A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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sábado, 31 de outubro de 2009

ESTRADA NACIONAL 103- A VIAGEM

Tarde e a más horas, mas o escriba cumpriu. Mais um textozinho daqueles de fazer chorar as pedras da calçada ou de soltar os pregos do crucifixo à força de gargalhada. Desta vez, nem uma coisa nem outra... Uma história de crime, suspense, humor negro e... final inesperado! Nas entrelinhas lá vamos tendo as ferroadas do costume à nossa sociedade pôdre e mal frequentada.
Sem mácula de nuvens, o céu apresentava-se estrelado e bem acompanhado por uma bela lua cheia que, generosa, se oferecia para iluminar o sentido do pavimento tosco e esburacado diante do tremeluzir fosco dos mínimos. O casal seguia na sua 4L de cavalagem estafada por duas décadas de uso intensivo esgrimindo, no seu interior, acusações, gestos e gritaria. Decididamente, ela não entendia porque não remendara ele uma desculpa, por mais esfarrapada que fosse, na enorme manta de retalhos em que se tornara a sua vida amarfanhada de dívidas e preocupações nos exíguos metros quadradados hipotecados ao banco, numa obscura e perigosa praceta atafulhada de carros num quarteirão de má morte na Rinchoa. Quem quer que fosse, chamasse os bombeiros ou gritasse “Ó da guarda” que a eles nem a santa da ladeira derramava sangue , lágrima ou piscadela de olho para ajudar. Ele, por seu lado, apesar do adiantado da hora, cismara na urgência do telefonema lá da terra e, só o facto de viverem apertados pela pressão constante das ameaças do gestor de conta, o fizera aventurar-se numa carcaça velha com fortes indícios de fadiga dos metais, pela estrada nacional. O pouco que lhes coubera das partilhas da morte da tia materna dera de sinal para o apartamento, estoirando o resto na renaukt 4L, à época, novinha em folha, mais brilhante que o aço das facas de trinchar do Augusto do talho 24. Não fosse a viagem dura e sinuosa a desoras e o encanto ímpar do percurso faria par com o estampado de estrelas só retratado com mestria igual em postais e guias turísticos. Já não a podia ouvir falar. "Vais depressa demais!... Matamo-nos antes de lá chegar!" Matar-se era coisa que não lhe passava pela cabeça, nem antes nem depois daquela prova de resistência à paciência de santo de que se munira à custa de dois brandys na estação de serviço. Sem dúvida que nem os santinhos do altar, alinhadinhos em sacrossanta disposição milimétrica, ficariam quietos pelo constante matraquear de avisos, ais, uis, sustos e resmungadelas ao longo da jornada. Olhava-a de soslaio e dava-lhe na veneta de pegar no calibre 9 mm entalado entre o tapete e as molas partidas do assento do condutor e desferir-lhe, à má fila, a canhonaça bem no meio da testa. Não fosse a imagem da massa encefálica a escorrer pelos vidros e salpicar os estofos lavados e aspirados na oficina do Carriço e não teria pejo dos trinta euros gastos na mordomia higiénica. Só a tinha trazido para não se deixar adormecer ao volante na frugalidade de conforto da máquina que, carregada com uma vintena de anos, se havia esquecido de aquecimento e leitor de CD’s. Aquele constante matraquear , contudo, era garantia suficiente de nervos em ebulição com visita inadiável ao centro de saúde para medir a tensão . Pior fora ter-se esquecido das cassettes do Dino Meira…No meio da serpentina de asfalto divisava, a custo, as sombras de pinheiros e carvalhos estratégicamente plantados em curvas sibilinas… Já faltava pouco, o único receio era que aparecesse a Brigada de Trânsito, o médio traseiro fundido e o atraso na inspecção eram motivos de receio mais que fundados para coima da grossa. "Que quereria a velha àquela hora? Uma chamada a meio da noite… teria algum dos primos acordado nas partilhas do belo pedaço de terra junto ao Rabaçal? Mas àquela hora? … Sentira-se mal? Teria o velho morrido? A vozinha dela estava estranha… A lua preenchia grossas fatias de asfalto na amarelice quase fundida dos mínimos alimentados a bateria a dar toque a finados. Dos cento e quarenta kilómetros percorridos na companhia de caracóis vermes e outras lesmas, faltava-lhe palmilhar a derradeira légua… Era questão de aguentar com estoicismo a ligeira subida ladeada pelo barranco e no cume, iniciar-se-ia a descida até à casa rural que ainda não tinha ido a sortes pelos irmãos.Olhou então para a rampa de estevas e arbustos que se apresentavam do seu lado direito. Alguns torrões e pedregulhos rebolavam em direcção à estrada. Um gande volume de forma rectangular rebolava com maior velocidade, desamparadamente, estacando no meio da via. Travou bruscamente. A chiadeira dos pneus, recauchutados desde a última folha perdida no calendário em que tinha recebido o décimo terceiro mês silenciara grilos, espantara morcegos e tornara ainda mais lúgubre o silêncio que invadira a zona. Só a tosse rouca dos cilindros se fazia ouvir naquele cenário fantasmagórico. A mulher começou então aos guinchos com avisos e alertas. Ele gritou-lhe meia dúzia de impropérios. Era estranha a forma daquele volume.- Dir-se-ia… hum…nah… - Pegou na pistola entalada entre o tapete e as molas partidas debaixo do seu assento e abriu a porta.- O que vais fazer homem? Contorna isso… o que quer que seja…- Tás parva mulher? Contorno o quê? Contorno e vamos pelo barranco abaixo que o espaço é curto! Estúpida! Fosses tu um fósforo e chegava-te o lume para alumiar a estrada… tá calada e…cala-te!De pistola em punho saiu do carro e avançou, receoso, um par de metros e de repente…- Não acredito!Lá de dentro, estirada sobre o tablier com a fronha colada no vidro a mulher guinchava: -Que é homem? Diz lá! O que é?- É um corpo!... É um homem… E parece morto! - Disse enquanto espreitava para o barranco.De repente… arregalou o olhar… ao fundo, a alta velocidade…
(CONTINUA...)

3 comentários:

José Pires F. disse...

E venha de lá a continuação que este suspense não me faz bem.

Abraço, Luís.

isabel mendes ferreira disse...

subscrevo.o comentário acima.





abraço.

Unknown disse...

PiresF, Isabel Mendes ferreira Obrigado! Andava a magicar esta história... Vou agora preparar a continuação, explicar como caiu ali aquele corpo...e o que vem lá ao fundo...o que será?
Mas o final então...parágrafos do mais puro humor negro com sorriso amarelo nas entrelinhas....estou em pulgas para chegar ao final...