Perseu libertou-a, mas o rochedo ensinou a Andrómeda que não era o sacrifício a sua libertação. Só lançaria à terra o olhar azul e iluminado, quando o tempo fosse essa coluna de fogo. Não saberemos verdadeiramente porque dançam no mar duas colunas de fogo entrelaçadas. Antes disso, perderíamos a boca no abismo do silêncio que a cola ao céu de uma palavra que imobiliza.
Chegados a Argos, haveriam de formar, tempos depois, uma galáxia no azul do olhar, nas pedras preciosas dos seus cabelos negros, quando a noite vem lançar os seus prantos e os seus sossegos, na barca do desassossego.
Os dias abriam-se sobre as noites, como se nos devorassem o sentido, até que vimos que tem do nosso olhar o gesto e os cabelos são as mesmas ondas onde navegam barcos e sonhos amarados nos dedos. Fenícia de nós, em sua beleza dormiam as ninfas e a sua mãe já a tinha avisado que não se desafia o mar, esse gigante de humorosas águas!
O mar tem os seus rugidos, as suas zangas e tempestades, o mar não é só o fio azul que nos nasce no pulso e leva, coração aberto e fervente a Amores dado, o Mar é som saudoso, azul cobalto e doido. O mar do fim dos mares, trazia, no início dos tempos um olhar mais cruel, um sangue mais rápido a deslizar nas águas ancestrais. Esse animal era nosso parente e escrevia os nossos nomes sobre a pedra que a onda açoitava. Mais tarde, depois de entregue à paz do azul, viria o monstro agitar as águas desse imenso oceano.
Haveria de ser nos olhos da filha do orgulho, que morreria o monstro, ou ela desapareceria no ar: a mais bela das ninfas que o não era! Acorrentado à grande rocha, o olhar de Andrómeda era cristal que se abria como espuma. Que se partia na tristeza líquida de uma ampulheta de areias. Não tardaria a chegar o que chovia ouro sobre o corpo da que nada era, antes das eras que viriam. Perseu deixou cair no mar os cabelos de uma medusa e o rochedo chorou, dentro do olhar da acorrentada, a pedra em lume do seu amor. Foi nesse rochedo que contou à beleza de Andrómeda a história de Danae, filha de Argos. A pedra tinha sido, diziam, a cabeça do rival que hoje lança o olhar e a boca ao vasto firmamento. Ela que tinha visto o azul, enquanto esperava transformar-se em chuva de prata, olhar de lua sobre o agitado dorso do imenso mar. Ela tinha colhido o desejo de ver os cavalos a correr sobre a espuma da espera. A mesma que tinha visto o seu olhar deitar-se com o sol, na direcção do mar, na direcção da partida, da ausência. Ela que haveria de ter escrito a tinta azul e salgada, sobre a face do mistério, o nome de uma Saudade inominada. Saudade da neve sobre os rios; saudade do brilho que as coisas têm quando carregadas de oiro e divino olhar estrelado.
Andrómeda lançou de Perseu o olhar, e onde a vemos nos olha, oceano do mais alto olhar, poisar sobre nós as estrelas encantadas dos seus brilhos e das suas memórias. O que Andrómeda viu no mar, o que ela sentiu, antes de ser devorada em chamas arrefecidas na pedra do jardim líquido do grande senhor dos mares nem mesmo os poetas o saberão, ou talvez só eles.
Publicado por saudadesdofuturo em:
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