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Donde vimos, para onde vamos...

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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Excerto - a publicar na íntegra no próximo número da NOVA ÁGUIA...

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Pedro Martins
A Verdade do Amor, de António Telmo,
seguido de Adoração – Cânticos de Amor, de Leonardo Coimbra


1. Quem ler esta surpreendente experiência dramatúrgica do filósofo de Arte Poética, há-de cometer não pequeno erro se procurar submetê-la ao crivo rigoroso do preconceito historicista. “Não deve o leitor culto pensar que exista uma perfeita coincidência entre as personagens com os seus nomes e os discípulos, hoje famosos, de Leonardo Coimbra” – adverte António Telmo à cabeça da Breve Explicação do que foi escrito atrás com que remata esta peça em três actos, que tem no filósofo da liberdade a sua figura central e dominante. E, como quem abrevia razões, logo o autor esclarece que “Leonardo também não é Leonardo” – mas a sua “adoração”, ou seja: o livro extravagante que, com este título, fez sair a lume no início dos anos vinte do século passado; e a sua paixão por uma aluna, Natália, afinal o estro poderoso que, em meados da década anterior, o compelira à composição desse mesmo livro, pleno de lirismo metafísico. No mais, a trama da obra releva sobretudo da invenção criadora de António Telmo, mormente pela dialéctica romanesca com que, no primeiro acto, predispõe a intriga, tornada complexa pela imbricação de dois triângulos amorosos: se a inveja de Delfim, o aluno relapso, potencia largamente a ruptura entre o mestre e Natália, os ciúmes que esta sente de Catarina, mulher de Leonardo, precipitam o desenlace da separação.
Assim afastado, por ilusório, o prisma da historicidade estrita, logo os anacronismos com que o leitor pontualmente se depara – sobressaem as alusões, na aparência insólitas, à música rock, ao pintor Carlos Aurélio e ao 25 de Abril – hão-de de adquirir a sua verdadeira significação: ao estender o eixo cronológico da composição muito para além do que a biografia leonardina faria supor, António Telmo demonstra primeiro o que afirma depois – quando, na Breve Explicação, diz ser a sua peça um “texto de teatro filosófico”. Trata-se aqui de uma verdadeira obra de arte, que, por isso mesmo, encerra um pensamento, ou para ele remete, e não apenas de mero repositório memorial.
Dito isto, não se pode ignorar a instante dimensão simbólica e alegórica da peça, bem patente no título, no entrecho e na estrutura. Não por acaso, e como se referiu já, o dramaturgo sentiu, a final, a necessidade de explicar o que as suas personagens haviam pensado e sentido, dito e feito. Ainda que de forma breve, e necessariamente inconclusa, António Telmo oferece-nos a legenda para os símbolos de que lançou mão. E, ao fazê-lo, projecta aliás uma legenda sobre outra legenda, ou não espelhasse A Verdade do Amor uma visão pessoalíssima do livro de Leonardo, cuja oportuna reedição completa este volume publicado pela Zéfiro no Outono de 2008. A tal respeito, será de assinalar a magistral hermenêutica da Adoração que o filósofo nos propõe na parte final da Breve Explicação: se, na sua tríplice estrutura triádica, os nove capítulos desta obra de poderosa imagética suscitam, por um lado, a evocação do Amor divino na segunda potência (3x3) que Dante, na Vida Nova, significou em Beatriz, por outro, eles deixam entrever o itinerário ascético da “tríplice relação entre o homem e a mulher pelo corpo, pela alma e pelo espírito”.
Parece provável que a tripartição da peça reflicta e prolongue semelhante doutrina de sublimação, visto como, do primeiro para o terceiro acto, o enfoque significante se desloca de Natália para Catarina. Segundo se lê no capítulo inicial da própria Adoração, foi Natália o Natal da Alegria de Leonardo; e os seus olhos eram como dois Natais. Se, à luz dos étimos, a musa dos Cânticos de Amor se revela, destarte, susceptível de representar o erotismo do amor carnal, imediatamente associado à procriação, já em Catarina, a Pura, nome e cognome que António Telmo, pela voz de Natália, atribuiu à mulher de Leonardo, ressoa por certo o amor puro da endura cátara, tão notavelmente caracterizado no capítulo da História Secreta de Portugal sobre o esoterismo de Os Lusíadas.
A densidade simbólica de A Verdade do Amor afere-se também pela emergência significativa de certos adereços, que só na aparência poderemos reputar de secundários ou irrelevantes. Tenham-se presentes: na cena inaugural da peça, o mapa de Portugal visível numa sala de aula da Quinta Amarela; na cena seguinte, um Santo António em madeira patente na sala de estudo de Leonardo; e, no início do segundo acto, uma imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro nos aposentos de Álvaro (que é, na verdade, Álvaro Ribeiro). Será de crer que com estes três objectos se pretendeu significar respectivamente o patriotismo de Leonardo ou, como se diz na peça, o “seu sonho de tornar Portugal um país independente, inteligente e livre”; o cristianismo libertário que, de um ou de outro modo, foi sempre o do mestre; e o irrefragável pendor cripto-judaico vertido na obra do discípulo. Conjugadamente consideradas, as três indicações cénicas têm ainda a virtualidade de, por mera alusão, nos anteciparem o propósito último da obra, qual seja o do seu autor interpretar de modo livre, mas radicado, a conversão de Leonardo Coimbra ao catolicismo, à luz de uma superior doutrina das relações amorosas.
Deste ponto de vista, há aspectos do primeiro acto que devem ser realçados, mas que não foram abordados na Breve Explicação oferecida aos leitores. Trata-se, antes de mais, da acentuação que nele é feita do poder da palavra – do poder do nome – de que Leonardo, enquanto mestre, é o detentor. Delfim torna-se realmente Mefistófeles, ou toma realmente consciência desse aspecto emergente e significativo da sua natureza, a partir do dia em que Leonardo lhe põe semelhante nome. E, de alguma forma, só se libertará do condicionamento de um tal sortilégio no momento em que Leonardo, escutando-lhe a confissão de uma infâmia de que fora a própria vítima, lhe perdoa a calúnia e lhe tira o nome. Por aqui se percebe a íntima conexão semântica que aproxima a imagem da magia, pela simples razão de haver palavras que fazem ver. Em dado trecho do primeiro volume das Memórias de um Letrado, Álvaro Ribeiro lembra a insistência de Leonardo quanto ao papel das palavras como “veículo expressivo, comunicativo e persuasivo de que o didacta pode tirar efeitos terapêuticos, comparáveis aos da magia”. Que, na visão de Álvaro, o emprego da palavra pelo educador possa ser visto como a administração de um sacramento por sacerdote laico, sabe-o bem o dramaturgo, e disso nos dá mostras quando, logo após a confissão de Delfim e o perdão do mestre, nos revela haver, na voz de Leonardo, parado, de pé, em frente do rapaz, o tom súbito de uma consagração sacerdotal. Não custa, aliás, reconhecer que, neste como noutros passos da peça, a inventiva do filósofo se revele amplamente tributária da evocação alvarina de Leonardo.

(...)