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«Mas dito seja, de uma vez por todas,
que nada faço por literatura,
que nada tenho a ver com a história,
mesmo concisa, das letras brasileiras.
Meu compromisso é com a vida do homem,
a quem trato de servir
com a arte do poema. (...)
Não basta ser bom de ofício.
Sem amor não se faz arte.
Trabalho que nem um mouro,
estou sempre começando.
Tudo dou, de ombros e braços,
e muito de coração,
na sombra da antemanhã,
empurrando o batelão
para o destino das águas.
A couraça das palavras
protege o nosso silêncio
e esconde aquilo que somos.
Que importa falarmos tanto?
Apenas [nos] repetiremos.
Ademais, nem são palavras.
Sons vazios de mensagem,
são como a fria mortalha
do cotidiano morto. (...)
Muitos verões se sucedem:
o tempo madura os frutos,
branqueia nossos cabelos.
Mas o homem noturno espera
a aurora da nossa boca.
Se mãos estranhas romperem
a veste que nos esconde,
acharão uma verdade
em forma não revelável.
(E os homens têm olhos sujos,
não podem ver através.)
Mas um dia chegará
em que a oferenda dos deuses,
dada em forma de silêncio,
em palavra transformaremos.
E se porventura a dermos
ao mundo, tal como a flor
que se oferta - humilde e pura - ,
teremos então cumprido
a missão que é dada ao poeta.
E como são onda e mar,
seremos palavra e homem.»
Thiago de Mello
5 comentários:
É, "Faz escuro mas eu canto"
anoitece mas eu sigo.
Pois somos a Noite que quer Amanhecer.
Somos o Sol ainda atrás da montanha, mas somos também a montanha onde ele se esconde e depois aos poucos Subindo no horizonte rela a nossa sombra que já não nos surpreende nem assusta.
E no curso deste rio surgiu este poema:
«Amanhece.
O poeta de penas já cantou.
Já nos seus altos versos adormece
O fantasma da noite que passou.
Como um halo de sonho acontecido,
A luz das coisas vai nascendo em nós;
Desenha-se na sombra o pressentido,
E a vida já tem gestos e tem voz.
Já novamente o sol doira a frescura
Da relva verde e do lençol de linho.
Outra vez há ternura
De gente a ver-se e de se ver caminho.»
Miguel Torga, 'Diário II'
E que arte e que caminho!
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