"Os povos, culturas, civilizações, tal qual os homens, não conseguem começar a realizar-se senão limitando-se. Este é, ao mesmo tempo, o modo como surgem para a vida e caminharão para a morte. Tendendo a fechar-se numa exígua e aniquiladora maneira de ser ou conceber, esquecem que aquela limitação pela qual se tornaram possíveis e atingiram a grandeza é a mesma pela qual morrem, quando deixam de a tomar como processo e a tomam como fim. Isto caracteriza, no entanto, os povos, culturas, civilizações, como os homens singulares: obstinam-se em manter-se por aquilo mesmo que os tornou possíveis, esquecendo ou ignorando que para nós, homens, no seio da arquipotente Natureza e perante a subtil solicitação do incriado, só persiste o que incessantemente se renova. "Não iremos além", clamam os pusilânimes no doloroso seio das metamorfoses. Isto significa que o sentido autêntico de verdade os desertou e, com ele, a potência de ser e subsistir"
- José Marinho, Aforismos sobre o que mais importa, Obras, I, edição de Jorge Croce Rivera, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994, pp.298-299.
Eis um trecho de um verdadeiro filósofo, expoente maior do pensamento português, lusófono e universal e, por isso, escassamente lido e parcamente compreendido, por aqueles mesmos que o lêem.
Fique este trecho, neste blogue adormecido, para despertar todos os que tomam por definitiva e perene, e como um fim e valor em si, a forma transitória e contingente de um ser, uma pátria, uma cultura ou uma civilização. Ai de quem não for Proteu, o deus da metamorfose, figura paradigmática do ser universal, como o grande Antero de Quental anunciou!...
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra).
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa).
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Donde vimos, para onde vamos...
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7 comentários:
E ai de quem for Proteu, que será silenciado por Tethys :)
A Goldmundo o que é de Goldmundo, a Narciso o que é de Narciso. Tão simples, na verdade. E não são ambos - o mesmo?
("contradizem-se? muito bem, contradizem-se: são grandes, contèm multidões")
Um abraço, Paulo
Caro Casimiro, já me havia dito isso, que me há-de explicar, pois não vejo a razão desse silenciamento.
Quanto a uma coisa e outra serem a mesma, isso é sempre verdade no plano absoluto, mas não no relativo, onde ilusão e saber dividem os caminhos.
Um abraço
Paulo, também tenho uma memória de já ter referido isto, em tempos. pergunta-me qual o episódio, ou qual o seu sentido? Eu referia-me ao concílio dos deuses do mar, quando Proteu vai profetizar e Thetys o impede (não tenho comigo o poema, mas ela diz 'Neptuno sabe bem o que mandou', e isso era a tempestade fatal)
Isto é curioso, porque se a profecia for verdadeira, ela só poderia ser a do 'flechamento' de Tethys pelo Amor, que causa todo o episódio subsequente da Ilha... e se ela for completa, a da realidade última desse episódio (o curioso 'armadilhar' talvez revelado pela presença, na Ilha, de sinais dionisíacos...). E assim temos um daqueles paradoxos tão ao gosto dos escritores de ficção científica: se Proteu tivesse falado, Tethys ter-se-ia protegido das flechas. E nesse caso, etc...
Em qualquer caso, o pobre Proteu lá ficou mudo e quedo. Ou (porque ele é o multiforme) aparece depois, sem nós o sabermos? Isto não tem fim... :)
Quando eu falo de Narciso e Goldmundo, ou desta (i)limitação do absoluto, não estou em desacordo com essa caracterização do absoluto (como não tenho a bossa da filosofia, a questão não é crucial para mim, existencialmente digamos assim). Mas no estar-aí do mundo há Narcisos e Goldmundos (iludidos ou não). Há nómadas e sedentários, contemplativos e homens de acção, barulhentos e sossegados. E eu distingo o desejo de os mudar (o apostolado como diria um cristão) do desejo de lhes fazer justiça ou de lhes matar a fome. Enquanto eles se não mudam, que faço eu? E eu, ai de mim, sou um deles à vez e simultaneamente (se referi o romance é porque exactamente nunca isso tinha sido tão claro para mim até o ler na minha mocidade...)
"Narciso e Goldmundo" também teve um grande impacto em mim e já mais tarde...
Tenho de reflectir melhor sobre o episódio que refere, mas não vejo oposição entre Proteu e Thetys, que é a grande deusa do mar e logo da metamorfose. O que está aliás de acordo com a plausível identificação dos nautas portugueses com o "gado de Proteu", logo no Canto I d'"Os Lusíadas": "As marítimas águas consagradas, / Que do gado de Próteo são cortadas" (XIX). Desde a Antiguidade que os povos do extremo-ocidente peninsular eram identificados com as potências do devir e da metamorfose, o que do ponto de vista da razão helénica e depois romana era demonizado como "hybris", desmesura titânica. Veja-se o comentário de Proclo ao conflito entre Atlantes e Gregos no "Timeu", que para ele não era mero mito... Pascoaes percebeu bem que, enquanto a Grécia era a pátria da Deusa (Atenas), Portugal era a terra da Bruxa. Creio que não se entende Portugal se não se entende esta sua arcaica filiação numa ambivalência divino-demoníaca...
Gostava imenso de dar uma forma mais arrumada a isto, talvez um dia tenha tempo para as pesquisas necessárias...
Note por favor estes pontos soltos:
- A Tetis do Adamastor e esta não são a mesma (ja verifiquei num fac-simile da 1.ª ou da 2.ª edição, estão grafadas de forma diversa); ora, a primeira é que deveria ter sido alvo das flechas de Venus, juntamente com as suas 50 irmãs. Aí faz sentido a 'união amorosa' (mais ou menos tântrica, digamos) da interpretação na linha Dalila-Telmo, ou sua, da Ilha;
- Mas é o Amor (não à ordem de Vénus!) que 'mais do que a qualquer outra' desejava ferir Tethys. Fico sem saber se ele mesmo se confundiu (quereria 'vingar' o pobre Adamastor? não deixava de ser justo) ou se agia por conta própria, na sua dimensão ou aspecto mais 'báquicos';
- Também não vejo oposição de princípio entre Proteu e esta Tethys-a-Grande (salvo erro, avó da outra), ela mesma exactamente uma Titan e não uma ninfa do mar. Daí ser bizarra a ordem de silêncio;
- Completamente de acordo com a questão atlante, mas - precisamente - falta saber se Portugal (admitindo-lhe uma predestinação ou sentido) é em relação a ela uma sobrevivência ou um campo de batalha. Da Atlântida vem-nos, penso, o "nevoeiro" pessoano, não necesariamente o seu rasgar quando chegar a 'Hora'; dito de outra forma, Portugal tem sido paralisado pelas sombras ou 'écorces mortes' (no sentido dos espíritas, falta-me o termo em português) da hybris atlante. "Ser o Tudo ou o seu Nada", e entretanto ser, durante séculos, este nada-pequenino em que andamos enredados e hipnotizados. E isso é o aspecto do Não-Ser (como dissolução aquática e de mar-profundo, que é diferente de mar-vastidão porque é abissal) que não consigo identificar com o Não-Ser ou Além-Ser, como hei-de dizer, numinoso, dos místicos cristãos... Neste meu sentido, essencialmente atlantes são, simbolicamente, os Estados Unidos e a sua 'globalização'.
- Entre a frieza cerebral 'grega' (quand-même...) e a desmesura titânica não haverá um terceiro caminho? Aqui valeria a pena olhar para Tróia, pre-figuração primeira do Império e por isso Mãe de Roma, e Troia não era grega... mas tinha o apoio de Vénus, claro.
- Aliás, curioso que Marte, que também é um desvairado, tenha apoiado Vénus no 1.º concílio, a ponto de 'fazer perder a luz' a Apolo, o que tem que ser significativo... Apolo e Baco no mesmo campo?! Há quem considere Baco como tendo um papel 'rectificador', secundário em relação a Apolo, mas 'rectificador' no essencial. (entretanto, curioso como os argumentos do primeiro concílio, de parte a parte, são mesquinhos... compare-se com o discurso de Baco aos deuses do mar, em que finalmente surgem as garndes questões em jogo)
- A este respeito, no fundo o nosso próprio discurso é contraditório: permanentemente nos queixamos de que os Descobrimentos trouxeram ne verdade guerra, cobiça e as outras coisas de que Baco avisava (principalmente se ele for, como eu suspeito, o próprio Velho do Restelo disfarçado, personagem que não merece o desprezo em que todos o lançam; é interessante comparar o seu aspecto com a descrição de Luso nas bandeiras de Paulo da Gama). No fundo, e para isto foi o Paulo que me chamou a atenção, porque é que Baco está contra nós?!
- Mas a profecia do Velho é mais verdadeira do que a de Tethys, e Camões no Canto X deixa transparecer isso bem: no regresso da Ilha, estamos todos na mesma excepto provavelmente o Leonardo...
- Em todo o episódio da Ilha, confesso que só gosto mesmo do Leonardo e da sua Efire, passo literariamente sublime e bem diferente da 'caçada' canina dos outros navegadores (e sem nada de 'titânico' no modo como o Amor se atinge quando à conquista dele se renuncia...).
- A Bruxa tem muito que se lhe diga, na sua leitura celtico-pagã... mas já temos aqui muito que admirar...
(espero não o maçar com estas coisas...)
Casimiro, não maça nada, pelo contrário!... Agradeço-lhe imenso estas notas, sobre as quais prometo ir reflectir, pois tudo isto me apaixona. E já sobre elas reflicto. Por isso nada mais digo.
A não ser que, obviamente, essa Bruxa é extremamente interessante. Muito mais do que a Deusa.
Paulo, só agora aqui consegui voltar... Aguardo então a sua opinião sobre isto.
A 'deusa' de que fala é a do wicca-adolescente de agora?! No aspecto feminino, gosto muito - e basta-me - das Senhoras da Rocha, da Penha, da Peneda e equivalentes. Filhas da Moura.
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