
Quando me foi sugerido escrever sobre a minha freguesia admito que, ao princípio, nada me ocorreu. Não sei porquê mas as memórias por vezes fogem-me desde que abandonei a minha terra, o cérebro enche-se de informação sobre o local onde me encontro, novos nomes, novas ruas, novas pessoas, um novo mundo a processar, um novo mundo que empurra o velho mundo (neste caso o Faial, mais precisamente o Capelo) para o inconsciente. Fiquei apreensivo, quase deprimido, mas eis que me começaram a voltar as memórias. O curioso? O editor deste jornal e a sua família fazem parte de uma boa parte das agradáveis que me foram surgindo, desde tenra idade.
O título do texto não é inocente, “entre a chama e o bosque” ocorreu-me precisamente desses convívios entre a minha família e a do editor no Parque Florestal do Capelo, entre a “chama” das fogueiras que nos assavam o jantar e o “bosque” subjacente onde brincávamos eu, o meu irmão, e os filhos do Heitor.
Recordo toda a parafernália da véspera destes convívios, temperar a carne, o esforço para imitar dentro do possível o famoso pão com alho do Frank Vargas - outra presença quase permanente nas memórias que me têm vindo a afluir – e sei lá mais o quê, o bosque (ou mata, se preferirem) complementava essa chama que por vezes nos aquecia e secava, vítimas éramos da inconstância do clima açoriano.
Já na adolescência sucedeu o que sempre sucede: o lugar anteriormente ocupado pela família é substituído pelo dos amigos. Aqui a constância das chamas e as conversas, jogos e discussões no bosque mantiveram-se e aprofundaram-se, Domingo sim Domingo não, por vezes ao Sábado, parte dos meus melhores amigos oriundos de toda a ilha – da cidade da Horta até aos Cedros – rumavam ao Capelo para a nossa comemoração, o nosso ritual, uma rotina que nunca sentimos como tal.
A chama e o bosque mantêm-se ainda na idade adulta, nos petiscos nas adegas espalhadas entre o Varadouro e o Norte Pequeno, os serões com música – alguns culminando em longos passeios nocturnos na “recta das malhas” ou mesmo no areal do Vulcão dos Capelinhos.
Fui da não-recordação à abundância de recordações, a primeira vez que me deitei num leito de musgo no Monte Queimado e ali vi o pôr-do-sol, as piscinas de pedra natural, as festas do Varadouro, o cheiro do mar na costa, o cheiro das matas dos meus tios e avós, inundo-me de sensações e quase esqueço o nevoeiro quase constante do Areeiro.
Agora o que mais recordo é o verde do bosque e a chama que sinto é a do Capelo propriamente dita, a terra que abandonei mas que permanece ali, faz-me viver livremente seguro de que, caso algum dia tudo me falhe, permanece a freguesia vulcânica como o meu último porto de abrigo.
Avenida Marginal
Ano 2, Nº 3, 29 de Maio de 2009
3 comentários:
Deve ser um lugar bonito. Nunca estive nos Açores. Já esteve para contecer mais que uma vez mas depois os acasos levaram-me para outras partes.
(acontecer)
"That's not Portuguese food, it's Azorean, it's diferent":
http://www.youtube.com/watch?v=cBigV1P2kwo
Enjoy, documentário em 5 partes.
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