A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
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Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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domingo, 31 de maio de 2009

Uma proposta de exercício prático

Hoje é dia de Pentecostes e, de partida para a Festa do Espírito Santo, na Arrábida, deixo-vos uma proposta de exercício que nos permita ir para além das meras palavras em que tanto nos enredamos, por mais belas e justas que possam ser. É um excerto do meu livro Da Saudade como Via de Libertação e uma proposta de acção que nos pode efectiva e radicalmente mudar, a nós e ao mundo, sem sairmos do lugar onde estamos, de forma mais eficaz que mil acções exteriores, sem contradizer estas, sempre que necessárias. Caso queiram fazer a experiência, boa prática!

[...]

Além dos exercícios anteriores, que desenvolvem na mente a sua qualidade inata de atenção, tornando-a estável, calma e clara, para que possa permanecer no reconhecimento-fruição da sua natureza primordial, outros há que despertam e desenvolvem, como indispensável complemento dos primeiros, a qualidade inata de sensibilidade, amor e compaixão que há nessa mesma natureza primordial da mente. Um dos mais potentes e eficazes é o que passamos a descrever e que se pode chamar troca.

Verifica primeiro os sete pontos da postura física, assegurando teres a coluna bem direita. As mãos podem ficar agora sobre os joelhos, com as palmas viradas para baixo. Começa por deixar a mente livre de qualquer referência e focalização, numa abertura da consciência tão vasta como o espaço, sem outro suporte da atenção senão a própria experiência de estar consciente. Deixa-te residir na experiência primordial, sem pensares nisso. Centra agora a consciência no coração e evoca aquele ser (ou seres) que neste preciso momento mais amas e/ou pelo qual mais te compadeces. O ser cuja felicidade mais desejas e/ou cujo sofrimento mais te é insuportável. Isto de modo mais autêntico, incondicional e pleno, com menos expectativas de reconhecimento, retribuição ou recompensa, ou seja, com menos apego. Esteja vivo neste mundo ou dele haja já partido, não importa. Se sentires que és tu próprio, não há qualquer problema. É por aí que deves começar.

Pensa nesse ser e sente-o, vê-o, visualiza-o bem presente diante de ti. Ele aqui está, porque a mente, o amor e a compaixão não conhecem tempo nem espaço… Para eles nunca há limites, separação ou distância…Ele aqui está… Podes agora fechar os olhos, se preferires, para melhor o ver e sentir, bem vivo e presente diante de ti… Bem vivo e sensível. Considera e sente todo o seu sofrimento, toda a sua dor e suas causas, todas as suas ilusões, obscurecimentos e negatividade…Todos os seus tormentos e dificuldades materiais, físicos, emocionais e mentais…Os que conheces e os que desconheces, os reais, os potenciais e os possíveis, as sementes de negatividade, implantadas pelas suas acções passadas, mentais, verbais e físicas, que já, sem que ele o saiba, no seu íntimo germinam em tendências que, perante as adequadas circunstâncias externas, no futuro desabrocharão em todo o tipo de problemas… Contempla tudo o que o fez, faz e fará sofrer… Que mais não seja a ignorância do seu bem profundo, o tormento da perda do que agora o faz feliz e a dor da morte inevitável. Considera, vê e sente tudo isso e aspira do fundo do coração a libertá-lo completamente de tal !

Se começas por ti próprio, desdobra-te e contempla-te diante de ti carregado de tudo isso. Do lado de cá está a tua natureza primordial, a dimensão saudável e incorruptível de ti mesmo, livre de todos esses problemas e aflições e por isso apta a fazer alguma coisa. Ama-te verdadeiramente. Cultiva realmente o amor-próprio. Não te limites à busca do prazer medíocre e fugaz. Reconhece tudo o que te atormenta e te pode vir a atormentar e deseja, do fundo do coração, veres-te livre, de uma vez por todas, de tudo isso ! Deseja a felicidade infinita !

Não consideres natural e fatal o sofrimento, nem o teu, nem o de ninguém. Revolta-te serenamente contra a indiferença, preguiça e distracção em que tens andado. Decide-te a fazer alguma coisa, a instaurar desde este preciso instante uma profunda diferença na tua vida e, assim, no universo !

Inspirando profundamente, bem concentrado no que estás a fazer, absorve então tudo isso, sob a forma de fumo negro que vem das entranhas desse ser, no mais fundo do teu coração subtil, no centro do teu peito. Aí toca e dissolve a sua carapaça e o seu cerne mais fechado e insensível, o núcleo cego e duro de ignorância, medo e auto-protecção de onde provém todo o nosso egocentrismo, todo o nosso apego à ideia de uma felicidade egoísta e a nossa rejeição do sofrimento para os outros, bem como a nossa indiferença… No caso de estares a praticar por ti, considera igualmente que esse fumo negro, ao tocar o teu coração, dissolve a sua armadura de ignorância e indiferença ao teu bem e felicidade profundos, que tantas vezes trocas pelo apego a prazeres efémeros e egoístas que só te deixam frustração, sede e dor. Toma em ti toda a ilusão e sofrimento do ser à tua frente e todo este fumo negro, toda esta negatividade, pelo amor e compaixão da tua motivação, ao tocar e dissolver esse núcleo cego e duro, converte-o e converte-se imediatamente numa luz, branca ou dourada, que ao expirar irradias agora abundantemente, banhando-o e impregnando-o de uma paz, uma saúde, um bem-estar e uma felicidade onde se dissipam todas as suas dificuldades e sofrimentos materiais, físicos, emocionais e mentais... À medida que praticas, profundamente concentrado e confiante nas tuas capacidades, contempla a transformação que ante ti e em ti se opera…Este ser que tanto amas torna-se saudável, radiante, feliz, bem-aventurado… E tu experimentas essa mesma plenitude e alegria, deixando que ela irradie num sorriso nos teus lábios.

Pratica assim durante algum tempo, embrenhando-te cada vez mais na experiência como uma oportunidade extremamente preciosa e gratificante. Não a vejas nem vivas como um sacrifício ou uma obrigação, de carácter moral ou religioso. Sente-a antes como a plena realização das tuas melhores aspirações a desenvolveres e manifestares o melhor que há em ti, como o cumprimento da mais funda saudade de plenitude que desde sempre em ti e tudo habita.

Se começaste por ti, passa então, durante uns momentos, a outro ser que ames de modo mais incondicional, considerando-o inseparável de ti. Depois, abre mais o coração, pensando em alguém conhecido, em relação ao qual tens uma atitude neutra e indiferente, não lhe querendo bem nem mal… Contemplando-o como um ser sensível que, tal como o primeiro, não deseja senão ser feliz e não sofrer, coloca-o a seu lado, considerando-os inseparáveis. Podes mesmo contemplar que no mais fundo do coração deste ser estás tu ou aquele(s) que mais amas. Pratica exactamente do mesmo modo por ambos sem perda de motivação, concentração e intensidade…Tenta mesmo aumentá-las, que mais não seja considerando que o benefício do primeiro ser e o teu próprio benefício será tanto maior quanto mais a partir dele abrires o coração a outros seres. Vive a crescente alegria, entusiasmo e calor de um coração que se abre, de uma respiração que se converte em bálsamo da dor, de uma mente que se torna mais vasta e consciente.

Após algum tempo, evoca então aquele ser ou seres que mais aversão te causam, o ser ou seres que os empedernidos conceitos e juízos que estruturam a tua actual percepção classificam como teus piores inimigos ou rivais. Se isso te não for imediatamente possível, por te perturbar em excesso, pensa em alguém que te suscite a máxima aversão que fores capaz de suportar, sem prejuízo da calma e concentração necessárias à prática deste exercício. Começa por aí e um dia chegarás aos outros. Tem essa coragem e vive a profunda alegria de te libertares do ódio, da raiva e do ressentimento, de transcenderes os teus limites e de os converteres em limiares, em portais de acesso a uma dimensão maior e melhor de ti mesmo. Pensa nesse ser ou seres como inseparáveis dos anteriores. Considera mesmo que no fundo do seu coração estás tu e/ou os seres que te são mais queridos. E sente a profunda gratidão por serem eles que te permitem tomares consciência dos teus limites e superá-los, por serem eles que através deste exercício te permitem evoluir mais e mais rapidamente, libertando-te de toda a ilusão, negatividade, rancor e ressentimento que te levam a percepcionar inimigos e a sofrer terrivelmente com isso. Bem presentes diante de ti, praticas pelos três tipos de seres, sem qualquer parcialidade nem hesitação e ainda com mais empenho e entusiasmo, desenvolvendo um sentimento de profunda alegria e imparcialidade no amor e na compaixão. É por todos que igualmente inspiras negras nuvens de ilusão, negatividade e dor, expirando luz dourada, sábia e benfazeja, convertendo o teu coração no mais precioso e poderoso forno alquímico, onde pela combustão da saudade emerge a tua e universal saúde e natureza primordial.

Abre-te progressivamente mais, bem para além do que o teu acanhado ego alguma vez julgou ser possível. Descobre poderes ser ou seres desde já mais do que alguma vez imaginaste possível. Abre-te e pratica, em círculos concêntricos em constante expansão, por todos os seres vivos e sensíveis, humanos e não humanos, visíveis e invisíveis, que habitam o lugar onde estás… a casa… o bairro… a povoação ou cidade… o país… o planeta… a galáxia… e, enfim, o inteiro universo !... Abre o coração a tudo, absorve toda a dor, negatividade e treva de todos os mundos – todas as doenças, cancros e sidas, todos os medos, angústias e loucuras, todas as solidões, torturas e misérias, todas as ilusões, desgraças e mortes - , transmutando-as em luz, paz e bem-aventurança cada vez mais poderosas e irradiantes. Pratica, pelo bem relativo e absoluto de todos os seres, pela satisfação das suas necessidades básicas e imediatas e pela sua felicidade e libertação suprema, imparcialmente, sem qualquer excepção. Faz do teu coração uma festa e um festim cósmico, eterno e infinito, para o qual todos são convidados. Pratica assim e sente que por esta prática o mundo, a percepção de ti e do mundo, se revoluciona e transmuda. A mente e o coração convertem-se progressivamente na própria luz que irradiam e nada percepcionam senão luz…Uma luz infinita, subtil e viva, livre, consciente e sensível, na qual tu, todos os seres e fenómenos se dissolvem, sem qualquer conceito de eu, de outro e de prática, de sujeito, objecto e sua relação…Uma imensidão luminosa, sem centro nem periferia, sem interior nem exterior… Um infinito esplendor… Inominável.

Ao emergires desta funda absorção, faz imediatamente a dedicatória, tal como atrás descrito (II, 4), oferecendo todo o benefício do exercício, sem qualquer apego, para a paz, a felicidade e o bem, relativos e absolutos, de todos os seres. É importante fazê-lo enquanto sentes o efeito pleno da prática, antes que na mente regressem as suas habituais e sobreviventes tendências dualistas e egocêntricas, reprodutoras da percepção comum e dita normal do mundo. A melhor dedicatória, tal como a melhor prática, é acompanhada da ausência de crença na realidade efectiva do sujeito, do objecto e da própria acção, mas sem prejuízo do entusiasmo, do amor e da compaixão. Isso permite que, durante e após este exercício, não tenhamos uma visão dualista e substancialista do mundo e de nós mesmos, não caiamos na tentação de nos sentirmos especiais, não nos orgulhemos do que estamos a fazer, não tenhamos qualquer sentimento de superioridade “espiritual” ou pretensão a sermos ou tornarmo-nos justos, sábios, santos, iluminados ou mestres (o sinal mais óbvio de o não ser é ter essa pretensão). É decisivo que a prática dissolva qualquer forma de auto-conceito e auto-imagem, positivos ou negativos. Tudo é como um jogo, insubstancial e ilusório, por isso mesmo eficaz libertador de todas as ilusões. O que fica é a natureza-experiência primordial, a fundamental sanidade de todas as coisas, que não carece de se conceber como tal e não se atribui qualidade, valor ou importância alguma.

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