“Olhando para trás, o que vedes além das próprias pegadas?
Já agora, pouco importa se houvera espinhos!
Mas olhai bem, com presteza certificai-vos de que não há sangue em vossas pegadas. Se não há, porque então chorar, se a dor já passou?”
Em seguida cala-se a voz que a estas coisas de supetão dizia, e alguém do meio da rua intervindo, perguntou:
- Quem se atreve a falar do esconderijo, sem coragem de mostrar a sua cara? Reproduzem tuas palavras os meus mais secretos pensamentos, e em razão do que disseste, perguntar-te-ei eu então: - quem a tanto se atreveria?
Falar-me de uma dimensão tão profunda aonde eu próprio quase nunca vou, e sem identificar-se?
Quem é afinal que de aí me falas onde temo ir e aí me perder?
“Olhai bem! Olhai bem em vosso espelho, e aí vereis claramente quem vos fala. Poderei parecer-vos um fantasma, no primeiro momento,
mas quem já não foi fantasma de si mesmo, um dia?
Olhai mais fixamente nesse teu espelho e tão logo se dissipe a fumaça escura das incertezas vereis vossa própria e luminosa face de alegria!
E rirás achando muita graça das lágrimas de outrora!
Parecer-vos-á, também, no primeiro momento, independente de vós esse que ri.
Mas imediatamente recobrareis o eixo e fundir-se-ão todos os eus em um único eu,
que é o que sois, um único ser...
Todos “esses outros eus” periféricos e passageiros são filhos da ilusão e hão de se apagar com o fim dos relâmpagos que os dissimulam breves, para em seguida os deformar em imagens difusas e nervosas.
Antes, porém olhai bem vossas pegadas e as vossas marcas, que a chuva sequer as molhou.”
- Gostaria tanto de acreditar no que dizes!
Ouço-te com grande alívio, mas acreditar em ti ainda não é possível.
Onde poderia altas horas da noite e ao abandono do tempo encontrar um espelho?
Não. Ainda não possuo um espelho!
Sequer eu próprio tenho um lugar certo e sabido onde pudesse ser encontrado!
Desvalido pela sorte e deserdado, órfão do mundo é o que eu sou.
Órfão do mundo.
E tu afirmas que eu encontrarei meu eixo, quando sequer tenho duas hipóteses de qualquer coisa?
Não creio num eixo que não seja firmado em dois pólos, base inicial
e embrionária de qualquer coisa.
Só as minhas próprias pegadas sou capaz de reconhecer, e ainda assim por andar descalço e deixar as marcas das feridas na areia.
Mas também vou descalço de alma e de espírito e isto é uma sagrada conquista para quem entenda o descalçar da alma e do espírito.
E ainda ao meu coração mantenho fiel à lembrança do leite materno,
cuja quentura na memória é única e real herança de um carinho de amor verdadeiro.
Bendito o leite de minha mãe, bendito o dia em que ela olhou sorrindo e aos beijos afagou gentil meu rosto!
Houvera já um espelho, nele haveria de querer revê-la e a ninguém mais!
“Serena então, filho do temor”! Serena que o infortúnio não abalará o gene do amor vosso! Dele nascerá o filho das dores; e, por justiça vosso pai, que sois tu e não aquele que está no céu, salvo o céu seja o da vossa alma, pois que outro céu não há! Ou também o mais precioso céu que reproduz a voz em tua boca!
Em breve, altíssimas temperaturas farão do cadinho um inferno... O ouro do reino será preservado, porque não o extinguirá a chama. E então haverá o teu espelho, onde se refletirá o teu riso para que serva de bálsamo e refrigério ao mundo e reconforto aos peregrinos.
- Útil, a alguma coisa, o meu riso, o meu quê? Isso é loucura! Não o sou nem para mim mesmo!
Vou por aí despido de qualquer prestígio depois que despi os pés, a alma e até a roupa!
Se algo existe em mim protegido do vento gelado, só a lembrança do leite quente e honesto da minha mãe.
Mas há ainda um hálito que de vez em quando soa em gargalhada satânica... Quanto a tudo mais me parece inútil alimentar esperança de que ante o espelho, se tivesse um, revelar-se-me-ia alguma coisa séria!
Sequer sou senhor de uma pobre parede, onde o pendure! Sigo velho e já cansado de espírito e corpo, mantendo dentro de mim apenas a lembrança de uma alma criança que deseja libertar-se...
Mas que nem ouso brincar com ela enquanto não lhe puder apresentar o projeto de uma porta ou mesmo uma janela por onde saia ou olhe lá fora.
“E porque não brincais com a tua alma criança? Brinca com ela, pois o menino deus nasce em todas as manhãs e em todas as crianças, enquanto os adultos estão ocupados ou dormem; quando acordarem ou desocupados as olharem crianças, não mais serão infantes, nem os infantes deuses neles meninos”.
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra).
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa).
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286.
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quinta-feira, 14 de maio de 2009
Pegadas na areia (Diálogo com as sombras)
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2 comentários:
Amigo Julio, fico sempre emocionado quando leio a sua prosa...
Faz-me ponderar se valerá a pena ter de lutar constantemente até à exaustão em nome dum ideal e de uma moral, ou se descanse as armas de guerreiro e descanse um pouco, mas esta alma minha é rebelde e não me deixa descansar.
Grande abraço,
Luís Cruz Guerreiro
Amigo Luís, um guerreiro é um guerreiro e às sua armas não deixa nunca.
Também eu às vezes quero desistir de tudo, mas aí uma voz lá do fundo me leva a um soluço e me diz que tenho de continuar.
Acho que este é nosso destino e de todos os homens, homens.
O resto brinca e está sempre contente; às vezes até com uma côdea...
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