Publico a entrevista concedida ao Jornal de Leiria, que será utilizada na edição de 6ª feira.
- Como caracteriza o povo português?
Talvez a maior característica do povo português seja ser incaracterizável, o que não é necessariamente negativo, pois é isso que nos tem permitido a flexibilidade de conviver e dialogar com todos os povos e culturas. Somos um povo oceânico, com um grande poder de metamorfose.
- De onde vem a identidade que faz dos portugueses um povo desorganizado, mas lutador?
Não creio que existam “identidades” individuais e colectivas, no sentido de entidades com características permanentes, independentes das interacções e do devir histórico. Gosto todavia de recordar a definição dos lusitanos pelo romano Gaius Julius Caesar, como o “estranho povo” “que não se governa, nem se deixa governar”. Haveria assim, numa linha dos nossos antepassados, um fundo libertário e an-árquico, pelo menos na perspectiva de um representante da Pax romana. Isto não impedia que os lusitanos se unissem, quando ameaçados na sua independência, em torno de um chefe carismático, como Viriato. Creio que foi esse mesmo amor à independência, aliado a factores culturais, que originou Portugal e que o manteve contra as tentativas de integração em Castela. Foi isso que nos recortou fronteiras e que, depois, nos fez romper essas mesmas fronteiras, tornando-nos viajantes e habitantes de todo o mundo.
Hoje, todavia, parece que essa insubmissão e arrojo escasseiam, o que parece acontecer sempre que não somos confrontados com situações de grande opressão, risco ou desafio. Deixamo-nos governar por minorias, como acontece em toda a Europa, pois a maioria abstém-se nas eleições. O impulso lutador não surge a nível de um projecto colectivo, que manifestamente não existe, não havendo também um líder carismático que se imponha pelo seu exemplo e visão. A capacidade de luta confina-se a indivíduos e grupos que pugnam apenas por interesses particulares, na cultura, na política e na economia.
- Os povos latinos são mais descontraídos que os nórdicos. Terá a ver com o clima, meio ambiente, o que oferece a natureza...? Ou serão outras razões?
O clima e o meio ambiente são factores importantes, que já Aristóteles reconhecia como diferenciadores dos povos. Todavia há também factores culturais e étnicos. Agostinho da Silva, na linha de Max Weber, salientou a influência da mentalidade protestante no culto do trabalho que haveria de fazer surgir o capitalismo no norte da Europa. Eu iria mais longe, considerando que o voluntarismo bélico das invasões indo-europeias impregnou mais o Norte da Europa, enquanto o Sul permaneceu mais mesclado com as culturas indígenas e semitas, mais contemplativas e ligadas aos ritmos da terra.
Dito isto, é evidente que o espírito mais activo e organizado dos nórdicos é uma mais-valia quando posto ao serviço de boas causas, como a cidadania, a ecologia e a protecção dos animais, em que superam largamente os povos latinos.
- A era dos Descobrimentos marcou a nossa cultura? Foi por tudo o que passámos que somos aquilo que somos hoje? Que 'marca' terá deixado essa época?
Aquilo que vamos sendo é sempre, no presente, fruto do que fizemos no passado e do que desejamos ser no futuro. Os Descobrimentos marcaram-nos profundamente, deixando sobretudo a saudade de um apogeu e de uma grandeza que, a meu ver, não são apenas do poder e da riqueza material de que fugazmente usufruímos no mundo, mas sobretudo, embora inconscientemente, de havermos vivido e convivido à escala do planeta. É por isso que o pequeno Portugal e a limitada Europa não nos podem satisfazer plenamente. O problema é que, em vez de assumirmos o sentido mais fundo do nosso desejo de grandeza, andamos em busca de vãs compensações do nosso sentimento de carência, como sermos campeões do mundo de futebol, termos a maior ponte, o maior centro comercial, etc. Querer ser grande é o sintoma de quem se sente menor por não reconhecer o que há, desde já, de grande e insuperável em si.
- De que forma a cultura e maneira de ser dos portugueses condiciona o que são e o que serão no futuro?
Pelo que já disse, somos um povo que, embora actualmente estagnado, em termos colectivos, é todavia imprevisível. Creio que tudo depende de assumirmos um grande desafio colectivo, que nos leve a superar-nos e a darmos o melhor de nós mesmos para o realizar. Olhando para o mundo de hoje, só vejo como desafio digno de o ser o vivermos não apenas para nós, nem somente para os nossos próximos pela história, língua e cultura, mas para o bem comum de todo o planeta e de todas as formas de vida. Uma pequena nação como Portugal pode tornar-se grande pela promoção de um grande ideal universal, benéfico para todos, como a defesa da natureza, do meio ambiente, dos direitos humanos e dos direitos de todos os seres vivos, com todas as consequências culturais, sociais, políticas e económicas disso. Esse é o melhor desafio que Portugal e o mundo lusófono podem assumir, na linha do que sobre eles pensaram Camões, Vieira, Pessoa e Agostinho da Silva. Costumo chamar a isto o patriotismo trans-patriótico e universalista. Colocar o melhor da nossa cultura e das nossas energias e potencialidades ao serviço da felicidade e bem-estar de todos os seres. Só assim poderemos ser um dos embriões dessa nova civilização a que todos no fundo aspiramos, miticamente designada como Quinto Império. Sem isso, pouco nos resta senão sermos uma reserva turística do mundo, no limbo da grande encruzilhada que hoje se desenha entre as forças do obscurantismo mundial e esse novo paradigma emergente nas consciências mais despertas.
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra).
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa).
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286.
Donde vimos, para onde vamos...
Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)
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terça-feira, 9 de junho de 2009
O grande desafio de Portugal: o bem comum do planeta e de todas as formas de vida
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11 comentários:
HETEROGENEIDADE
Arrasto no meu sangue por herança
de inumeráveis povos europeus
em conjunção com mouros e judeus
um não sei quê de atávica lembrança.
Na minha condição de português
não tenho raça propriamente dita,
o que não constitui qualquer desdita
mas antes um motivo de altivez.
Ufano-me de ter de todos eles,
além do tom das respectivas peles,
uma certa mistura de feições.
Se tal confere carta de nobreza,
tenho um lugar à parte entre as nações
por minha heteroigénea natureza!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Uma pergunta: Existe alguma Declaração dos Direitos de Todos os Seres Vivos, ou dos Direitos dos Animais, que tenha sido aprovada e sirva de referência, pelo menos, às organizações afins?
Quando se fala desses direitos o que se está a dizer exatamente?
Para uma pergunta estúpida... só haveria uma resposta igualmente estúpida, que deixo ao seu critério.
Caro João de Castro Nunes, apelo à moderação... É a pergunta de um amigo, que tem toda a legitimidade para a fazer.
Caro Luís, em termos éticos, considero que todos os seres sensíveis, pelo simples facto de terem como fundamental interesse o bem-estar e a ausência de sofrimento, têm o direito de não serem sujeitos ao que não desejam. Assim pensam hoje muitos autores, como Peter Singer e outros. Assim pensaram entre nós Sampaio Bruno e Agostinho da Silva, entre outros. Assim o disseram os grandes mestres da humanidade.
Quanto aos documentos, há vários que podes ver referidos no Manifesto do Partido Pelos Animais: www.partidopelosanimais.com
Saudações a ambos e que predomine entre nós e neste blog a amizade e a cordialidade, por mais diversas e opostas que sejam as ideias.
Caro Paulo,
Devia existir uma Declaração que pudesse ser internacionalmente reconhecida como as outras a que fiz referência.
Caro João,
já tem idade para um pouquinho de boa educação.
Como vê não é em soneto, mas rima.
Luís, os documentos referidos no Manifesto foram objecto de consenso, embora não fossem naturalmente ratificados por todas as nações. Seja como for, os valores e direitos éticos não precisam de reconhecimento para existir.
Hoje a questão é esta: refundar tudo, desde a religião à política, em valores mais amplos, universais. A alternativa é continuarmos na estreiteza mental e na marcha fúnebre deste mundo. E a isso o MIL, se não "abrir a pestana", não escapa... Não se pode ser alternativa sem ruptura radical com a ordem dominante que é a da estreiteza do pensar e do sentir.
Está tudo muito certo, mas aquele comentário imediatamente a seguir ao meu poema era, no mínimo, susceptível de constituir uma intencional provocação. Se mal interpretei, apresento desculpas. Que a moderação seja a nota dominante de quantos navegam nestas águas. Moderação com respeito e nobreza de atitudes.
Assim seja, amigo João.
"LIÇÃO DE TOLERÂNCIA"
(AO Prof. Erik Trinkaus)
Dou-lhe toda a razão, sinceramente,
insigne Professor, pela censura
que faz ao mundo de hoje, à nossa gente,
de acordo com a sua conjectura.
Embora exista alguma discordância,
tudo faz crer que entre os Neandertais
e os nossos mais antigos ancestrais
houve uma relativa tolerância.
Contrariamente a nós, civilizados,
onde o racismo ainda é uma praga,
eles nos dão lições... que nada paga.
Tratando-se de ramos afastados
da espécie humna em franca divergência,
nada se opôs à sua convivência!
JOÃO DE CASTRO NUNES
O MENINO DO LAPEDO
(Ao Prof. João Zilhão)
Numa bela manhã de primavera
numa caverna escura como breu
algo de nunca visto aconteceu
e que somente agora se soubera.
A fim de se abrigarem da friagem
insuportável que fazia fora
um neandertal entrando se enamora
de ignota e feminina personagem.
Era uma sapiens que se extraviara
do respectivo bando e que entretanto
naquela mesma gruta se acoitara.
Meses depois, para geral espanto,
desse fortuito encontro resultou
o estranho ser que há pouco se encontrou!
JOÃO DE CASTRO NUNES
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