A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Homenagem ao professor Conceição Silva

(foto recente, na Feira do Livro de Brasília)

Um velho homem novo de cultura

Lúcia Helena Alves de Sá


Ao perto e ao longe, ocorreu-me enunciar a personalidade singular, a extraordinária inteligência acostumada ao pensamento matemático, à agudez mental e à argumentação racional de José Luís Poças Leitão Conceição Silva para que não viva na névoa da memória de um passado histórico que ainda se faz recente tanto para Portugal como para o Brasil.

Conhecer o professor Conceição Silva, como é mais comumente chamado, tem sido um encanto e uma educação para alguns jovens estudantes da Universidade de Brasília que nele redescobriram certa suprema elegância da Vida ávida de saberes genuínos. Envolvente sempre — porque não perdera, apesar de seus 93 anos, a candidez de menino — e livre de qualquer dogmatismo ou orgulho de casta filosófica mantém-se todo ouvido para as indagações sobre a História de Portugal e de seu multifacetado painel cultural que fora aberto para toda Humanidade.

Qual o saber especial, qual a riqueza de ideias que tem ajudado nossos pensamentos a surgir dos embaraços, tornando-nos mais reflexivos e, inesperadamente, mais inventivos e sedentos pelas histórias e livros que guardam nossas origens ancestrais da grei portuguesa. Isto porque Conceição Silva é aquela espécie rara de educador que extrai de uma pessoa algo que a torne renovada, libertando-lhe potencialidades criadoras. E, para inseri-lo na precisão do termo que lhe é mais adequado, ele exerce a “[...] anagogia, o caminho para cima, [...].”.

Detentor de conhecimentos vários, como Historiografia Portuguesa, Arquitetura Popular Portuguesa, Tecnologia de Alimentos, Questão e Ordenamento Agrário e Reforma do Setor Primário da Economia do Brasil; professor de física e matemática, agricultor e economista agrário, engenheiro geógrafo, astrônomo, historiador, escritor, orador, entendedor de teatro e perito em música, violinista... Enfim, um velho homem novo de cultura que “[...] é ledor dos livros, mas é também ledor das coisas, dos fatos e dos homens. Tudo relaciona; integra tudo; não desperdiça uma via ou um momento sequer de conhecimento: [...], e, sobretudo, quando atento a um quadro ou a um poema, o que medita, imagina, intui, detecta.”. Culto de cultura (façamos valer as redundâncias) imensa e vária, Conceição Silva “[...] vê como se movem os homens, e enxerga, como poucos, as forças diabólicas, infernais, que endeusam o Mercado e movimentam a Sociedade Global.”.

Não obstante outros adjetivos, o professor Conceição é o estudioso que interpretou de modo único o enigma dos Painéis que continuam a manifestar-se nas Festas do (Divino) Espírito Santo no Brasil e na Ilha da Madeira, redescobrindo e ressignificando a perspectiva do Império ou do Reino da fraternidade ecumênica pictoricamente inscrito em uma das [...] maiores obras (se não a maior) do acervo [do Museu de Arte Antiga de Lisboa]: o famoso Políptico de São Vicente, também conhecido por Políptico de Nuno Gonçalves, Políptico do Infante Santo, Políptico das Janelas Verdes, ou mais recentemente Políptico da Veneração de São Vicente. As seis tábuas, datadas do século XV, que constituem a magnífica obra-prima, e na qual estão primorosamente pintadas 60 figuras de ar majestoso e hierático, transformaram-se, com o correr dos anos, em verdadeiro ícone artístico-cultural, ideológico e até mesmo político da história portuguesa.

Conceição Silva, também, foi um homem de ação política. Em Portugal, desde os idos anos de 1932, já integrava o Partido Comunista que iria, tempos depois, lutar contra a Ditadura Fascista de Salazar. Foi preso duas vezes: uma prisão ocorreu em 1947, devido a sua participação no Movimento de Unidade Democrática Juvenil, permanecendo por dois meses no Forte de Caxias junto com Mário Soares; a outra, em 1949, sendo, inclusive, proibido de se manifestar verbalmente pela Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE). Após um interregno nas atividades políticas, entre 1959 até o início de 1962, juntou-se ao ataque ao Quartel de Beja, intento fracassado o que o levou a ser preso em 2 de janeiro de 1962 por mais dois meses, no Aljube, em Lisboa, como implicado na tentativa de Golpe. Um papel encontrado no bolso de um dos revolucionários mortos no ataque ao quartel tinha uma lista dos políticos da Oposição de Beja que seriam convocados para a formação de um Governo Provisório presidido por Humberto Delgado. O nome de Conceição Silva era o primeiro da lista.

A partir de 1962 teve a vida complicada por ações da PIDE e por ordem da polícia, em 1964, foi demitido do cargo de professor do Ensino Técnico de Évora. Torna-se, então, de 1964 até os primeiros meses de 1967, Tarefeiro do Centro de Estudos de Economia Agrária da Fundação Calouste Gulbenkian. Mantendo-se ainda em dificuldades devido a ações políticas, Conceição Silva deixa Portugal e emigra para o Brasil e, por intermédio de Agostinho da Silva, chega a Brasília, em 26 de maio de 1967, para trabalhar no Centro Brasileiro de Estudos Portugueses. Permaneceu nesse Centro como Diretor Executivo e Coordenador Substituto até 17 de abril de 1972 quando foi fechado definitivamente pelo governo militar que se instalou no Brasil em 1964.
Depois de ter estado naquele Centro desempenhou atividades várias, todas elas sempre relacionadas a assuntos de agricultura e produção agropecuária no Brasil. Em 17 de abril de 1991, Conceição Silva foi demitido do Ministério da Agricultura pelo Presidente Fernando Collor de Mello e obteve apenas em 1992 a aposentadoria do cargo de professor da Universidade de Brasília, conforme o amparo da anistia concedida pela Constituição Federal do Brasil de 1988 àqueles que foram perseguidos pela Ditadura Militar.

Daquela trajetória militante para o fim da opressão em Portugal e o estabelecimento de uma Reforma Agrária que se conjugasse a novidade tecnológica com a forma de trabalho coletivo comunitário, recorda-se Conceição Silva, em uma de suas conversas livres9, que — em 1975, depois do golpe revolucionário de 25 de abril de 1974 (a Revolução dos Cravos) que derrubou o regime pró-fascista de Marcelo Caetano, herdeiro de Salazar — realizou-se no Alentejo a verdadeira Reforma Agrária que ficou conhecida internacionalmente como um dos acontecimentos políticos mais importantes do século XX. Os trabalhadores rurais ocuparam todos os latifúndios, muito de acordo com a propaganda e esclarecimento político a que se dedicara desde 1945 até 1967.

A ação político-social do professor Conceição Silva só foi reconhecida em 1999 quando, no dia 25 de abril, foi dado o seu nome a uma rua da cidade de Beja, relembrando aos mais velhos e deixando registrado para a geração jovem o seu trabalho como político antifascista que durou 35 anos (de 1932 a 1967) e as suas propostas de alteração do sistema tecnológico da agropecuária no Alentejo. Hoje, pode-se afirmar que a luta pela Reforma Agrária foi um sucesso, porém, só se podendo confirmar que ela não mais existia em Portugal a partir de 1991.

O modelo adotado na prática — organização de cooperativas de trabalhadores rurais ocupando as terras e trabalhando coletiva e comunitariamente por conta e risco próprios — foi aquele que o professor propusera durante anos e que, no Brasil, foi apresentado por ele, sucessivamente, aos Ministros da Reforma Agrária e Desenvolvimento durante toda a sua estadia no Ministério responsável pela reforma e desenvolvimento agrários. Além dessas intervenções, de modo constante, apresentou sugestões e propostas a políticos influentes dos Governos de Fernando Collor de Mello a Fernando Henrique Cardoso, senadores, deputados e outros na liderança política brasileira, sobretudo, da oposição.

Desse modo, Conceição Silva foi uma força formativa atuante que — mesmo sob a incompreensão de pessoas desprovidas de qualquer preparado para a diversificação de culturas e manutenção e geração da biomassa natural— deixou evidente seu esforço modelar de socialização, comunitarismo e cooperativismo dos bens agrários e, para usar o termo político, isento de populismo. Embutida nele, como um projeto utópico, melhor dizendo, tópico porque é de todo realizável, está a conversão — a reforma — do que até hoje se tem elaborado de melhor em relação à exploração agropecuária na qual os inconvenientes característicos na prática da agricultura moderna generalizada nos países de sistema capitalista são evitados.

Cabe a nós, agora, trazer a lume a máxima do pensamento de Conceição Silva que reaviva esperanças e nos põe de imediato com a futura-Idade do Brasil, esta feita para se “[...] festejar o advento da Nova Era de Fraternidade Universal.”, estreitamente vinculado à efetiva reforma agrária que deve se processar para todos indistinta e igualitariamente. Anunciou o professor que

O espírito da “não violência” para qualquer ser vivo no conjunto do meio ambiente natural do qual o Homem faz parte, orientou a elaboração [de sua] proposta de uma nova metodologia para exploração do campo pela atividade agropecuária. [Acredita] sinceramente ser o Povo Brasileiro o “eleito” para começar o processo de transformação cujo primeiro passo consiste na adoção da metodologia proposta. Tudo o resto, tão desejado por todos, virá por acréscimo, de forma natural e pacífica.

Será assim cumprida a “Profecia” expressa na representação da Cena dos Painéis, do Rei D. Afonso V de Portugal, cuja execução artística terminou [a mais de] 515 anos.

Assim, Conceição Silva conseguiu cumprir sua missão de político de opiniões “[...] pouco ortodoxas sobre reforma agrária que tem defendido mas não tem podido executar [...]” por incompetência e ingerência de Governos. Conforme ele próprio,

[...] estava fadado a permanecer no Brasil e continuar, de qualquer maneira cumprindo um destino que poderia ter importância quanto ao estudo e tentativa de resolução dos problemas sociais do povo brasileiro, indubitavelmente relacionados com a reforma do Setor Primário da Economia a qual deveria começar por uma verdadeira Reforma Agrária. [...] agora pouco mais haveria a fazer do que levar à prática tanto quanto possível, experiências e demonstrações da viabilidade e garantia de acesso do sistema proposto. Como norma básica apenas deveríamos lembrar o seguinte:

Com trabalho assalariado, na exploração dos recursos naturais de produção, não há condições de êxito real,portanto: organizar os trabalhadores e criar as condições de se poder trabalhar em regime coletivo-comunitário por conta e risco próprios sem patrões nem assalariados, isto sem preocupações de caráter político partidário.

Esse velho homem novo de cultura, então, permance no Brasil há 42 anos e continua sendo, sobretudo, um educador eivado de espírito de fraternidade ecumênica e espiritual que bem ilumina o pensamento de nossas ideias e nos leva a perceber um mundo outro e novo do qual não fazíamos ideia alguma.