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Timor-Leste: Dez anos de Liquiçá, o massacre que "iniciou a orgia" de 1999
Pedro Rosa Mendes
Díli, 05 Abr (Lusa) - O referendo em Timor-Leste, em Agosto de 1999, começou a ser pago meses antes pelos adeptos da independência. A grande cobrança de sangue iniciou-se em Abril, na igreja de Liquiçá, passam segunda-feira dez anos.
O massacre de Liquiçá foi um marco na campanha que culminou na devastação de Setembro de 1999.
"Fomos avisados de que o ataque ia acontecer", recordou esta semana Marcelino Soares, de Maubara, mais a oeste de Liquiçá, à Agência Lusa.
Marcelino Soares, caixeiro numa loja em Díli, recolhe aos fins--de-semana à sua aldeia isolada nas colinas de Maubara. Vive com a memória de dois massacres e três histórias de sobrevivência - incluindo a sua e a dos seus pais.
"Os meus pais estavam refugiados na igreja de Liquiçá a 06 de Abril. Quando a (milícia de Maubara) Besi Merah Putih (BMP) atacou, os que saíam da igreja eram mortos a tiro ou à catanada ou à cacetada", contou.
Estavam cerca de duas mil pessoas na igreja e na residência paroquial, após um ataque na véspera à vizinha aldeia de Dato pela BMP.
"Só os que tinham algum conhecimento ou família é que se salvavam. Os outros eram mortos ali ou mais tarde, às escondidas. Os meus pais viveram porque ainda eram família de dois timorenses da tropa indonésia", prosseguiu o caixeiro de Maubara.
Quando aconteceu o massacre de Liquiçá, Marcelino Soares estava em Lecidere, no centro de Díli, desde Fevereiro, refugiado na casa de Manuel Carrascalão, um dos líderes da plataforma independentista.
A 17 de Abril, a mesma milícia BMP de Maubara e a milícia Aitarak de Díli, dirigida por Eurico Guterres, atacaram a residência de Manuel Carrascalão, matando o seu filho adolescente e um número indeterminado de refugiados, talvez mais de cem segundo testemunhos recolhidos pela Lusa em Díli, Liquiçá e Maubara.
Marcelino Soares sobreviveu ao Massacre de Lecidere mas andou meses fugido nas montanhas a sul de Díli. Só muito depois do referendo conseguiu localizar os pais na fronteira com Timor Ocidental, para onde tinham sido levados à força após o referendo.
"O 06 de Abril anuncia o 17 de Abril e o que veio a seguir. Devem ser assinalados como um mesmo acontecimento. Os criminosos são os mesmos e as vítimas foram as mesmas, sobretudo gente de Maubara", afirmou à Lusa a filha de Manuel Carrascalão, Christiana, assessora do Presidente da República.
"O massacre de Liquiçá iniciou a orgia de violência de 1999", resumiu o historiador australiano Clinton Fernandes, em entrevista à Agência Lusa.
Clinton Fernandes, entrevistado por telefone em Camberra a partir de Díli, recordou que o ataque de 06 de Abril "foi a primeira vez em que a santidade da Igreja foi violada".
"Do lado indonésio a mensagem era clara: nenhum sítio é seguro, nem a Igreja pode proteger os timorenses", resumiu Clinton Fernandes, ex-oficial de informações das Forças de Defesa Australianas (ADF) que em 1999 acompanhava o desenrolar do drama timorense.
"Liquiçá foi também o primeiro massacre de larga escala em 1999 e a ocasião em que a Indonésia pôs em prática o modelo operacional que repetiu depois, desde a coordenação de forças militares e policiais com as milícias até à limpeza de provas e à eliminação dos corpos", explicou Clinton Fernandes.
O historiador exemplificou com "a limpeza do sangue ensopando o chão com café e o disfarce dos buracos de balas nas paredes".
"O balanço mais exacto é de 86 mortos", disse Clinton Fernandes, citando a investigação conduzida pelo ex-diplomata australiano James Dunn.
Nenhum dos responsáveis superiores do massacre de Liquiçá e da campanha orquestrada de violência a que deu início foram até hoje trazidos à justiça, como salientou Clinton Fernandes.
"Recordar o massacre é tão relevante quanto se sabe que (o ex-comandante das Forças Armadas Indonésias) Wiranto está em campanha para a Presidência da República, tal como (o ex-oficial das forças especiais) Prabowo, ou que Eurico Guterres está em campanha para o Governo provincial em Kupang", notou o historiador australiano.
"As vítimas (de 1999) ainda não receberam nada", concluiu Marcelino Soares sobre a década que passou após o massacre. "Se for ver, não somos nós que estamos na base de dados do Ministério da Solidariedade Social. Só peticionários e deslocados de 2006."
Lusa/fim
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domingo, 5 de abril de 2009
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