A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

À LAS CINCO EN PUNTO DE LA TARDE...




Tinha para aí eu seis ou sete anos, segundo me contavam os meus pais, quando fui a Madrid pela primeira vez. O meu pai fora convidado a expor por lá alguns quadros seus, e, numa tarde quente de verão, fomos aos touros, na principal praça do país. Devereria ser Las Ventas. Casa cheia, isso lembro-me bem. E touros de morte, me disseram depois. Entrado e lidado o primeiro, chegou o momento da verdade, e lá foi o animal tirado da praça já cadáver, arrastado por cavalos. Recordavam os pais que o meu choro foi mais que muito, apiedado da sorte do negro, mas tudo se aquietou com a entrada de um novo animal, preto e reluzente como o anterior. “Vês?, não lhe aconteceu nada de especial, apenas foi até lá fora e já regressou.” Pois, está bem, não fiquei muito convencido mal lá passou, até que, em vez do negro, volta um castanho que nada tem a ver com o anterior. Aí tiveram e contar-me a verdade e eu de a assumir.
A verdade é que as touradas me dividem. Ainda hoje. É um espectáculo bárbaro, é! É um espectáculo fascinante, é! Ver cavalo, cavaleiro e touro a dançarem entre si, na solidão da arena, uma dança que pode ser de morte, nesse agressivo jogo de esconde e descobre que não permite um segundo de distracção; ver o touro investir para o forcado que o cita de cabeça levantada, numa demonstração de coragem perfeitamente gratuita, é certo, que se esgota ali mesmo, no momento da vitória ou do derrube; ver o matador, de simples capa na mão, olhar o animal enfurecido, avançar com a capa docemente, oferecê-la à investida, relancear capa e corpo e rasurarem ambos, touro e toureiro, por segundos, que se prolongam no ar cortante da tarde de calor ou da noite tépida; olhar o colorido dos brocados dos fatos, o branco das calças acetinadas, olhar os cavalos naquela nervosa elegância altiva com que entram na praça e se colocam à espera da saída do touro, frente ao curro negro, quinhentos e tal, seiscentos quilos de carne, músculos, ossos e cornos afiados que se soltam à desfilada ou deslizam suavemente para a claridade da arena…Estes são momentos únicos de um espectáculo bárbaro que nos coloca nos extremos da nossa própria humanidade.

Não vou muito à tourada, é certo, talvez por tentar combater dentro de mim o apelo que não entendo. Uma ou duas vezes por ano o apelo é irresistível, sobretudo se a corrida for promovida pelo Sporting. Ontem lá estive, no Campo Pequeno, bem por detrás do director da dita (por alguma coisa ele tem aquele lugar!), apreciando João Moura Jr., que me pareceu brilhante, assegurando a um nível muito alto o futuro da arte de tourear a cavalo em Portugal, bem assim como outro jovem, João Ribeiro Telles Jr., também ele a dar cartas e a prestigiar a corrida à portuguesa. O terceiro da noite, Joaquim Bastinhas, pareceu-me o cavaleiro em noite mais apagada, mas também optando por um toureio carregado de rodriguinhos que pode agradar a turista mal informado, mas se reconhece algo como mais para inglês ver do que arte de imposição pessoal. Os forcados foram esforçados e nalguns casos brilhante (e, num caso mesmo, calamitosos).

Em jeito de homenagem à tourada, um texto de Luis Fernando Veríssimo, um escritor brasileiro que muito prezo, e que diz das touradas, o que eu não conseguiria dizer. Aqui fica com a devida vénia ao brilhante cronista:

Don Jesús nos leva a visitar Las Ventas, a plaza de toros de Madrid, inaugurada em 1934 e uma das belas construções públicas da cidade. Ela substituiu a Plaza Vieja, inaugurada em 1874, que por sua vez tinha substituído a da Puerra de Alcalá, do século XVIII. Durante muito tempo as touradas de Madrid se realizaram em praças públicas e as mais importantes, feitas em honra à realeza, aconteciam na Plaza Mayor, no centro da cidade. Hoje Las Ventas é considerada a arena mais importante do mundo dos touros. A temporada madrilena começa no segundo domingo de Março e vai até o penúltimo domingo de Outubro, e inclui a famosa Feira de San Isidro, 27 dias consecutivos de corridas durante o mês de Maio e parte de Junho. Como já estamos no final de Outubro, não há actividade em Las Ventas. Caminhamos em volta do imponente edifício deserto, imaginando como seria o movimento de público num dia de grande tourada. O público de Madrid tem fama de ser o mais exigente e crítico da Espanha e tourear na capital é uma prova que todo diestro deseja e teme.

Na praça em frente à arena há uma estátua curiosa: um toureiro reverencia Alexander Fleming, o inventor da penicilina.
Pequena digressão clínica. Viajei para a Espanha literalmente tomado por uma reacção alérgica a um antibiótico receitado para sinusite. O que começara como uma incómoda comichão no glúteo se alastrara por toda a pele, que parecia queimada pelo sol. Comecei a descascar. Passei todo o tempo em Madrid largando pele, o que - além de certamente intrigar as camareiras do hotel, que encontravam pedaços de papiro nos lugares mais estranhos - causou alguns transtornos. Troquei toda a minha pele. Saí da Espanha outro homem, pelo menos na superfície. Tudo porque não notei o que o antibiótico ingerido continha a invenção do dr. Fleming, à qual sou alérgico. Milhares de toureiros devem sua vida a Fleming. Antes da penicilina, a maior causa de morte entre eles não era a chifrada do touro, mas as bactérias introduzidas no organismo pelo chifre. Só o respeito a essas vidas poupadas me impediu de sair correndo e dar um pontapé na estátua.

O Museu do Touro de Las Ventas também aderiu às homenagens a Goya e exibe cópias das suas gravuras sobre touradas, a série Tauromaquia. Entramos juntos no pequeno museu. Goya não espera eu começar a falar. Se adianta. “Já sei o que você vai dizer. Luz e sombra. Festa e crueldade. Os contrastes da alma espanhola resumidos num terno de luzes sujo de sangue. A tourada como a grande metáfora da nossa ambiguidade nacional. Poupe seu fôlego. as gravuras desta minha série são apenas exercícios de estilo. Amostras do meu domínio técnico sobre o material e o efeito. Exibicionismo, se você preferir”. Lembro que Goya declarou certa vez que tinha toureado na sua juventude, embora não exista nenhuma evidência disso. O ponto de vista das suas gravuras de touradas é sempre no chão. O artista está dentro da arena. Goya, o toureiro frustrado, estaria comparando sua arte com a arte dos toureiros, a sua destreza com a deles. Mas era mais do que isso. A série Tauromaquia é o trabalho mais despojado de Goya. As cenas são de acção, e ao mesmo tempo têm uma certa solenidade estática, uma consciência de que significam mais do que mostram. As gravuras são de lugares identificáveis e factos reais - algumas são recriações de momentos famosos na história das touradas - mas nelas touro e toureiro também estão num universo esparso, retirados da realidade reconhecível e de qualquer artifício para serem símbolos sobre um palco nu. Símbolos de quê? O touro representa a natureza bruta, o que não tem regras, o instinto. O toureiro age dentro de rígidas regras e convenções, com movimentos estudados e razão aplicada. Como o fim desse encontro de opostos é a morte - do toureiro implicitamente, do touro certamente -, ele tem um carácter de definição final, uma forma extrema de despojamento. Num rude desporto popular, repudiado pelas pessoas sensíveis do seu tempo e das suas relações, Goya retratava uma reincidente dramatização da peculiar divisão espanhola entre emoção e controle, paixão e forma. Na tourada o controle e a forma vencem o instinto sempre, a não ser quando permitem que um touro especialmente valente saia vivo da arena e se aposente, mas a questão precisa ser redefinida a cada nova corrida. Noto que a análise desagrada Goya e decido não acrescentar a complicação que me ocorre: o touro representa o feminino e o toureiro, mesmo com todas as luzes da sua roupa apertada, representa o masculino, a civilização que se impõe à natureza selvagem ao mesmo tempo que é ameaçado e fascinado por ela. Não quero provocar o escárnio de um fantasma, no entanto, e deixo a tese para lá.

Ernest Hemingway era um apaixonado pela Espanha em geral e pela tourada em particular. Seu livro sobre touradas, “Death in the Afternoon”, foi lançado em 1932, antes da Guerra Civil e da construção de Las Ventas e não muito depois do governo ter decretado que os cavalos usados pelos picadores fossem protegidos das corneadas do touro, para evitar o que a maioria do público não-espanhol considerava a parte mais repugnante do espectáculo: as vísceras do pobre animal despejadas na arena. Os cavalos não morriam mais, mas o sanguinário Hemingway não concordava muito com esses pruridos. No livro ele compara o gosto pela tourada com o gosto pelo vinho. Uma educação na apreciação da tourada se equivale a uma educação em vinhos. Para o iniciante, o que atrai na tourada é o pitoresco e o supérfluo, o que equivale a uma preferência por vinhos doces e suaves. Só com o tempo a pessoa começa a distinguir o essencial da tourada do meramente pictórico, assim como só com tempo se adquire o paladar para um denso e profundo grand cru. O essencial da tourada é a tragédia ritualizada e para que esta fosse completa as vísceras na areia eram necessárias. Hemingway comparava o horror de espectadores com os cavalos eviscerados a uma renitente queda por algum frisante menor. Na Calle Cuchilleros existe um bar que anuncia na frente, com destaque: “Hemingway não comeu aqui”. Não entramos para saber se havia uma mesa específica à qual Hemingway nunca tinha se sentado, quando não ia ao bar. É uma reação ao turismo-lugar-comum, mas duvido que faça muito sentido para os turistas jovens de hoje. Hemingway na Espanha, a Guerra Civil, Por quem os Sinos Dobram, Ingrid Bergman de cabelo cortado no mesmo saco de dormir com Gary Cooper... O que tudo isso significou para uma geração é difícil explicar para outras, quanto mais transmitir. Mas para pessoas de uma certa idade, passear por Madrid é um pouco, passear pelos anseios, os terrores e a literatura de toda uma época. Para uma geração, a Espanha representou o que a plaza de toros representa nas gravuras de Goya, um palco de definições, um lugar onde opostos se engalfinharam e a razão e a barbárie também dançaram o seu balé inconclusivo.
Quando deixamos Las Ventas Goya não está ao meu lado no carro do sr. Jesús. Imagino que tenha ficado no meio da arena, fazendo verónicas para touros imaginários, sob o olhar atento de Manolete, Belmonte, Joselito e outros fantasmas, e ouvindo os olés das arquibancadas vazias. Está certo em não me querer por perto. Essa é uma cerimônia só para espanhóis, por mais que os estrangeiros como Hemingway pensem que a entendem.
A paixão de Hemingway pelas touradas é bem conhecida. Foi tema de “Morte ao entardecer”, de 1932, e voltou a ser fonte de inspiração em 1959, quando retornou à Espanha, contratado pela revista “Life” para escrever um artigo sobre o tema. Claro que toda essa paixão não poderia se resumir a um simples artigo, virou uma grande reportagem sobre a tauromaquia, a arte de tourear. “O verão perigoso”, que está sendo relançado pela Bertrand Brasil, é a crónica de uma temporada excepcional, marcada pela rivalidade de dois mitos: Antonio Ordoñez e Luis Dominguín, na narração vigorosa de um amante da "dança da morte".
Sobre este livro, recentemente lançado no Brasil, e que eu não li, apesar de ser um fervoroso adepto da escrita descarnada e jornalística de Hemingway, e de ter lido quase toda da obra na miha adolecencia, Thaís Tibiriçá escreveu:
“Neste mês, a editora Bertrand Brasil lança um dos seus últimos livros, O verão perigoso, escrito aos 60 anos num momento onde o sentimento da morte estava muito presente em sua vida. Em 1959, Hemingway retorna à Espanha - sua segunda casa - através de um contrato com a revista Life para escrever um artigo sobre touradas. Uma paixão antiga que o fez escrever Morte ao Entardecer, considerado pela crítica uma obra-prima.
O autor relata a temporada de touradas de 1959 de forma semelhante ao que consideramos hoje jornalismo literário. A dança da morte, como denominava, vai destacar os toureiros Antonio Ordónez e Luis Miguel Dominguín, personagens principais desta história que tem como belo pano de fundo as regiões mais famosas da Espanha.
A tauromaquia - arte de tourear - será transcrita com precisão comprovando toda sua experiência jornalística e seu estilo. As descrições causam alguns arrepios, principalmente nos golpes ferozes dos touros, como um na nádega esquerda de Ordónez. O leitor que nada sabe sobre esta arte (aí depende da visão de cada um), conseguirá entender melhor o assunto, que se completa com a introdução do escritor James A. Michener. E com o glossário, que fica no final do livro, com as principais palavras da área - usadas a todo o momento pelo escritor.
O espírito das touradas é a busca constante de Hemingway, que tenta com seus sentimentos aflorados passar um pouco da vida e forma de pensar destes matadores - ou suicidas (como cada um queira).”
Ernest Hemingway: "O sentido da tourada é, para o toureiro, vencer a si mesmo, ao medo da morte. É deixá-la, a morte, se aproximar o mais possível, o mais imaginavelmente possível, e manter os pés fincados no chão, só se desviando no último instante. È portar-se com honra e arte, enquanto aquela potência da natureza, pesando meia tonelada e dotada de chifres capazes de rasgar ao meio uma pessoa e lançá-la nos ares, passa rente a eles".
"Mas o homem não é feito para a derrota. Um homem pode ser destruído mas não derrotado."


Lauro António


Fonte: Touradas.

3 comentários:

Renato Epifânio disse...

Gostei do texto. Fora os aspectos mais pessoais (que não a referência ao Sporting!), seria capaz de subscrevê-lo por inteiro...

Paulo Borges disse...

É muito mais nobre vencer o medo da morte sem sacrificar a vida de outro ser.

Rasputine disse...

A realidade já é tourada que chegue.