Suponho que os mais novos não conheçam já, nem de nome, Stefan Zweig; e no entanto, há uns trinta ou quarenta anos atrás encontravam-se obras suas em qualquer pequena biblioteca familiar, nas bonitas edições da Civilização Editora: as biografias de Maria Stuart, de Balzac, de Erasmo, de Magalhães, as reflexões sobre Nietzsche e Holderlin (O combate com o demónio), novelas como o Amok ou as Vinte e quatro horas da vida de uma mulher…
As biografias básicas são agora facilmente acessíveis a todos, e não vou contar aqui muito da vida de Zweig: judeu nascido em Viena de Áustria em 1881, europeu de vocação, refugiado no Brasil onde se suicidou em 1942. Tinha terminado, pouco antes, umas memórias que são um testamento e um Requiem por uma certa Europa – a destruída no fogo e na cobardia de duas guerras mundiais – e essas memórias (“O Mundo de Ontem”) foram recentemente reeditadas em Portugal. Um aviso aos que não gostam ou não têm a sorte de poder frequentar alfarrabistas…
Escutemos alguns excertos, sobre as Pátrias e outras coisas. Mas escutemo-los, como diria Nietzsche, com ouvido subtil…
Por três vezes eles destruíram-me a casa e a vida, arrancaram-me de todo o meu passado e, com uma veemência dramática, atiraram comigo ao vácuo, a esse ‘não sei para onde’, já tão meu conhecido.
Mas nem isso me lamento. O indivíduo que não tem pátria liberta-se num sentido novo, e só aquele que já nada tem a perder pode agir livremente (…)
Realmente, como eu me encontro, desprendido de todas as raízes e até da própria terra que as alimentou, há-de ser difícil ter estado qualquer outra pessoa em qualquer época. Nasci em 1881, numa nação grande e poderosa, na monarquia dos Habsburgos; mas não a procurem no mapa, que ela desapareceu sem deixar rasto.
Cresci em Viena, nessa metrópole bimilenária e cosmopolita, e fui obrigado a abandoná-la como um criminoso, antes de a condenarem à degradação, fazendo dela uma simples cidade de província alemã.. A minha obra literária, na sua língua original, reduziram-na a cinzas, precisamente na mesma terra onde os meus livros de milhões de leitores outros tantos amigos.
Não sou pois de nenhuma terra: sou, onde quer que me encontre, um estrangeiro, e, no melhor dos casos, serei um hóspede; até a minha pátria propriamente dita, a eleita do meu coração, a Europa, até essa eu perdi, a partir do momento em que ela, pela segunda vez, se despedaçou numa guerra fratricida, que equivale ao seu suicídio.
Interrompo aqui a transcrição. Sim, aquele que nada tem a perder pode agir livremente, e o suicídio de Zweig, alguns meses depois de isto ter escrito, é de certa forma o supremo acto da suprema liberdade… Ou não. Tantas coisas aqui a dizer.
4 comentários:
Grande Stefan Zweig!
Tambem sou grande admiradora da obra deste Europeu. Tambem, como ele, vim a encontrar no Brasil a Europa com que tanto sonhara: A Europa da miscigenacao, da abertura, do cosmopolitismo sem negacao da diversidade, da curiosidade fundamental pela vida e pela cultura.
A obra dele e actualissima, tendo em conta sobretudo o quanto a Historia e circular e o quanto, denunciando essa circularidade, estao as tendencias que levaram a emigracao de Zweig novamente a tornar-se gritantes na velha Europa, supostamente rejuvenescida pelo mercado unico e o alargamento para alem da antiga "cortina de ferro".
Esperemos que a Europa se volte a europeizar... A Europa central é uma esperança. E nós, Portugal, Áustria do Oeste...
O caminho que segue a cultura dominante é uma das "irracionalidades" da história. "Uma mentira repetida muitas vezes passa a ser verdade", deve ser. Também deve ser por isso que se repete como um facto que Nietzsche (o anti-alemão, o adversário do anti-semitismo) foi nacional-socialista.
Três vezes, segundo o Lewis Carroll.
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