte é social, também o seu objecto o é, ainda que algumas expressões de arte aparentemente o possam não parecer. No íntimo do seu objecto, a «arte socioló­gica, de costume, psicológica ou cósmica» é social (o que de­corre da «porção de universalidade que contém»), sendo tam­bém capaz de nos fazer desprender da prisão humana e de nos transportar para as «regiões da unidade inefável».
O ideal de beleza e a inspiração estética do criador (dois dos aspectos mais considerados por aqueles que defendem a ideia de «arte pela arte») é também resolvida pela análise de Proença. Considerar o intuito estético do criador da obra de arte como não sendo, de modo algum, adverso do intuito moral (antes bem pelo contrário) possibilitará uma visão mais íntima da realidade, sendo necessário que, «para que nada se sacri­fique, nem o desejo de perfeição moral nem a sede de perfei­ção artística», o artista crie, «vibrando sob um único impulso», ou seja, que «o artista se confunda com o homem de coração para que nele se forme uma nova criatura espiritual, única, duma espiritualidade mais alta»[3].
O Bem e o Belo serão criados na obra de arte, na opinião do pensador de Lisboa, se, de forma conjugada, o seu criador escutar a voz da moralidade e da Beleza. «Tudo o que é hu­mano vale na medida em que satisfaz a maior porção do ho­mem», possibilitando uma maior proximidade do mistério da vida, onde o artista pode ser uma espécie de «apóstolo» que dá mais vida à vida.
Porém, pensa também que não constitui uma obrigação que o artista, na produção da sua obra de arte, se inspire de um intuito social, pois a sua missão «é emover [sic] pela Be­leza e fazendo-o já satisfaz». Mas «quase sempre ganha se se inspirar dum alto intuito humano, porque aumenta então em profundeza o seu omnipotente encanto, porque não satisfaz apenas o nosso intuito originário de Beleza, mas congraça todas as aspirações, todos os desejos, todos os intuitos, na integridade da alma humana». Estas obras sim, são aquelas que Proença chama «obras de perfeição eterna».
A questão dos fins da arte (que por volta dos anos 30 e início dos anos 40 conhece em Portugal aceso debate), Proença deixa expressa a sua posição vinte anos antes, salvaguardan­do, em certa medida, a sua ideia de «arte pela arte» e da «arte social».
Não obstante, reconhece o artista (embora como autónomo e como génio, imbuído de «uma certa superioridade psíquica») defende também que ele é um ser «heterónomo» (sic) porque dependente do mundo social que o envolve, onde a estética pode (ou deve) estar presente. Simultaneamente, o homem (animal social) desenvolve a sua característica de ser comuni­tário, vivendo em comunhão com. Por isso, o dentro de si e c fora de si unem-se na obra de arte, levando a que o fenómeno estético deva ser entendido numa atitude omnicompreensiva que Proença defendeu.
Na confluência do Bem e da Beleza, a sua concepção de estética aproxima-se de um pendor ético-material, sendo a arte um acto vital[4] que tem como finalidade dar mais vida à vida porque capaz de a elevar a uma vida que «tenha de Apoio e de Dioniso e de Jesus Olímpico, fervorosa, entusiasta, séria, profunda, grave»[5].
A síntese dos valores pagãos e cristãos (presente na maio­ria dos homens de A Águia, como Pascoaes, Leonardo Coim­bra e Jaime Cortesão) também parece ter sido inspiradora de Proença.
O positivismo materialista e naturalismo estético, por onde inicialmente Proença fora conduzido, ia dando lugar a um cada vez mais acentuado espiritualismo, inspirado numa intuição da vida como fonte de permanente criação, Bondade e Beleza.
A tese de licenciatura em Medicina que Jaime Cortesão apresentara em Lisboa em 1910, intitulada A Arte e a Medici­na— Antero de Quental e Sousa Martins[6], leva também Proen­ça à redacção de um artigo, fazendo uma recensão da obra[7], e onde também a questão da arte é retomada, desta vez sobre­tudo mais na dimensão do artista. Cortesão, a quem se refere como «poeta da Águia»[8] e que realizou com este trabalho «uma obra de simpatia», é também por ele considerado como um artista. À semelhança de Antero, também Cortesão era para Proença um «poeta da profundidade», pois, «com o amor que nós pomos a defender o que constitui a melhor parte de nós mesmos», levou a cabo, mais do que com simpatia, «a condição primária na crítica de uma obra de arte», o que o nosso autor designou como «comunicação com as almas»[9].
Jaime Cortesão fora sobretudo também movido pela preo­cupação de reabilitação do grande poeta Antero, que muito admirava, deixando, de certo modo, falar o coração, porque (es­crevia Proença neste texto, citando o próprio Cortesão) «o meu coração – disse ele um dia – só pode amar e admirar com paixão». E, continuando a citar o autor da dissertação, afirma que a sua atitude fica patente numa nota do trabalho quando diz «nós outros (artistas) escrevemos as mais das vezes à custa do amor e do sofrimento, do entusiasmo e da indignação».
Esta circunstância, em que «o autor começa a sua obra de crítica condenando-se desde logo como crítico», merece a Proen­ça o agradecimento por essa sinceridade e, embora o rigor e a desinteressada observação possam ser postos em causa, isso não obstacularizará a que mesmo assim Cortesão, na opinião de Proença, não tenha acertado nas linhas gerais.
Este texto, visando fundamentalmente a análise do traba­lho de Cortesão, fornece-nos simultaneamente não só a com­provação da sua perspectiva acerca da arte (que nos artigos anteriores explanara), mas também a sua oposição ao materia­lismo da doutrina positivista a que se ligara.
Assentindo na ideia de criação artística que brota do im­pulso interior da alma do artista, onde o amor e a paixão se podem impor, não deixa contudo de considerar, neste caso concreto de Cortesão, que a sua preocupação decorria afinal de uma questão moral (a da reabilitação de Antero de Quen­tal), com ele concordando na atitude do artista, que decorria muitas vezes do amor, sofrimento, entusiasmo e indignação que as circunstâncias envolventes provocam.
Por isso, «arte pela arte» e «arte social» ficam concebidas, e de certo modo justificadas, ocupando, no entanto, o domínio dos afectos e das emoções um papel extremamente importan­te, não fosse a arte reflexo da vida e a vida podendo ser tam­bém reflexo da arte.
Por isso a vida (valor por Proença considerado como o mais importante de todos) não podia dispensar a arte e a filosofia, que devem entender-se como sendo a própria vida, onde a universalidade e expansão criadora existem. O «torpe positivismo» de Sousa Martins caía, na perspectiva do nosso autor, num estreito dogmatismo, pelo que a ciência assim entendida teria que falhar necessariamente porque dela se esperou «o último milagre» e dela se fez «o último Deus». E Sousa Martins, na sua Nosografia de Antera, cai nessa ar­madilha.
A alucinação e superstição científicas que os progressos nas ciências provocaram induziram a uma falsa crença no seu poder, considerado absoluto. Também o intelectualismo daí decorrente levou «à confiança mais ingénua no seu poder revelador da inteligência humana»[10], e nessa perniciosa in­fluência caíram os espíritos mais profundos e originais, como foi o caso de F. Nietzsche, ainda que, «na sua segunda fase [afirma Proença], se afaste mais do Dionísio para se aproxi­mar mais de Sócrates»[11].
«A doutrina comtiana defensora da ordem e da Razão do Estado», assim como «o determinismo que nega a liberdade criadora e a doutrina da Evolução, que subordina a Revolução ao movimento evolutivo»[12], vão surgir exactamente neste pe­ríodo de crença desmesurada na ciência, numa fase que Proen­ça designaria como «período da intelectualidade petulante», a que chama também «Reino da Burguesia»[13]. Aqui, a vida hu­mana na sua verdadeira dimensão era esquecida, porque uma «razão estreita que tudo intelectualiza» constituía o único ins­trumento de análise. Definitivamente Proença condena essas crenças redutoras na razão, ou seja, aquelas que dela faziam «o novo Prometeu».
A compreensão da vida afigurava-se-lhe, fundamentalmen­te a partir desta época, como algo bem mais complexo, a que a «ilusão ao suficientismo positivista» não podia dar respos­tas.
Comte, Zola, Strauss, Berthelot, Haeckel, Le Dantec, eram autores com os quais, de um ou outro modo, Proença encon­trara afinidades e que agora critica, porque afinal «profana­ram a vida», reduzindo-a à visão científica. Escalando «o céu com o intelecto», com uma «Razão estreita» e não com a «Ra­zão larga que sintetiza as experiências da vida», tudo ficaria reduzido a uma espécie de cousismo, em que a vida, com to­das as suas expressões, seria profanada. A afirmação lapidar de Proença que sintetiza bem o seu pensamento racionalista, espiritualista e vitalista e que mais claramente começa a aprofundar e desenvolver desde a sua colaboração em A Águia (l.a série) e na Alma Nacional, e que prossegue e acentua em A Águia (2.a série) a partir de 1912, e em quase todos os seus textos até ao final da vida é esta: «Porque, acima de tudo e além de tudo, eu fiz da vida o meu culto e fiz da liberdade uma paixão.»




[1] A colaboração de Raul Proença em A Águia (1.ª série) inicia-se com o n.° l, em l de Dezembro de 1910, publicando o texto intitulado «Carta perdida». Segue-se o artigo «A arte é social?», no n.° 2, de 15 de Dezembro de 1910, «A arte é social? II», no n.° 3, de l de Janeiro de 1911, «Carta a Álvaro Pinto», sem título, no n.° 5, de l de Fevereiro de 1911, e «Jaime Cortesão — A Arte e a Medicina — Antera de Quental e Sousa Martins (crí­tica)», no n.° 9, de 1 de Maio de 1911. Porém, Raul Proença continuará a colaborar em A Águia (2." série), a partir de 1912, desta vez como órgão da Associação Renascença Portuguesa. Aqui, ainda que a temática política te­nha também lugar, inclusivamente com um artigo intitulado «A situação po­lítica» (no n.° 2, de 5 de Fevereiro de 1912), o tema de maior importância que vamos ver surgir é o do seu estudo sobre o Eterno Retorno, onde de­monstra de forma inequívoca quer a sua capacidade de estudioso especula­tivo, quer a sua mais clara vertente de filósofo e pensador que, «às mãos» com a vida, se confronta com ela de forma mais radical e em que o seu pensamento espiritualista vitalista mais se acentua também como uma filo­sofia da existência.
[2] Raul Proença, «A arte é social?», in A Águia, 1.ª série, n.° 2, 15 de Dezembro de 1910. Até à próxima nota, todas as citações se referem a este artigo, assim como ao artigo com o mesmo título de l de Janeiro de 1911.
[3] O espiritualismo vitalista de que o pensamento de Proença estava impregnado começa desde bem cedo a evidenciar-se. Nos textos a que nos vimos referindo, «A arte é social?», é notória a cada vez maior importância da dimensão espiritual do homem, que se prolongará sempre e cada vez mais até ao final da sua vida, em 1941. Guyau, Verron e mesmo Tolstoi eram autores que em 1910 Raul Proença parece já conhecer, não só por al­gumas referências que lhes vai fazendo, mas também por excertos de algu­mas das obras destes autores, que constam em «apêndices» do seu espólio, na Biblioteca Nacional. Embora algumas sejam posteriores a 1910, também é verdade que, já nesta data, conhecia Tolstoi, a ele se referindo no segundo artigo de «A arte é social?» (p. 8), o mesmo acontecendo em relação a Guyau no artigo também já referido, «Jaime Cortesão—A Arte e a Medicina — Antero de Quental e Sousa Martins», A Águia, l de Maio de 1911, p. 14. Neste último caso, Proença demonstra conhecer mesmo com alguma profun­didade a obra de Guyau, pois neste artigo, ao falar da «simpatia» como «condição primária na crítica de uma obra de arte», afirma que «só ela nos põe em comunicação com as almas», o que, segundo pensa o nosso autor «Guyau viu — o bem» (p. 15).
[4] Talvez o papel que atribui à arte tenha algumas semelhanças corr J. M. Guyau, in Les problèmes de 1'esthétique contemporaine, 11.ª ed., Paris Libraire Pelix Alcan, 1925, pp. 32 e 35, 37, 181, 65-75, 140. Raul Proença irá citar Guyau por diversas vezes nesta fase, mas principalmente no seu estudo sobre o Eterno Retorno. Se pensarmos também em Nietzsche, cuja ética estético-formal pode ser vista (segundo alguns estudiosos) como estan­do para além do Bem e do Mal, Proença está em oposição.
[5] Idem, ibidem.
[6] Esta dissertação versava sobre o estudo nosológico que Sousa Mar­tins fizera no In Memoriam sobre Antero de Quental, na tentativa de dar resposta aos problemas de saúde de Antero de Quental, considerando-o um caso de «degenerescência superior». Jaime Cortesão, terminado o seu curso de Medicina, apresenta um trabalho refutando essa posição. A tese que Sousa Martins defendia na sua obra Nosografia de Antero — In Memoriam, Porto, 1896, demonstra a sua sedução pelas teorias de Lombroso e Nordau, então muito na moda, acerca da «gestão mórbida do génio» (expressão de Sant'Anna Dionísio, «Antero», in Seara Nova, Lisboa, 1934, p. 98), onde um critério materialista e redutor o leva a falar de Antero como de uma «degenerescência hereditária» (in Sousa Martins, ibidem, p. 244), concluin­do que, embora tivesse laivos de génio, era um desequilibrado, o mesmo seria dizer, em linguagem comum, que era um doido. Sobre este assunto, consulte-se também Sottomayor Cardia, «O pensamento filosófico do jovem Sérgio», in História e Filosofia, vol. l, Lisboa, 1982, pp. 12-13 e 424-425.
[7] In A Águia, 1.ª série, n.° 9, de l de Maio de 1911. Refira-se, como curiosidade, que este artigo tinha já sido publicado no n.° 5, l de Fevereiro de 1911, da mesma revista, mas com bastantes incorrecções devido à falta de revisão do autor.
[8] Idem, idibem.
[9] O artigo assinalado contém certos laivos panegíricos, estando Proen­ça constantemente a elogiar Cortesão (o qual conhecera pouco antes, como já atrás referimos), o que não obsta à isenção do autor na análise levada a cabo. A amizade entre ambos parece ter sido quase imediata, prolongando-se até ao fim da vida.
[10] Idem, ibidem.
[11] Idem, ibidem.
[12] Idem, ibidem.
[13] Idem, ibidem.