A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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terça-feira, 5 de maio de 2009

A escolaridade obrigatória até aos 18 anos

Primeira lei: acreditar no aluno. Se o campo é bom e se a semente é bem lançada, até uma inicial vontade de enganar a contraria, agindo no espírito do aluno a nossa boa-fé. E depois há o ficar ou não tranquila a nossa consciência. Suponhamos, fora da escola, que um homem me diz: «Venho a pé do Algarve à procura de trabalho. Estou morto de cansaço e de fome e gastei os últimos cobres. Tenho vergonha de pedir esmola». Suponhamos agora que eu lhe digo: «Se se não importa, eu dou-lhe alguns escudos. Não é esmola, nem é talvez “dar” a palavra que devia empregar, porque isto é um empréstimo: amanhã posso eu precisar e outro me há-de socorrer; me há-de pagar a dívida que o senhor contraiu comigo». Pois bem: «Tu és um trouxa» - poderão dizer. «Foste no conto do vigário e o homem ri-se de ti, enquanto come o teu dinheiro.» E que me importa? Prefiro arriscar-me a ser levado a deixar um homem morrer de fome. Sou levado, mas fico lavado. O que me enganou é que não.

Na Escola é o mesmo: Antes ser levado do que arriscar-me a ser cruel, a ofender, a estragar. Mais uma vez o aviso de alguns: «Cuidado com o aluno!» e o meu aviso: «Cuidado com o aluno!». Sebastião da Gama, Diário, Edições Arrábida, Sintra, 2005, p.114

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Uma reflexão prévia: parece-me que há algo de muito perverso nesta equação que relaciona a escola com a obrigatoriedade, quando a escola, como é bem acentuado por Agostinho da Silva, deve ser um espaço de liberdade, de liberdade libertadora.

O problema é que estamos longe duma escola capaz de dar conta da que deveria ser a sua função primacial: promover o crescimento harmonioso dos alunos. Em vez disso a escola está afectada por uma opacidade antropológica de base: em vez de ser propiciadora do crescimento e da evolução harmoniosa das pessoas (sim, os alunos são pessoas) que estão ao seu cuidado, constitui-se como uma instituição virada para o conformismo e para a reprodução de comportamentos massificados, relegando para um plano muito secundário a criatividade e a autonomia dos professores e dos alunos.

Isto deve-se também ao sequestro da escola por agentes cujos interesses estão muito longe do que deve ser a missão suprema de educar: as escolas, na sua maioria, foram tomadas de assalto por uma casta de professores “instalados” que ocupam oligarquicamente os cargos e que se servem da escola para ganharem estatuto social e profissional. O que impera é a egolatria e o afã de dar boa publicidade à escola – chega a exigir-se aos conselhos de turma que não chumbem mais do que “x” alunos, por causa das estatísticas.

Os membros dessa casta têm os horários à medida, a sua palavra é lei, mesmo quando contraria evidências científicas ou valores fundamentais (dois exemplos: num exame de equivalência à frequência de Filosofia teve que se aceitar que Descartes é um céptico radical porque uma das luminárias pertencentes ao tal quadro dos instalados achava que deveria ser assim; numa reunião de grupo de Filosofia em que se discutiam as 3 obras que deveriam ser a base da leccionação da disciplina de Filosofia do 12º ano, o Poema de Parménides foi rejeitado porque o douto que iria leccionar essa disciplina no ano seguinte acreditou numa brincadeira minha: no meio da discussão, ouvindo falar dessa obra, perguntou-me se era muito extensa, eu disse-lhe que era mais ou menos como os Lusíadas, ao ouvir isto resolveu acabar com as dúvidas: o Poema de Parménides seria demasiado pesado para os alunos, deveria pensar-se nos alunos e por isso deveria explorar-se melhor a lista das obras, ganhou o Fédon, não sem antes o senhor ter ido à biblioteca confirmar a extensão da obra, não fossem os alunos ficar prejudicados com a escolha. Nessa mesma reunião uma professora muito qualificada tinha manifestado o seu interesse em leccionar a disciplina de 12º ano, mas como o outro colega a suplantava em “antiguidade”, acabou por ser preterida. A bem dos alunos.).

Ora muitas das “reformas” introduzidas pelo actual governo vêm reforçar o actual estado de coisas: a divisão da carreira docente em duas categorias, a de ‘professor’ e a de ‘professor titular’ (dos ‘mestres’ a que me refiro nos exemplos, um não chegou a ‘titular’ por uma nesga e o outro, o anti-eleático, é neste momento professor titular e avaliador dos restantes colegas); a avaliação kafkiana dos professores, na qual a competência científica dos docentes não é tida em conta, nem propriamente as suas competências pedagógicas; a continuação da implementação da política de criação de agrupamentos de escolas; a criação dos chamados ‘Territórios Educativos de Intervenção Prioritária’, ou seja, escolas, ou agrupamentos, de escolas inseridos em contextos sociais problemáticos que partir de agora podem seleccionar os professores através dum concurso autonomizado em relação ao concurso nacional – por muito que se diga o contrário, esta política promove ainda mais a discriminação das crianças e dos jovens oriundos de meios desfavorecidos, ou seja, em vez de se actuar na raiz dos problemas, perpetua-se a exclusão criando espaços escolares ‘diferentes’ para acomodar os alunos que as outras escolas rejeitam; o desmantelamento do ensino nocturno para adultos, substituindo-o pela maior fraude política alguma vez cometida em Portugal, aquilo a que chamam as “Novas Oportunidades” e que não passa dum favorecimento da ignorância e da certificação da inutilidade da Escola e da Cultura; a criação do cargo de director que vem acabar com os últimos vestígios da escola democrática; e haveria muito mais para acrescentar a este elenco negro, mas o espaço começa a ficar exíguo.

A escola, para além disto tudo, tem sido solicitada para se substituir, cada vez mais, às outras instituições sociais: a família; os grupos sociais de cariz cultural, desportivo ou religioso; o tecido social cada vez mais desestruturado… Torna-se normal os alunos passarem cada vez mais tempo na escola, uma vez que os pais têm cada vez menos tempo para estarem com os filhos e por isso a escola é, acima de tudo, um depósito de crianças e jovens. Muitos pais preocupam-se em saber se os seus filhos estão na escola, mas não se preocupam em saber como estão.

Há que compreender que é necessário menos escola e mais educação. Mais educação, porque a sociedade como um todo se tem demitido de educar, quando a educação deve ser o dever cívico primeiro, mesmo dos cidadãos que não têm filhos, dos cidadãos e das instituições sociais, desde as empresas, passando pelas diversas estruturas do Estado. O que se passa é que as crianças e os jovens estão a ser segregados do mundo dos adultos, o que estimula o seu alheamento em relação à realidade e, cumulativamente, o seu desinteresse pela vida cultural. E isto é acompanhado por uma infantilização da sociedade (basta ver a forma como os adultos são tratados pela publicidade, até mesmo a publicidade da responsabilidade das instituições bancárias promove, ao ridículo, essa infantilização).

E há um discurso dissuasor que, em vez de promover a procura de soluções para os problemas, antes usa a indignação e a denúncia como formas de desresponsabilização dos seus autores em relação à situação educativa em que vivemos: trata-se da denúncia do facilitismo, quase sempre em contraponto com o ensino de outros tempos (tão ou mais asininos que os actuais), dos malefícios do “eduquês”, da perdição epistémica e cibernáutica da juventude actual, enfim, da desconformidade da grande massa de indigentes culturais em relação a um grupo de eleitos cujos pés estão virginalmente intocados pela cloaca da ignorância e da estupidez. Nem mais: esse tipo de discurso é reflexivo, verdadeiramente: trata-se da ignorância a ver-se ao espelho. As virgens da exigência e os asnos do facilitismo fazem parte do mesmo contexto, percorrem a mesma estrada, embora tenham uma percepção diferente da sua situação.

O que importa é mudar a escola, tornando-a capaz de valorizar as crianças, os jovens os adultos através da sua dignificação cultural. Reduzindo, também, a sua importância global na educação e não a usando como uma estrutura de ocultação das desigualdades sociais: estas combatem-se aumentando a equidade na forma como de redistribui a riqueza produzida, tornando as leis laborais mais humanas e orientadas para a importância de cada cidadão como agente educativo, fomentando políticas de intervenção social que permitam uma melhoria significativa das condições de vida das populações, em vez de se fomentar a subsídio-dependência e a vitimização social. Isto passa também pela forma como sabemos, ou não, construir sociedade: basta dar uma volta pelos subúrbios das grandes cidades para vermos o que estamos a fazer de Portugal, um monturo de costas voltadas para o interior, cada vez mais ardido e desertificado que se viu esbulhado das suas escolas de aldeia por parte dum governo fomentador da iliteracia e do desenraizamento cultural das pessoas. Em nome de quê?

Por tudo isto alargar, neste contexto, a escolaridade obrigatória até aos 18 anos é o aprofundar da hecatombe. Viveremos, portanto, ao contrário do que é propalado pela verdade engravatada produzida pela propaganda socratista, num país mais desigual, um país em que os seus cidadãos se verão cada vez mais privados de Cultura e de esperança.

Há que mudar a escola: em próximas intervenções apresentarei algumas sugestões.

11 comentários:

Renato Epifânio disse...

Concordo com umas coisas, nem tanto com outras... Publicarei também um texto sobre o assunto.

Abraço

Paulo Feitais disse...

Quanto mais discussão, melhor...
O que importa é que a educação não seja encarada como um tema "regional" no contexto global da Cultura.
Abraço.

Paulo Borges disse...

Sublinho: menos escola e mais educação. Sobretudo num momento em que escolarização é sinónimo de estupidificação e funcionalização para a imbecilidade modelar do cidadão médio. A questão é: como educarão e como se educarão aqueles que, a maioria, não estão minimamente interessados em tal? Temo que o mundo se esteja a converter num emaranhado de problemas sem solução. Pelo menos dentro dos quadros do humanamente desejável...

Ana Margarida Esteves disse...

Quem "quer" ser educado, quem esta verdadeiramente "interessado" nisso, tendo em conta as condicoes deploraveis e castradoras da tao natural curiosidade humana, do desejo inato de explorar e aprender, em que tal processo fundamental se da?

Casimiro Ceivães disse...

Também gostava de fazer um comentário alargado, para o que agora não tenho tempo.

Mas mais uma vez uma engraçada coincidência: a referência do Paulo ao "emaranhado de problemas sem solução". Há um ou dois dias, e julgo que por um texto do Paulo aqui, estava a pensar como a ideia de há solução para tudo é, creio-o, profundamente euro-moderna (acho que cunhei uma palavra)

Paulo Borges disse...

Creio que as pessoas desprezam a sua formação não só pela falta de qualidade do processo educativo, mas também pela falta de qualidade de si mesmas. Quem se quer realmente formar e cultivar, acaba por fazê-lo, mesmo nas situações mais adversas.

Com efeito, creio que a ideia do haver solução para tudo é fundamentalmente euro-moderna. A alternativa radical a que pode conduzir, já praticada desde há muito noutras culturas, é a de, por não haver solução, se deixar de considerar que há problema. O que é a sua solução.

Casimiro Ceivães disse...

Claro... suponho que, na nossa, o caso não desaparecia como tal; era visto como um 'mal'. e contido, mais do que combatido, pela acção individual 'virtuosa'.

Terão sido os pregadores cristãos (dominicanos e franciscanos), os humanistas do Renascimento ou os técnicos do Absolutismo a perturbar isto? O 'problema' está ligado ao pensamsnto estratégico...

Paulo Borges disse...

Casimiro, agora não tenho tempo e preciso de investigar mais isto, mas creio que o problema é o intelectualismo e o voluntarismo que passaram a dominar o Ocidente e que se divorciam dos ritmos da Vida. Um paradigma alternativo está no sentido chinês de uma eficácia não centrada no intelecto nem na vontade. Veja-se o "Traité de l'efficacité" de François Jullien, autor de obra monumental sobre o pensamento chinês tradicional.

Paulo Feitais disse...

Ana, a educação a que me refiro é a respiração do estar-com, não um conjunto de normas e de saberes que são inculcados de fora para dentro e de cima para baixo... Se vivemos numa sociedade em que há grupos de criaturas bem-pensantes que se consideram superiores à demais humanidade, isso tem um impacto terrível nas novas gerações: há muitos alunos destruídos pela escola e isso é brutal. Quando se promove o "marrão" que ao julgar-se superior aos outros se vai cultivando como sociopata, quando se vilipendia o "cábula" e se lhe diz que a sua não conformidade com o sistema escolar significa uma exclusão da sua aceitabilidade como pessoa, está a fazer-se o pior tipo de discriminação, as pessoas tratadas dessa forma perdem o autêntico sentido de si.
E isso é trágico.

Ana Margarida Esteves disse...

Muito tragico mesmo. Nao so a exclusao dos "cabulas", categoria que frequentemente inclui alguns dos seres mais criativos, autenticos e Humanos, no verdadeiro sentido da palavra, que a escola tem o privilegio de ver caminhar nos seus corredores, mas tambem o "formatar" de algumas "boas cabecas" que tiveram o privilegio de serem menos assertivas, e por isso mais moldaveis, em "alunos modelo" que irao mais tarde engrossar as fileiras da burocracia, do exercito, da ciencia virada para o lucro e da "gestao de negocios" do genero que friamente acaba com o bem-estar de milhares de familias com uma simples assinatura de um decreto de despedimento colectivo.

Ana Margarida Esteves disse...

Nao e a toa que os maiores inovadores da ciencia, das artes e da filantropia raramente foram "marroes". Muito pelo contrario. Lembrem-se de Einstein, figura que ja se tornou um cliche da "anti-marronice".

O que e pena e que o sistema so reconhece estes "anti-marroes" quando precisa de um pouco de mudanca, o poucochinho necessario, para se manter na mesma.