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SENADO PARA QUÊ...?
Bem diz o dito que a corrente sempre se rompe no elo mais fraco. Com efeito, na difícil democracia brasileira, que um General Presidente certa vez propôs, a seu gosto, moldar como "democracia à brasileira" está se rompendo no elo do Senado Federal. Sim, porque a crise do Senado pode não levar ao velho golpe militar, mas leva, o que é muito ruim, à desmoralização das instituições, o que corrói as convicções democráticas.
A questão democrática não se reduz à um, dois ou três requisitos: voto secreto, direto e universal, liberdades públicas ou regime constitucional. A construção da democracia é um longo, complexo e tortuoso caminho através do qual esses - e outros elementos - vão se combinando de forma a assegurar, no plano individual, um processo de autonomização do sujeito histórico e, no plano coletivo, sua plena representação na construção histórica de um ente abstrato, o Estado, mas dotado da materialidade para impor-se sobre a sociedade. O indivíduo necessita da liberdade para se fazer representar e a sociedade de um instrumento que se legitima no processo de representação para definir os limites de cada um, nem que seja pelo uso da força. Nem sempre coabitam liberdade e necessidade. Nem sempre caminham juntos. E nem sempre o resultado é ideal. Aliás, estamos longe ainda de sociedades que se poderiam definir como capazes de assegurar a plena autonomia dos seus sujeitos históricos, com um Estado que se pudesse dizer que está isento da clivagem da dominação de alguns sobre outros. Por enquanto, ainda, todos os indivíduos permanecem, em grau maior ou menor, sob a tutela dos valores sob os quais nasceram e viveram e todo o Estado , de uma ou outra forma, é um instrumento de poder e dominação de uns sobre outros. Talvez a democracria seja, como o ideal de justiça ou verdade, um mito que perseguimos incansavelmente.Talvez, como diz um autor contemporâneo ela sempre seja uma "democracia fugidia..."
Assim sendo, nossa democracia não é só frágil, recente e difícil. Ela é um produto histórico em "fazimento", como teria dito Darcy Ribeiro.
Estamos longe do construto do sujeito político perfeito, algo similar ao consumidor da Teoria Econômica. Grande parte da nossa população é mal formada por séculos de submissão aos ídolos do conhecimento que a enclausuram no mundo da carência, do qual emergem, ora como beneficiários do clientelismo coronelista, ora pelo clientelismo do Estado , através de institutos como FUNRURAL, na época do regime militar, ou do BOLSA FAMÍLIA, mais recentemente. Além da ignorância, essa parcela da população é permanente desinformada , esse o sentido da má informação, por veículos de comunicação sob o controle de oligarquias políticas. Não havendo sujeito perfeito, nem um sistema de comunicação perfeito capaz de construir sua autonomia (auto-nomos=auto-regulação) esse sujeito - um sujejto qualquer - fica à mercê do que os italianos chamam de qualunquismo: Collor, Lula etc.
Como romper esse círculo vicioso que impede a democracia brasileira de se aprofundar?
Primeiro passo: Desmontar os mitos que a cercam. Democracia, em primeiro lugar, não é voto na urna, embora isso lhe seja inerente. Mas essa é uma condição necessária, não suficiente. Depois ir desmontando, um a um, todos os demais mitos que nos impedem de ver o que deve ser feito. Cidadania, por exemplo.
Fala-se muito em cidadania no Brasil, mas historicamente a cidadania - nesse país- foi um processo de aquisição das graças, no começo da Coroa portuguesa, mais tarde, dos coronéis do Império e da República Velha, hoje do Estado Providencial. Ser cidadão, nesse país, desde os tempos coloniais era não só estar dispensado de trabalhar para ganhar a vida, mas, o que é pior, estar obrigado a não trabalhar (Pasmem! É isso mesmo...!) para continuar cidadão. Isso é cidadania...? Outro mito é dos Partidos Políticos: Pensa-se que só é possível construir a democracia através do monopólio da representação por Partidos Políticos. Isso é invencionice. Há mil e uma maneiras através das quais se pode desenvolver um processo autêntico de representação. Um autor moderno, Boaventura de Souza Santos, mostra a importância dos novos agentes sociais e políticos na tecitura da história contemporânea. Por que, por exemplo, um Presidente da CUT tem que entrar num Partido, seja ele qual for, com muito menor densidade social e de representatividade que a CUT, para se candidatar? Por que o MST não pode eleger diretamente seus representantes. Por que enfim, representações legítimas da sociedades não podem ser eleitas por seus próprios colégios? A Constituição de 1934, por exemplo, inovou nesse sentido, colocando representações classistas na Constituinte e, curiosamente, é mal-vista por isso mesmo. A democracia, enfim, para se construir entre nós tem que derrubar tabus e se propor como um problema em si, digno de debates e novos rumos e não como uma fórmula. Há duzentos anos Bolivar e San Martin fizeram esse dabe. Há pouco mais de um século Domingo Jose Sarmiento e Jose Marti o retomaram. Mas hoje condenamos numa penada o ato de Hugo Chaves controlar os meios de comunicação como se ele fosse um primitivo ditador. E como se pensar na construção da democracia sem discutir, além dos (maus) hábitos e (cínicas) convenções, as próprias instituições tanto da dita sociedade civil , como do Estado no Brasil?
E aqui me reporto ao começo desse artigo: Para que serve o Senado Federal na construção da democracia brasileira?
Respondo, contrariando meu velho amigo e respeitável Mauro Santayanna: Para atrapalhar. Atrapalhar o aperfeiçoamento da democracia brasileira. Atrapalhar o processo legislativo. Atrapalhar o debate sobre a Reforma Política que necessitamos. Atrapalhar até o federalismo que se pretende representar.
O Senado é teoricamente definido como a garantia da federação.
Mas que federação é essa, onde mais de 60% dos recursos fiscais são controlados pela União, com o agravante de que ela detém o incrível poder de emissão compulsória da moeda nacional. Ficasse o Poder Central só com essa atribuição, já que lhe sobra um suposto senso de preservação do poder de compra da moeda (inflação) e já seria muito. Estados federados, no Brasil não têm autonomia nenhuma, não têm poder algum, e ao "sobrar"no embate entre União e Municípios se acumulam de funções artificiais e onerosas. Viram excrescências, com poucas exceções que sobrevivem pela inércia histórica. É tempo, aliás, de se começar a pensar num estatuto verdadeiramente federativo- e de autonomias regionais - para esse Brasil imenso, com diferenças imensas entre si e com particularidades como o Rio Grande do Sul, que talvez tenha tão pouco - histórica e culturalmente - a ver com o que se chama Brasil , como o Amapá.
Mas que representação federativa é essa do Senado Federal que se sobrepõe aos próprios Governadores, bem ou mal, representantes de seus co-estaduanos?
Na Inglaterra, pelo menos, a Camara dos Lords (Alta???) , de onde se espraiou a idéia do Senado através da experiência americana, não tem uma ingerência
direta sobre o processo legislativa. Aliás, lá , ninguém leva aquilo a sério e todos sabem que ela cumpre um papel simbólico num país onde os símbolos têm relevante papel na cultura política.
Que garantia federativa é essa que recolhe em seu seio o que há de pior no processo de representação política que são os tais suplentes dos Senadores, muitas vezes afilhados, motoristas , como já foi o caso de um Senador maranhense, financiadores, como foi o caso de Luiz Estevam com um moleque milionário de Brasília, um cabeludo desconhecido, ou esse último Presidente da Comissão de Ética, nobremente denominado "Duque"?
Quero dizer que o Senado Federal federal no Brasil é uma palhaçada e por isso emerge, agora, como epicentro da crise política. Transformou-se num entrave à discussão da questão política e democrática no Brasil como se fosse indispensável à sua consolidação. Pena que os melhores analistas evitem o tema e continuem a repercutir diatribes entre os Senadores. Ou a OAB, que em recente Manifesto exige a renúncia coletiva de todos os Senadores. Mas em nome de quê...?O que está em questão, no Brasil, não é o Senado, que há tempos já deveria ter sido substituído, como instrumento do federalismo, por outros mecanismos mais modernos e representativos, nem o Sarney, mas a própria "praxis" política nesse país, sempre dispensando uma reflexão mais profunda sobre seus fundamentos; sobre as instituições políticas como Partidos, Sindicatos e "Conselhos Profissionais"cartoriais ; sobre uma concepção mecanicista e pouco estudada de Estado versus Sociedade Civil ; sobre a cultura de cidadania como obtenção das "graças"do poder instituído; sobre o processo de representação; sobre a construção de sujeitos políticos senão "perfeitos", mais (+) capazes de deliberar com autonomia sobre o seu destino histórico.
Pelo fim do Senado rumo a representação unicameral!
Paulo Timm
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terça-feira, 11 de agosto de 2009
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