A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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domingo, 17 de maio de 2009

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos e notas): 4ª série

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No primeiro Caderno desta série, A VIDA E A ARTE DE TICIANO, salienta Agostinho da Silva, a respeito desse célebre artista, a sua capacidade de percepção da complexidade da vida, “mais revolta e complexa do que o mar”[1]. Daí, também, a agudeza dos seus retratos[2], que fizeram de si um dos mais importantes e poderosos homens do seu tempo: “Todo este espectáculo do mundo desfilava diante dos olhos de Ticiano como diante de uma eterna força natural; entrara numa robusta velhice e a sua casa, que dominava a um tempo o mar e o campo e que era das mais luxuosas de Veneza, tornara-se o lugar de reu­nião de todos que na cidade possuíam a força do poder, da inteligência e do dinheiro; com Aretino, que era tal­vez o mais imoral dos humanistas, e com Sansovino, escultor e arquitecto, formara o Triunvirato, a cujos ditames de gosto Veneza inteira se submetia; as enco­mendas e as régias pagas afluíam de toda a parte e era Ticiano quem fazia esperar os seus clientes e ouvia, sem que em nada o movessem, os rogos ou as amea­ças dos embaixadores; quem dele se aproximava logo sentia na tez bronzeada, no olhar coruscante, na forte mão que se pousava dominadora, a força máscula que a nada se rende e é capaz de pintar homens e deuses, papas e imperadores, montanhas e mulheres, de os roer de ambição, de os desfalecer de voluptuosidade, num mundo de rubros e dourados.”[3].
No segundo, O GÁS, pouco ou nada há a relevar – apenas a minuciosa recolecção de dados científicos e o seu devido enquadramento histórico, “num tempo em que, depois de dura batalha entre os partidários do gás e os da electricidade, a lâm­pada de Edison ia alcançando o triunfo”[4].
No terceiro, AS VIAGENS DE COLOMBO, Agostinho, não reclamando a nacionalidade portuguesa para Colombo[5], salienta que foi em Portugal que ele se formou enquanto navegador[6]. Depois, reconstitui o seu fracasso junto das autoridades portuguesas de então, ressalvando – o que é aqui o mais importante – que mesmo perante esse fracasso, Colombo “não se deu por batido”: De tal maneira se lhe firmou no espírito o projecto, que resolveu, já por 1484, apresentá-lo a D. Afonso V; o rei, porém, não se interessou: a ideia de Colombo não parecia aos portugueses suficientemente segura; tudo o que se podia afirmar era que havia terras para ocidente, mas não que essas terras fossem de Ásia; a viagem pela África era talvez mais demorada, a costa desenrolava-se interminavelmente para sul, mas sem­pre devia haver passagem para o Índico e, por aí, o acesso aos países orientais era absolutamente certo; Colombo, cujos conhecimentos de geografia e de náutica não eram de uma grande profundidade e que parecia demasiado imaginativo, não inspirou confiança aos lentos, pacientes e sólidos navegadores portugueses; insistiu junto de D. João II que nomeou uma comissão para que se estudasse o assunto, ao mesmo tempo que, segundo parece, mandava sair uma caravela a explorar a rota que Colombo propunha; o estudo dos conhecimentos geográficos e os resultados negativos da viagem levaram a comissão a pronunciar-se pela recusa. Colombo não se deu por batido (…)”[7].
No quarto Caderno, O ESTOICISMO, releva, Agostinho, as diversas tonalidades dessa escola filosófica, notando, nalgumas delas, uma certa proximidade com o cristianismo: “Não foi, porém, o estoicismo uma filosofia que tivesse ficado perfeitamente estabelecida com o primeiro pensador que a imaginou; do século III a. de C. ao século III da nossa era, a doutrina é retomada, ampliada, modificada e toma em cada um dos espíritos que de novo a pensam uma ressonância pessoal; o estoicismo de Zénone de Cítio, que nos aparece como iniciador da escola, é predominantemente lógico e moral e em ambos os domínios com uma secura, uma rigidez que denuncia o semita; com Crisipo, nos fins do século III, a lógica desenvolve-se e o ideal do moralista quase se perde no emaranhado das proposições e dos silogismos; era, contudo, este aspecto moral o que maior influência havia de exercer; mas tem de se esperar pelos romanos para que ele mais claramente se acentue; Epicteto fixa as linhas nítidas e duras de uma regra de acção; Séneca, banqueiro e filósofo, mora­lista e preceptor de Nero, é um director de consciência, conhecedor do mundo e bem disposto a perdoar-lhe, e a si próprio, como parte do mundo, o afastamento quotidiano das normas mais severas; por fim, Marco Aurélio dá ao estoicismo a marca da sua personali­dade compreensiva e fraterna: o seu entendimento dos homens, a resignação perante as lacunas e defei­tos, a inesgotável bondade, a modéstia, o amor das obras que mais salvam do que as doutrinas, a discreta melancolia, tudo contribui para que a filosofia estóica tenha no seu livro uma tonalidade que a aproxima do cristianismo.”[8].
No quinto, MOZART, salienta, Agostinho, a precocidade do génio do músico alemão, e a importância da educação que teve, por mais que “escravizante”, no seu pleno apuramento: “O génio musical de Mozart revelou-se muito cedo, por volta dos seis anos; o pai decidiu logo empregar todos os meios para que a extraordinária capacidade se fixasse e desenvolvesse; o pequeno foi submetido a uma forte disciplina e passou horas ao piano em exer­cícios trabalhosos, quase sem tempo para brincar com os outros rapazes da sua idade; pagava já bem caro a dádiva dos deuses: a sua infância não era um alegre descobrir da vida, nem uma lenta passagem da natu­reza aos deveres sociais; era uma existência de escravo, um esmagamento sob as exigências da técnica; em qualquer outro um tal tratamento teria aniquilado por completo todas as possibilidades: mas o canto de Mozart era como o da ave que, mesmo prisioneira, enche o céu de melodias; as duras tarefas que lhe im­punha seu pai, a debilidade física a que o levava a falta de jogo, a constante preocupação de espírito, numa altura em que ele se quer bem liberto e quase entregue a si próprio, em nada podia diminuir a força íntima, a musical natureza de que aparecera dotado; é este, porventura, o maior milagre da sua vida; a se­vera educação perturbou-o no corpo, certamente, mas em nada lhe feriu o espírito e deu-lhe, por outro lado, desde muito pequeno, possibilidades de expressão que doutro modo se não teriam encontrado ao seu dispor (…).”[9].
No sexto, O MUNDO DOS MICRÓBIOS, emerge uma vez mais o trabalho agostiniano na recolecção de dados, bem como a sua confiança no progresso da ciência[10].

[1] A Vida e a Arte de Ticiano, Lisboa, Edição do Autor, 1941, p. 12.
[2] Ibid., p. 18: “os seus retratos continua­ram a penetrar em tudo o que impedia tantos dos seus contemporâneos de atingirem um estado de suprema perfeição”
[3] Ibid., p. 20.
[4] O Gás, Lisboa, Edição do Autor, 1941, p. 16.
[5] As viagens de Colombo, Lisboa, Edição do Autor, 1941, p. 3: “É quase certo que Cristóvão Colombo nasceu em Génova, no ano de l45l, não tendo grande consistência histórica a tese dos que o fazem galego, português ou catalão”.
[6] Ibid., p. 5: Na escola dos portugueses navegou e estudou Cristóvão Colombo; aprendeu a desenhar mapas (…).”
[7] Ibid., pp. 7.
[8] O Estoicismo, Lisboa, Edição do Autor, 1941, pp. 4-5.
[9] Mozart, Lisboa, Edição do Autor, 1941, p. 8.
[10] O Mundo dos Micróbios, Lisboa, Edição do Autor, 1941, p. 23: “Apesar de todas as vitórias, é possível que esteja­mos ainda num período rudimentar da microbiologia e da luta contra os microrganismos e que todos os nossos soros e vacinas sejam remédios incertos em face das possibilidades da química que cada vez mais estreitamente se associa à biologia; mas o que se fez dá à humanidade a esperança de que, com meios ade­quados, muito mais se consiga e de que a microbiologia seja um terreno de eleição para o encontro da pura curiosidade científica do biólogo e do químico e da acti­vidade técnica, do sentido prático do médico.”

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